Quando nos dedicamos à leitura de um livro, uma lição ou uma conferência e, ao mesmo tempo, não conseguimos nos livrar de uma preocupação ou lembrança, de uma paixão ou conflito, ou seja, quando tentamos atender a duas ideias simultaneamente, o rendimento torna-se mínimo e pouco duradouro, enquanto a fadiga atinge o máximo. A luz do entendimento começa a focalizar um tesouro para possuí-lo e desfrutá-lo, mas algum outro objeto, que desperta temor ou uma ideia passional, vai se intrometendo repetidamente, impedindo-nos de usufruir tranquilamente do tesouro em questão.
É como o funcionamento de uma máquina de escrever quando duas teclas são pressionadas ao mesmo tempo: a escrita sai confusa e a máquina se danifica. Da mesma forma, nada esgota mais nosso cérebro do que o esforço simultâneo com ideias parasitas, preocupações e obsessões, ou com agitação e nervosismo. Essa é a principal causa da maioria das exaustões ou esgotamentos nervosos, do “overwork”, como dizem os ingleses. Quinze minutos desse trabalho desordenado cansam mais do que duas horas de perfeita concentração e dificilmente podem ser compensados com um breve descanso. Um dia vivido sob essa tensão não se recupera com uma noite de sono, pois provavelmente teremos dificuldade para conciliá-lo e, ainda que durmamos, o sono será interrompido por sonhos e pesadelos.
Antes, comparamos a concentração àquele que segue diretamente pela rua, sem se desviar para a direita ou para a esquerda, chegando assim ao destino com maior rapidez e menor cansaço. Podemos também comparar quem trabalha com ideias parasitas ao caminhante que, em sua rota, encontra alguém que o empurra ou o arrasta para outro rumo: desta forma, ou nunca chega ao destino, ou só o consegue com grande atraso e muito esforço.
Tampouco haverá paz ou verdadeira satisfação devido à falta de unidade e plenitude; não se encontrará a alegria do ato perfeito, nem o prazer da concentração tranquila, pois não há tempo suficiente para assimilar plenamente o que se recebe, sentir o enriquecimento intelectual e fixá-lo na mente.
Para compreender melhor o mecanismo da divagação mental e da obsessão, podemos representar nossa mente elaboradora de pensamentos por círculos concêntricos. No centro, está o foco da atenção; nele está o objeto que percebemos com clareza e do qual temos plena consciência — no caso, um livro. Ao mesmo tempo, porém, há outras coisas ou ideias não diretamente focalizadas pela atenção, mas das quais temos alguma consciência. Essas podem ser representadas por círculos concêntricos na faixa periférica da atenção, como os objetos localizados nas extremidades da mesa onde trabalhamos: estão apenas de forma indireta e confusa ao alcance de nossa visão enquanto lemos ou escrevemos. Bastará, no entanto, mover o rosto, e eles passarão a estar direta e claramente em nossa visão.
Em determinado momento, uma única ideia, objeto ou conjunto de coisas pode ocupar o centro de nossa atenção; porém, podem haver várias na faixa periférica:
a) com possibilidade de entrar no foco;
b) com maior probabilidade ou tendência a interessá-lo;
c) com verdadeira urgência de conquistá-lo.
A primeira classe de ideias ou objetos — as que têm possibilidade de entrar no foco, mas sem urgência — são as coisas ou experiências mais recentes ou mais repetidas (r), e as mais próximas ou conexas (c).
A segunda classe, com maior probabilidade e tendência, mas sem muita insistência, refere-se às coisas influenciadas pela afetividade (a), interesse (i), prazer ou desprazer.
A terceira classe é composta pelas coisas que têm pressa de ocupar nossa mente, ou seja, aquelas que mais interessam ao “EU”, os desejos e temores intensos. Quando tais grandes desejos ou temores existem, eles lutam arduamente para ocupar o centro de nossa atenção, assediando (obsidere, em latim — daí a origem de “obsessão”).
Nessa batalha implacável para conquistar o centro da consciência, essas ideias obsessivas frequentemente vencem a vontade, que gostaria de permanecer focada no que se está estudando. Elas tomam nossa mente com tal força que nos dão a impressão de seguirmos duas ideias ao mesmo tempo, criando aparentemente o fenômeno da dupla atenção. Contudo, o mais provável é que ocorra uma alternância extremamente rápida de uma ideia para outra.
Este manual prático, destinado a pessoas normais, não busca solucionar casos de atenção anormal derivados de causas profundas do inconsciente, como compulsões ou obsessões. Para esses casos, recomenda-se a consulta com um especialista.
Dessa forma, para evitar essa atenção obsessiva ou assediada, que tanto prejudica o trabalho mental, é necessário primeiro identificar, depois canalizar e moderar razoavelmente, ou mesmo eliminar, quando necessário, os desejos exagerados que nos impulsionam e os temores excessivos que nos deprimem.
Estas são as duas fontes das ideias parasitas:
1. IDEAL EXAGERADO OU EMULAÇÃO EXCESSIVA
Certo dia, apresentou-se a nós um jovem empregado, queixando-se de cansaço cerebral, nervosismo, desânimo e sono agitado. Ele havia se matriculado em quatro matérias na universidade e assistia, todas as noites, a duas aulas. Corria do escritório para os estudos e de sua casa para a universidade, dormia tarde, levantava-se de madrugada e não se permitia diversões nem esportes.
— Não estará você perseguindo um ideal acima de suas possibilidades? — perguntei-lhe. — Quem aspira a 100 e somente pode alcançar 50, ao insistir em ultrapassar esse limite, só o conseguirá com violência e tensão psíquica e neuromuscular.
Arregalou os olhos, como se tivesse descoberto um mundo novo, e respondeu:
— Exato, Padre. Agora entendo minha situação: não devo pretender tanto em tão pouco tempo.
Deixou duas matérias para o ano seguinte e imediatamente recuperou a paz e a alegria. Vemos com frequência jovens que terminaram seus estudos e querem entrar no seminário. Costumam fazer vários cursos ao mesmo tempo. Facilmente lhes sobrevêm o nervosismo e a afobação no estudo: se não conseguirem vencer rapidamente esses dois inimigos de sua tranquilidade, melhor seria que seguissem o curso normal, sob pena de acabarem com esgotamento nervoso. “O modo mais prático de fazer muito é fazer uma coisa de cada vez”, diz Lord Burleigh.
Estando certa vez em uma sala de espera, vi um livro que muito me interessava. Desejando enriquecer-me com seu conteúdo, para mim utilíssimo, percorri-o com ansiedade e rapidez; resultado: fiquei arrasado.
Por que, às vezes, a leitura do jornal nos cansa? É porque, parecendo-nos perda de tempo utilizá-lo com coisas sem importância e querendo, por outro lado, satisfazer nossa curiosidade com notícias, lemo-lo com ansiedade e pressa. Trabalhamos com duas ideias ao mesmo tempo: a notícia que nos interessa e a preocupação de terminar quanto antes. Nossa atividade psíquica não tem unidade e plenitude; não nos deixa felizes e satisfeitos e não só não melhora nossa mente, mas, pelo contrário, enfraquece-a. Quem assim trabalhasse habitualmente, chegaria com rapidez ao esgotamento.
Tal perigo espreita os jovens entusiastas, animados pelo ideal de formar-se com perfeição ou de realizar grandes feitos, sem atentarem para suas limitações em qualidades e tempo.
Muitos jovens religiosos e leigos fervorosos, deslumbrados pela sublimidade da oração, da virtude, do apostolado ou da santidade, se lançam à sua consecução com tensão e nervosismo.
Desejariam consegui-los num átimo ou à força de murros, esquecidos de que todo crescimento é lento e gradual. Encarregados de determinada tarefa ou empresa, vibram com tal intensidade que não descansam e nem afastam a tarefa do pensamento enquanto não a concluem: não têm sossego durante a atividade.
Costuma ocorrer, nesses casos, uma sutil inversão na hierarquia de valores. Pretendem alcançar o êxito do empreendimento (valor humano limitado) e perdem de vista o valor divino da ação, a qual, sendo da vontade de Deus e cumprimento do dever, possui um valor ilimitado. Entre o homem e o humano de um lado, e Deus e o que é divino de outro, há a mesma diferença que existe entre um centavo e um milhão de cruzeiros novos. É por isso que lhes falta a plenitude de satisfação, que viria da certeza de estarem realizando o ideal da Sabedoria Infinita e, com isso, conquistando um tesouro imenso. Por outro lado, sofrem angústias devido à ânsia e pressa de alcançar o resultado humano, no qual não poderão encontrar plena satisfação, já que tal resultado possui apenas um valor limitado e mínimo, como se fosse apenas um centavo.
O remédio será aumentar as possibilidades ou moderar o ideal, o que não significa, necessariamente, deixar de aspirar a grandes feitos, mas apenas dar tempo ao tempo, evitando agir por impulsos irracionais e sem permitir que ideais utópicos nos ofusquem.
Quem está cumprindo seu dever não tem motivo para se apressar em terminar para dedicar-se a outra coisa, pois está realizando o máximo que pode no momento — o que Deus quer dele. Nenhuma outra ocupação terá mais valor ou será mais gloriosa; no máximo, poderá ser equivalente.
Aqui está, provavelmente, uma das causas dos desequilíbrios nervosos de pessoas consagradas a Deus. Inverteram inconscientemente a hierarquia de valores, pelo menos na maneira de sentir e agir.
A segurança e plenitude de sua personalidade, que no noviciado se baseava em sentirem-se amados por Deus e na plena realização do ideal divino, pouco a pouco foi perdendo sua força, e eles começaram a comprazer-se e apoiar-se no êxito humano. Quando, finalmente, este fracassou, devido à enfermidade, velhice ou circunstâncias adversas, também a personalidade desmoronou.
Um professor universitário norte-americano, diante de uma verdadeira montanha de composições que devia corrigir, sentia-se atrapalhado pela interminável tarefa e logo se deixava dominar pela pressa e, em consequência, pelo cansaço. Hoje coloca as composições de modo que não as possa ver e vai tirando uma de cada vez, sem nunca olhar as que restam, e corrige cada uma com tranquilidade, como se nada mais tivesse que fazer. Desse modo, termina a empreitada com naturalidade e sem fadiga.
Aquele que, ao iniciar a leitura de um livro, está com o pensamento nos capítulos que ainda faltam, ou que, ao escrever uma carta, se lembra das outras a que ainda tem que responder, corre o perigo de trabalhar sob a pressão de duas ideias simultâneas e, portanto, com nervosismo e cansaço.
Alguns, quando se apercebem de tal pressa ao ler ou escrever, decidem não fazer nenhuma outra coisa durante um espaço de tempo maior do que o necessário para aquela ocupação, freando automaticamente a pressa, quando a decisão foi sincera; outros cobrem as linhas que se seguem e vão descobrindo-as pouco a pouco; outros ainda, atacando também a raiz orgânica desse nervosismo, relaxam mais os músculos dos olhos e da fronte, diminuindo a tensão muscular.
2. PAIXÃO DESENFREADA
Certo aluno do Colégio de Belém, de Havana, obtinha, a cada ano, as melhores notas da classe e o primeiro prêmio. Seu pai, que não entendia de educação, para recompensar tamanha aplicação, ao completar o filho quinze anos, deu-lhe, durante as férias, toda sorte de oportunidades para divertir-se. O rapaz aproveitou-as. Quando se reiniciou o curso seguinte, passou a ser um dos últimos da classe. Seus olhos vagueavam pela sala, e os professores procuravam estimulá-lo:
— Não se sente envergonhado, você, que era sempre o primeiro? Estude, trabalhe!
Ele se calava. Até que um dia, quando o incentivavam de novo, rompeu em pranto:
— Padre, disse, vivi durante as férias como um animal e agora não posso pensar em outras coisas.
Perdera a concentração devido ao vício impuro.
Quantos universitários, ao relembrar a antiga lucidez mental e a tenacidade da memória e compará-la com a atual deficiência, confiaram-nos, com lágrimas nos olhos, que tal lhes aconteceu em consequência de excessos sexuais que se transformaram em hábitos!
Com razão diz o profundo e poético Gar-Mar: “Queres possuir entendimento de anjo? Pede primeiro ao céu coração de anjo. Quando o coração é puro como o cristal, os olhos se tornam mais transparentes. Nada desanuvia tanto o entendimento como o perfume dos lírios.”
Não é sem razão que o maior e mais profundo pensador da humanidade foi também denominado, graças à sua pureza, “Anjo das Escolas”.
Tampouco poderá deixar de se cumprir a palavra da Sabedoria Infinita: “Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus” (Verdade Absoluta).
A moderna endocrinologia ensina que os valiosos elementos elaborados pelas glândulas sexuais são reabsorvidos quando o homem é continente: há reabsorção de 20% de cálcio, 30% de fósforo, além de potássio, magnésio, espermina e colesterina, que atuam beneficamente sobre o sistema nervoso.
O célebre intelectual e político brasileiro Ruy Barbosa atribuía a lucidez de sua inteligência à continência que praticou durante toda a vida.
3- Ideias parasitas depressivas
Se as ideias parasitas impulsivas impedem que nos concentremos, muito maior violência costumam ter as depressivas, como temor, preocupação, insegurança, dúvida angustiante, etc., seja uma tendência vaga de insegurança ou algo concreto, como a perda da saúde, da fortuna, da fama, da vida, ou, pior ainda, algum mal transcendente e eterno, com ou sem fundamento.
Em todos esses casos, será muito difícil concentrar-se enquanto não solucionarmos nossos problemas ou conflitos ou, quando tais problemas são insolúveis, enquanto não atenuarmos a importância exagerada que lhes empresta nossa afetividade. Avaliados em sua justa medida, é preciso aceitá-los plenamente, encontrando felicidade apesar da realidade penosa — que não parecerá tão penosa após racionalização e aceitação.
Em certa capital centro-americana, um estudante nos pediu conselho por não conseguir reter quase nada do que ouvia nas aulas nos últimos seis meses, apesar de anteriormente possuir boa memória. Ele acabou abandonando a universidade. Havia sido impressionado por um amigo preocupado com uma pequena deformidade no rosto. Pouco depois, começou a acreditar que seu riso tinha algo de anormal e essa ideia o assaltava continuamente.
Após dois meses de tratamento, conseguiu superar essa obsessão e recobrou o poder de concentração e a memória, podendo retomar os estudos.
Ele trouxe, então, sua irmã, que havia obtido nota zero na última prova escrita, apesar de saber a lição perfeitamente. Supondo que ela também tivesse insegurança e temor, constatamos que, desde a infância, ela havia testemunhado cenas de violência do pai descontrolado contra a mãe bondosa. De fato, sua insegurança era tão intensa que, ao entrar na sala de exame e ver o ponto escolhido, o medo a dominou e bloqueou sua memória, impedindo-a de lembrar e escrever o que sabia.
Expliquei-lhe como vencer esse sentimento de insegurança, colocando no subconsciente o sentimento contrário, conforme descrito no livro “Controle Cerebral e Emocional”. Ajudei-a a associar a vivência de segurança à do exame que a preocupava. Meses depois, seu irmão me trouxe a notícia esperada: ela havia obtido as melhores notas no exame seguinte.
Quando a insegurança sobre coisas temporais se transforma em obsessão angustiante, pode ser útil consultar um psiquiatra católico, bom católico e bem formado, pois tal estado pode ter origem oculta no subconsciente. Muitas vezes, sua causa está na falta de fé ou na supervalorização do que é terreno, que perde a ordem correta ao ser separado do celestial e eterno.
Sem segurança nos problemas mais cruciais do homem, como sua origem e destino, falta uma base sólida às demais seguranças.
Um retorno aos valores transcendentais, com alguns dias de retiro e meditação sobre esses valores, será o melhor remédio [ver o Livro Meu Retiro].
O psiquiatra Dr. Viktor Frankl [livros aqui], israelita, presidente da Sociedade de Psiquiatria da Áustria e discípulo de Allers, concluiu, após acuradas experiências, que a terça parte das neuroses nos homens modernos resulta da repressão, não do instinto sexual, mas da tendência ao divino e ao destino supremo. Quando perdemos o foco ou suprimimos a visão do que é eterno e divino, o que é humano e temporal assume proporções exageradas.
Se a insegurança transcendente vem de algo que pesa sobre nossa consciência moral, nenhum paliativo ou tentativa de silenciar essa voz interna será eficaz. É necessário enfrentar o problema o quanto antes, reconciliando-se com Deus [no Sacramento da Reconciliação].
A dúvida intelectual em matéria transcendente, como religião, também pode perturbar a paz e profundidade de nossa concentração. É essencial resolvê-la rapidamente, consultando especialistas ou estudando em fontes confiáveis. Já o escrúpulo, outra dúvida obsessiva que às vezes aflige pessoas virtuosas, deve ser tratado com presteza e auxílio combinado de psiquiatria e direção espiritual. (Veja-se “Controle Cerebral e Emocional”.)
Reverendo Narciso Irala, S. J.
Para aprofundamento: Educa-te: Paideia Cristã
Para aprofundamento: Livro A Mulher Católica: Graça & Beleza (Ana Paula Barros)
Ana Paula Barros
Especialista em Educação Clássica e Neuro Educação pela Pontifícia Universidade Católica. Graduada em Curadoria de Arte e Produção Cultural pela Academia de Belas Artes de São Paulo. Professora independente no Portal Educa-te (desde 2018). Editora-chefe da Revista Salutaris e autora dos livros: Modéstia, Graça & Beleza.