Eficiência sem fadiga III: Vida Intelectiva - Atenção Concentrada

by - quinta-feira, setembro 01, 2016



Para os seres dotados de conhecimento, a atenção é como o sol. Quando não prestamos atenção, é como se caminhássemos através de uma noite escura por entre valiosíssimos tesouros de beleza, bondade, ciência..., sem percebê-los nem nos apossarmos deles.

Com a atenção, esta luz espiritual que é nossa pessoa, enquanto capaz de conhecer as coisas, se volta para um objeto ou tesouro, ou para um conjunto de qualidades ou objetos, ilumina-os, apodera-se deles através da mente e os arquiva na memória.

Quanto mais nobre e útil for o objeto, quanto mais poderosa for a inteligência que o ilumina e quanto mais profunda e detidamente nele se fixar, tanto maior será o enriquecimento e a satisfação intelectual.

Graças à atenção bem dirigida, os sábios realizaram suas descobertas, os artistas suas obras-primas, os industriais e comerciantes suas fortunas e os santos sua perfeição.

Prestar atenção ou atender é “interessar-se de fato por alguma coisa”; pressupõe disposição física (olhos abertos, uma certa tensão muscular etc.) e preparação mental, ou estar à espera de algo. É dar-se conta do que vemos, sentimos, ouvimos ou lemos. Implica também seleção: dentre as inúmeras impressões externas (cores, sons, objetos etc.) ou reclamos internos (necessidades, instintos, inclinações) que a cada instante batem à porta da consciência, quando atendemos, selecionamos algo que nos interessa, abrimos-lhe a porta e o introduzimos no mais íntimo de nosso ser, no centro de nossa consciência.

Há uma atenção espontânea. A que nasce, por exemplo, quando uma súbita detonação ou um grande resplendor nos tiram de nossos pensamentos e nos atraem a si ou quando alguma coisa agradável ou interessante nos prende sem esforço nosso. Esta espécie de atenção é a que predomina nas crianças. Devemos desenvolvê-la fomentando o interesse e o entusiasmo.

Há também a atenção voluntária, que exige algum esforço, porque supõe conflito com outros estímulos que nos atraem em sentido diverso. Devido a esse esforço, se a atenção voluntária se prolonga demasiado, pode provocar enfado ou cansaço; se, porém, for educada convenientemente, produz o hábito da atenção tranquila.

A atenção habitual, na qual cessou o conflito e o esforço foi reduzido ao mínimo, é a atenção eficiente de que vamos tratar e que devemos visar em todos os nossos trabalhos.

Compreende a mente, que se concentra em uma só coisa ou ideia, sem distrações a interrompê-la, nem ideias parasitas a obsesssioná-la.

É ajudada por sentimentos positivos de paz, confiança e alegria que geram interesse.

É robustecida pelas emoções positivas que levam ao entusiasmo. Contudo, é dificultada pelos sentimentos negativos: desânimo, temor, tédio.

Pressupõe uma vontade razoável de aprender, conforme as possibilidades, excluindo a vontade impulsiva que quer mais ou melhor, e mais depressa do que convém.

Precisa do apoio dos músculos no estado normal ou em leve tensão; prejudica-a a tensão insuficiente que há no estado de sonolência ou a tensão excessiva que se verifica no estado de nervosismo.

Apoia-se especialmente em olhos mansos, flexíveis e que piscam com frequência, evitando os olhos duros e imóveis.

Nutre-se de sangue rico e abundante no cérebro, bem como de respiração ativada, evitando a excessivamente acelerada.

Quando a atenção reúne todas estas condições e não se prolonga demais e quando, graças ao hábito, tudo se torna natural e espontâneo, então o trabalhador intelectual terá eficiência máxima, sem perigo de cansaço.

Nosso modo de prestar atenção pode ser meramente receptor: é o que existe quando queremos inteirar-nos de algum assunto ou quando conhecemos ou percebemos objetos, sons, acontecimentos, ideias etc. sem acrescentar nada de pessoal. Nela aumentam levemente a respiração, a circulação e a tensão muscular.

Costuma fluir suave e continuada, como a tranquila corrente de um regato, com pouca possibilidade de cansaço, a não ser por excesso de duração. É às vezes explosiva ou espasmódica como impetuoso manancial que jorra aos borbotões, e então a possibilidade de cansaço é maior. Por meio desta atenção receptora reunimos os materiais do saber.

Há outra atenção reflexa, elaboradora ou criadora, discursiva: é a que temos quando, não satisfeitos de apenas inteirar-nos de algo, o relacionamos com outros conhecimentos, associando-os entre si, classificando-os e dando-lhes unidade, ou dissociando-os, tirando conclusões e criando novos conhecimentos.

Então a possibilidade de cansaço é menos remota, pois também são mais acentuadas a tensão muscular, a respiração e o afluxo de sangue no cérebro.

Por meio da atenção criadora construímos “o palácio da sabedoria”.

Finalmente, destas duas atenções convenientemente repetidas, ou da marca que deixam, se beneficia a memória, a qual retém e reproduz o que se armazenou: vale dizer, conserva o “palácio”. 

Passemos ao estudo destas três atividades mentais e das leis ou normas que lhes dão maior rendimento.





ATENÇÃO RECEPTORA

A atenção receptora pode ser:

Concentrada: quando se fixa em um objeto ou ideia, com exclusão de qualquer outra; quando na consciência não há outro objeto; quando toda a capacidade de conhecer está centralizada em uma só consideração.

Esta atenção é a que produz verdadeira eficiência e satisfação. É a raiz de nossa grandeza.

Distraída: é uma ideia interrompida. É como se lançássemos um foco de luz sobre um objeto e de repente o foco se desviasse e nos deixasse no escuro, sem podermos iluminar perfeitamente o objeto.

Obsessionada por ideias parasitas que não desejaríamos ter. Coisas que aborrecem ou fantasmas temidos se interrompem entre a lâmpada e o objeto para impedir que gozemos o prazer do que queremos contemplar.

É a causa principal do cansaço.






ATENÇÃO CONCENTRADA

Temos atenção concentrada quando acompanhamos uma ideia com exclusão de qualquer outra, ou seja, quando a consciência se ocupa exclusivamente do que lemos, observamos ou escutamos, sem percebermos outra coisa.

É todo nosso ser que se debruça sobre o acontecimento ou ideia, atraído por eles, ou que é levado por sua própria inclinação ou vontade. É o hábito de atender sem esforço — adquirido através de atos reiterados de atenção voluntária — que se põe em atividade. É a luz do conhecimento que se acende e focaliza algo concreto; ou melhor, é toda nossa pessoa que, abandonando a semiobscuridade ou a inação, se ilumina, se ativa e se volta para um objeto ou conjunto de objetos, deles se apossando ou assimilando-os.

É tomarmos a rua reta que nos leva a um determinado ponto, sem nos desviarmos pelas ruas transversais, mesmo que ofereçam muitas atrações. Chegaremos mais rapidamente e quase sem cansaço.

Assim também, aquele que, ao estudar um livro ou um assunto qualquer, nele se absorve totalmente, esquecendo-se de tudo que o circunda, de si mesmo, de seus problemas, do funcionamento do corpo e da mente, chegará facilmente a resultados surpreendentes.

É o que acontecia com o historiador Macauley que, lendo pelas ruas, repetia de cor a página lida; com certo filósofo que, ao discutir ao ar livre sua tese favorita, continuou embebido na disputa, sem perceber a chuva que começou a cair; finalmente, é o que também acontece com as crianças que, absorvidas em seu jogo, correm atrás da bola, sem perceber o carro que as atropela.


Em outras palavras: rendimento máximo com cansaço mínimo.

Do desgaste de uma ou mais horas de perfeita concentração, sem pressa ou ansiedade, recuperamo-nos com alguns minutos de suave repouso da mente, por meio do relaxamento dos músculos faciais ou oculares, ou por meio de sensações conscientes, mudança de ocupação e exercícios físicos.

Um dia deste trabalho mental ordenado se refaz com uma noite bem dormida, podendo-se deste modo continuar por meses e anos, sem perigo de esgotamento. Pois então, em vez de destruirmos a natureza, violentando suas leis sábias, nós a fortalecemos respeitando tais leis.

Não se pense que este trabalho continuado produza aborrecimento ou tédio; muito pelo contrário. A unidade da mente concentrada e o enriquecimento intelectual resultante são fontes de verdadeira satisfação. “A alegria, diz Aristóteles, é consequência de todo ato perfeito.”

A base da grandeza humana de Napoleão Bonaparte foi sua grande concentração mental. Conta-se que ele, quando estudava um problema, se absorvia de tal modo que parecia não ter outra coisa a fazer. Resolvido um problema, passava a outro, esquecendo-se do anterior e do seguinte. Com este sistema, conseguia trabalhar mentalmente até dezesseis horas por dia.

Esta capacidade de deixar de lado qualquer outro assunto e poder concentrar-se no que se quer é a raiz da grandeza do homem.

Poderíamos sintetizar seu valor da seguinte maneira:

Talento + CONCENTRAÇÃO = Êxito do Caráter + Santidade


Aplicada ao estudo ou negócio, se manifesta em talento, ciência, ampliação de horizontes, visão de oportunidades, solução de problemas.

Quando se tem que tomar uma decisão, a atenção concentrada permite que se veja com nitidez o objetivo, os motivos para querê-lo e os meios para alcançá-lo.

Noutras palavras, nos dá caráter, força e constância de vontade.

Na vida de oração e santidade, a concentração se converte em luzes espirituais que nos afeiçoam à virtude e em força sobrenatural para praticá-la.



Como melhorar a concentração

Uma vez considerada como principal fator de eficiência, saúde e felicidade, tudo o que dissermos mais adiante ajudará a melhorá-la: o afastamento das causas de divagação e obsessão; o despertar do interesse e entusiasmo, como explicaremos na vida afetiva; a ajuda do ato eficaz da vontade; a melhoria do funcionamento orgânico neuromuscular, sanguíneo e respiratório; a formação do hábito da atenção perfeita, que estabiliza a concentração e evita o cansaço.

Como exercícios científicos para reeducar a concentração, recomendamos as sensações conscientes que, além de nos proporcionar descanso e alegria, reforçam a atenção estática; os exercícios do Dr. Vittoz, como os descrevemos, com os quais se reeduca a atenção sucessiva ou em movimento; o desenvolvimento do espírito de observação, usando, por exemplo, o seguinte exercício: fixar a atenção durante um minuto em algum edifício, sala, pessoas, ações, ruídos etc. Repetindo o exercício por alguns dias, veremos que iremos captando detalhes e facetas que da primeira vez nos escaparam.




Quatro períodos ou fases

A concentração não nasce de repente. Costuma haver um primeiro período de ajustamento no qual os nervos e músculos, possivelmente sobreexcitados, se vão adaptando ao novo trabalho, e a mente, postos de lado outros pensamentos, vai penetrando no que lhe está presente. Varia muito a rapidez na adaptação e penetração na nova concentração. Segundo Wiersma, é menor nos melancólicos e excêntricos; talvez porque as ideias ou imagens que precederam tendem a permanecer neles por mais tempo que nos tipos normais.

Para facilitar esta adaptação, é necessário repelir o que nos pode distrair:

a) Fora de nós: acumulação de papéis ou objetos sobre a mesa ou no quarto;

b) Dentro de nós: multiplicidade de problemas que temos que resolver, ou ações em perspectiva ou ideais que pretendemos realizar. Ataquemos uma coisa depois de outra: quem muito abarca pouco aperta.

Segue-se o período de aquecimento progressivo ou aprofundamento da atenção, no qual, uma vez vencido o torpor inicial e adaptados os nervos e músculos — “facilitação reflexa sináptica e tensional”, como diria Mira y López — a mente se abstrai cada vez mais, entra de cheio no assunto e nele mergulha. Esta abstração com relação aos demais objetos e a profunda consideração do assunto escolhido possuem graus e, de acordo com os mesmos, maior ou menor serão a eficiência e o prazer intelectual.




Seu extraordinário talento emparelhava com a profundidade de concentração.

Muitos são capazes de manter esta concentração durante uma ou várias horas, através apenas de uma decisão geral de atender a determinado assunto. Os enfermos ou esgotados, os inconstantes e inconsiderados e as crianças, pelo contrário, são menos firmes na atenção e têm que renovar a decisão e o interesse com frequência. Mais tarde explicaremos como a interrupção periódica do trabalho pode ser útil também às pessoas normais e sadias e, se houver tensão, mais amiudadamente, a fim de acalmá-las. Desta maneira, se consegue que o estado de prefadiga tarde a aparecer. Com isto também se consegue o retardamento do terceiro período. O terceiro período é o de saturação ou “nivelamento” entre aquecimento e cansaço, no qual a atenção arrefece, a evocação de lembranças antigas se torna mais difícil, a combinação de ideias e a elaboração de conclusões e sínteses exige maior esforço e o cansaço começa a se fazer sentir. Isto costuma dar-se mais ou menos após duas horas de atenção continuada; contudo, alguns indivíduos conseguem prolongar a atenção por mais tempo; também sucede que a mesma pessoa a possa manter com relação a determinadas matérias e a outras não.

Já Santo Inácio de Loyola, em 1550, aconselhava seus estudantes a não ultrapassar habitualmente duas horas seguidas de estudo sem fazerem uma breve interrupção.

Os psicólogos modernos inclinam-se a aceitar esta norma; alguns, porém, reconhecendo que a juventude estudiosa das grandes cidades costuma viver um clima de superexcitação, acham que ela deveria encurtar este período de aplicação séria ao estudo. É possível que as células cerebrais tenham já esgotado em duas horas suas reservas de energia e nos peçam alguns minutos para se recuperarem. Ajudemo-las mudando de ocupação ou de postura, ativemos os músculos inativos, a respiração, a circulação do sangue. Se não o fizermos oportunamente, chegaremos rapidamente ao quarto período, que é o de cansaço, no qual o aproveitamento decai progressivamente e o aborrecimento, o desinteresse e até mesmo a inibição aumentam, ou então o nervosismo, juntamente com o incômodo causado pelo esforço.




Prática

Entregue-se ao trabalho com plena determinação e confiança. Coordene o corpo e o espírito: não tome nem uma postura tão violenta e incômoda que, ao causar cansaço ou dor, produza a distração, nem tão comodista que faça afrouxar os músculos até provocar sonolência.

Tenha sempre algum motivo ou fim concreto. Diga, por exemplo: “Quero aprender o que diz este artigo ou capítulo sobre...; quero enriquecer-me com estas ideias; serão úteis para tal fim.” Este desejo e pretensão, posto que signifiquem muito para você e que se realizem em pouco tempo, poderão sustentar sua atenção. Se esta tiver que prolongar-se demasiado, aquele propósito seria insuficiente ou ineficaz, a não ser que a pessoa o faça por partes, fixando seu objetivo em cada parágrafo ou capítulo, porque então a vontade, sentindo sua utilidade e possibilidade, se aferrará a ele e comandará a atenção.

É o que fazemos quando, de lápis em punho, vamos resumindo um parágrafo após outro, ou sublinhando o que nos parece interessante para nossa finalidade.

Uma vez desencadeado este mecanismo, a concentração se produzirá por si — como o sono, sem esforço — sem ter que forçá-la: basta entregar-se ao trabalho em circunstâncias favoráveis. A música, o assobio, a mastigação (chicletes, por exemplo) ajudam a alguns, mas atrapalham a outros. Acostume-se a resistir à curiosidade de saber outras coisas ou o que se passa ao redor. Por outro lado, procure que a ocupação atual desperte em seu espírito interesse e entusiasmo. 

Comece com ânimo, mesmo que a princípio não sinta gosto nem progresso. Se, devido à fraqueza ou cansaço, a pessoa não pode concentrar-se em várias páginas de leitura ou em meia hora de dissertação, exercite-se várias vezes por dia em concentrar-se deveras; mas, sem tensão, em períodos curtos. Seu único escopo seja seguir a ideia e não propriamente evitar as distrações. Se estas sobrevierem, procure voltar novamente à ideia. Prestando bem atenção a meia página ou durante dez minutos de dissertação em cada exercício e continuando a exercitar-se várias vezes por dia, sempre por alguns minutos mais, rapidamente se conseguirá a concentração normal. Serão úteis para isso os exercícios das páginas 43 e ss..

Quando a pessoa se sente preocupada com o que tem que ultimar sem demora, deve dizer a si mesma: “Sim, são assuntos importantes, mas podem esperar; atacá-los-ei daqui a pouco.”





Concentração na oração

No estudo ou trabalho mental natural, dois elementos estabelecem a medida de nossa felicidade intelectiva: o interesse que o objeto ou verdade descoberta desperta em nós e a clareza com que a vemos. É o que se passa na obscuridade de uma caverna cheia de tesouros, quando se acende a luz que os revela: nossa alegria aumenta na proporção da importância ou beleza do tesouro que iluminamos e da clareza e morosidade com que o percebemos. Na oração ou trabalho mental sobrenatural, estes dois elementos atingem proporções ilimitadas, pois o objeto ao qual dirigimos a atenção é Deus, tesouro infinito, verdade e beleza totais, ou alguma coisa relacionada com Ele e a luz da sabedoria infinita se junta ao foco limitado do entendimento humano.

Quando estudamos, lemos ou pensamos sem plena concentração, não conseguimos eficiência nem satisfação verdadeira; com muito maior razão, quando tratamos com o Ser Infinito na oração, sem plena atenção, não poderemos dar um passo, nem gozar de suas delícias insuspeitadas.

A vida de Deus em nós se manifesta com frequência em jorros de luz sobrenatural, ondas de satisfação sobre-humana, antegozo do céu, íntima aproximação à Divindade... São luzes ou inspirações, fulgores luminosos que de súbito nos fazem ver horizontes e tesouros inesperados com uma clareza e evidência quase intuitivas. São os sentimentos e consolações espirituais que com frequência os santos experimentam e até mesmo os cristãos de boa vontade quando se entregam ao Retiro Espiritual ou se recolhem com sinceridade em oração. Consolações e luzes sobrenaturais que superam a todas as alegrias mundanas e que só podem ser saboreadas por quem as experimenta. São impulsos ou estímulos para a vontade que geram maior capacidade para realizar coisas difíceis.

Poderíamos reduzir tudo na seguinte fórmula matemática:

E + G = 1.000.000 RCD =

F + D = 0

RCD = Resultado da concentração nas coisas divinas; EG = Eficiência e gozo (ilimitados); FD = Fadiga e desgosto (nulos).




Poderíamos também apresentar outra equação:

Oração atenta — Raiz de toda santidade

Contudo, tais consolações sobre-humanas, tais cintilações divinas passam despercebidas à alma pouco recolhida. Também Deus por vezes não as concede, quando prevê que a dissipação interior da pessoa não lhe permitirá sequer notá-las ou apreciá-las.

Se nos decidíssemos a falar com Deus com todo nosso ser! Se nos aplicássemos com toda atenção ao que dizemos, mesmo na mais breve oração vocal! Se escutássemos o que Ele nos quer dizer na intimidade da oração! Deus só fala ordinariamente no mais íntimo do ser e só O sentiremos através da perfeita concentração.

Na oração, do mesmo modo que no estudo, a concentração não costuma dar-se de repente. O primeiro período de “ajustamento” muscular e mental é, no caso, mais necessário, pois quando oramos nos elevamos acima do visível, do temporal e do humano, a fim de penetrarmos no céu, para falar com o Infinito e descobrir tesouros sobre-humanos. Para se conseguir este “ajustamento” Santo Inácio recomenda que, uma vez no local da oração, elevemos o pensamento ao alto pelo tempo de um “Pai-nosso”, concentrando-nos na certeza de que Deus está ali presente e nos contempla e prestando-lhe uma homenagem, mesmo externa, de reverência.

Nas orações breves durante o dia consegue-se o mesmo resultado fazendo com sinceridade e respeito o Sinal da Cruz; com isto, nos colocamos imediatamente na presença da Santíssima Trindade e nos unimos a Ela. Por falta deste “ajustamento”, muitos nem sequer começam a rezar deveras e muito menos mergulhar na oração.

O segundo período consiste em desprender-se completamente da terra, penetrar de verdade no céu e entrar com recolhimento progressivo na intimidade com Deus; compreende vários graus, até se chegar a libertar das coisas sensíveis e sentir a Deus no nível mais profundo de nossa alma. Deus só fala no mais íntimo de nós mesmos e, como Ele deseja comunicar-se com suas criaturas, bem depressa o sentiremos, se empregarmos com diligência os meios humanos e atrairmos, pela humildade e confiança, sua ajuda divina. Verifiquei isto entre as crianças recém-convertidas de minha escola na China: quando, de olhos cerrados e mãos postas, se esforçavam para pensar no que rezavam, muitas delas sentiam tais consolações, que já nada mais desejavam que conservar esta felicidade por toda a vida e, para tal conseguirem, decidiram-se a abraçar a vida sacerdotal.

A dificuldade compreensível de se conversar com Deus, espírito invisível, tem fácil solução depois que Ele quis fazer-se homem. Agora podemos representá-lo como menino ou adulto, a rezar ou a trabalhar; podemos contemplá-lo quando se alimenta ou quando sofre.

Neste particular, mais do que no estudo, há graus de abstração das coisas sensíveis e concentração em Deus; conforme a profundidade da atenção, serão nossa aproximação com Deus, a participação de seus dons e o gozo espiritual. Por outras palavras, a uma concentração maior corresponde maior santidade, porque Deus, que não se deixa vencer pela generosidade dos homens, ordinariamente, recompensa desta maneira nosso esforço.

Esta concentração pode prolongar-se indefinidamente quando Deus faz jorrar sua luz; assim sucedeu com São Francisco de Assis, o qual, começando sua oração ao anoitecer, pela manhã se queixava do sol, porque viera tão rapidamente privá-lo das delícias da contemplação.

Contudo, façamos uma interrupção quando sentirmos ameaça de fadiga ou desgaste que poderia sobrevir, não da oração em si mesma, mas da inquietação de nossa mente, ou da tensão, principalmente nos olhos, ou finalmente de uma postura incômoda prolongada.







RESUMO PRÁTICO

AUXÍLIOS PARA A CONCENTRAÇÃO

  • Apreciá-la como raiz do talento e da grandeza
  • Afastar obstáculos: ruídos, pessoas
  • Suscitar interesse e entusiasmo
  • Querer a concentração, sem duvidar de sua possibilidade
  • Facilitá-la sublinhando ou resumindo
  • Começar com decisão e em local recolhido
  • Procurar a profundidade
  • Aproveitar o calor
  • Interromper aos primeiros sintomas de fadiga
  • Melhorar a função neuro-muscular, respiratória e sanguínea
  • Meio principal: vencer a divagação e obsessão, como se explicará nos capítulos seguintes.


Texto do Reverendo Narciso Irala






Ana Paula Barros

Especialista em Educação Clássica e Neuro Educação pela Pontifícia Universidade Católica. Graduada em Curadoria de Arte e Produção Cultural pela Academia de Belas Artes de São Paulo. Professora independente no Portal Educa-te (desde 2018). Editora-chefe da Revista Salutaris e autora dos livros: "Modéstia", "Graça & Beleza".


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2 comments

  1. O peregrino russo está em minha lista. A imitação de Cristo comecei e parei! Seu trabalho é importantíssimo. Obrigado! Compartilhei com amigos!!

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    1. Olá, paz e bem, que ótimo :) fico muito feliz em ser útil :) o Peregrino Russo se tornou minha leitura do coração, meu preferido, todos deviam lê-lo é uma salto na vida de oração :) além de nos fazer fazer entender algumas coisas da história da Igreja :)

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Olá, Paz e Bem! Que bom tê-lo por aqui! Agradeço por deixar sua partilha.