Via Pulchritudinis: O Caminho da Contemplação da Beleza

by - janeiro 18, 2019


"A realização final, a atividade significativa absoluta, a expressão mais perfeita de estar vivo, a satisfação mais profunda e a realização mais plena da existência humana devem acontecer em uma instância de contemplação... Uma forma particularmente venerável, particularmente negligenciada também, é a meditação religiosa, a imersão contemplativa do eu nos mistérios divinos". (Josef Pieper)

"Talvez vos tenha acontecido algumas vezes, diante de uma escultura, de um quadro, de certos versos de uma poesia ou de uma peça musical, sentir uma emoção íntima, ter uma sensação de alegria, ou seja, sentir claramente que diante de vós não havia apenas matéria, um pedaço de mármore ou de bronze, uma tela pintada, um conjunto de letras ou um cúmulo de sons, mas algo maior, algo que «fala», capaz de sensibilizar o coração, de comunicar uma mensagem e de elevar a alma. Uma obra de arte é fruto da capacidade criativa do ser humano, que se interroga diante da realidade visível, procura descobrir o seu sentido profundo e comunicá-lo através da linguagem, das formas, das cores e dos sons. A arte é capaz de expressar e de tornar visível a necessidade que o homem tem de ir além daquilo que se vê, pois manifesta a sede e a busca do infinito. Aliás, é como uma porta aberta para o infinito, para uma beleza e para uma verdade que vão mais além da vida quotidiana. E uma obra de arte pode abrir os olhos da mente e do coração, impelindo-nos rumo ao alto." (Arte e Oração, Audiência Geral 31 de agosto de 2011, Papa Bento XI).

Nós possuímos o foco de atenção limitado, de fato, seria irreal dizer que mantemos um foco constante e inabalável diante de uma cena ou um estudo. No entanto, atualmente somos seres não somente com uma capacidade de atenção limitada, mas que entrou em um vórtice de distanciamento resoluto da atitude de, ao menos, se colocar em postura de contemplação, estamos perdendo a nossa capacidade de nos maravilharmos com a realidade da Beleza criada por Deus e também da beleza criada pelo homem nas artes sacras. A educação clássica muitas vezes definiu a arte sacra como "portais", pois nos levam a contemplar uma realidade além, uma realidade eterna. Essa contemplação nutri e eleva o espírito, nos coloca diante de símbolos que nos catequizam e nos fazem aprofundar-mo-nos na espiritualidade cristã, que é contemplativa.

Nós somos aqueles que contemplam, se maravilham diante do Deus que se fez homem, diante do Amor que se fez carne, diante do invisível que se fez visível.

Por essa razão que a igreja deve ser o local em que é possível ver uma concentração dos feixes da Beleza expressos nas belezas criadas por mãos humanas, na igreja devemos ter a oportunidade de contemplar, de descansar a alma, de nutri-la e elevá-la e ainda alimentar a inteligência com o vislumbre da Verdade.

No entanto, muitos não sabem contemplar, por essa razão se esquecem da importância da arte sacra na vida humana, nós somos seres que contemplam, mas devemos contemplar buscando amadurecimento, elevação, senão passamos a usar os olhos para a concupiscência, deslizando a tela do celular sem nenhum motivo racional ou repousando os olhos em feiúras, indecências e imoralidades.

Portanto, esse texto visa lhe ensinar a contemplação no seu modo mais simples, ou seja, não estou aqui a falar da contemplação das morada elevadas do castelo interior, mas a falar sobre a contemplação que nos fornece forças para seguir de morada em morada. Uma contemplação que é encorajada pelo desejo de se afastar da poluição sonora e visual. 

Como ser um contemplador? 

"Ao longo deste período, evoquei várias vezes a necessidade de que cada cristão encontre tempo para Deus, para a oração, no meio das numerosas ocupações dos nossos dias. O próprio Senhor oferece-nos muitas oportunidades para nos recordarmos dele. Hoje, gostaria de meditar brevemente sobre um daqueles canais que nos podem conduzir a Deus e servir também de ajuda no encontro com Ele: trata-se do caminho das expressões artísticas, que faz parte daquela "via pulchritudinis" — "caminho da beleza" — da qual já falei diversas vezes e que o homem contemporâneo deveria recuperar no seu significado mais profundo." (Arte e Oração, Audiência Geral 31 de agosto de 2011, Papa Bento XI).

Nós muitas vezes nos esforçamos para sair dessa roda de rato que é vida moderna, mas as redes sociais e a ansiedade não permitem, mas ainda existe uma forma de realizar esse passo que é fundamental para o crescimento humano. 

Nós estamos vivendo uma onda do que chamo fé sensível, ou seja, uma fé que se baseia pelo que recebe dos sentidos e se resume a isso, portanto, reduz-se a fé a sensações corporais. Essa vivência utiliza os sentidos corporais de forma equivocada, buscando embriagá-los em vez de purificá-los. Pois, devemos nos lembrar que os sentidos possuem, mesmo após o batismo, as marcas do pecado original, que nos levam a usá-los de forma equivocada.

Mas como disse existe o caminho da purificação dos sentidos e isso é possível quando passamos a contemplar a arte sacra.

A arte sacra está intimamente ligada a Sagrada Escritura, a Sagrada Tradição e ao Sagrado Magistério, longe de ser um aspecto de ostentação é antes uma forma de elevar a alma humana que busca sempre o belo, a beleza é um anseio da alma humana, reflexo da busca pela Beleza.

Ofereço abaixo um exemplo que pode lhe incentivar:


Esta pintura de Michelangelo chama-se Criação de Adão.

Ela nos remete a criação, devemos portanto nos esforçar para lembrar-mo-nos do que diz as Sagradas Escrituras sobre a criação do homem:

Sagradas Escrituras

"Mas quantas vezes quadros ou afrescos, fruto da fé do artista, nas suas formas, nas suas cores e na sua luz, nos impelem a dirigir o pensamento para Deus e fazem aumentar em nós o desejo de beber na fonte de toda a beleza. Permanece profundamente verdadeiro aquilo que foi escrito por um grande artista, Marc Chagall, ou seja, que durante séculos os pintores molharam o seu pincel naquele alfabeto colorido que é a Bíblia. Então, quantas vezes as expressões artísticas podem ser ocasiões para nos recordarmos de Deus, para nos ajudar na nossa oração ou também na conversão do coração! Paul Claudel, dramaturgo e diplomata francês, poeta famoso na Basílica de Notre Dame em Paris, em 1886, precisamente ouvindo o canto do Magnificat durante a Missa de Natal, sentiu a presença de Deus. Não tinha entrado na igreja por motivos de fé, mas precisamente para procurar argumentos contra os cristãos e, no entanto, a graça de Deus agiu no seu coração." (Arte e Oração, Audiência Geral 31 de agosto de 2011, Papa Bento XI).


Então que nossa mente também se volte para as Escrituras:


E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra.
E disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele.Havendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todo o animal do campo, e toda a ave dos céus, os trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu nome.
E Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos céus, e a todo o animal do campo; mas para o homem não se achava ajudadora idônea.
Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar;
E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão.
E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada.
Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne.
E ambos estavam nus, o homem e a sua mulher; e não se envergonhavam.
Gênesis 1, 26; 2, 18-25




Contemplação e Reflexão


Para contemplar é preciso se deixar maravilhar, permitir que o olhar descanse na beleza e que encontre as belezas expressas pelo artista.

Portanto, para onde o seu olhar é atraído na imagem?

Veja o ponto em que Adão e Deus estão quase se tocando. Observe: de quem é a mão mais frouxa e de quem é a mais firme? O que isso diz para você?

O que seria esse espaço entre as duas mãos?

Observe as cores que envolvem Adão e as cores que envolvem Deus. O manto vermelho lhe parece ter qual forma? Um cérebro, remetendo a Vontade Divina? Ou um útero, expressando de onde provêm a fonte da vida?

Olhe e se maravilhe ao ver as criaturas em volta do Criador. Observe a mulher que repousa no braço de Deus. Observe que pode ser Eva retida ainda na mente divina enquanto Ele criava Adão. Para onde ou quem ela olha, em quem está se firmando?

Isso lhe diz alguma coisa, te remete a outras reflexões?

Deus é o Criador. Ele cria. Você tem esse desejo criador? Tem o impulso ao maravilhamento?

Qual o fim da sua contemplação ao se deparar que o pico da criação é o homem?

Queridos amigos, convido-vos a redescobrir a importância deste caminho também para a oração, para a nossa relação viva com Deus. As cidades e os povoados do mundo inteiro encerram tesouros de arte que exprimem a fé e nos exortam à relação com Deus. Então, a visita aos lugares de arte não seja apenas uma ocasião de enriquecimento cultural — também isto — mas possa tornar-se sobretudo um momento de graça, de estímulo para refortalecer o nosso vínculo e o nosso diálogo com o Senhor, para nos determos a contemplar — na passagem da simples realidade exterior para a realidade mais profunda que exprime — o raio de beleza que nos atinge, que quase nos «fere» no íntimo e nos convida a elevar-nos rumo a Deus. Termino com a oração de um Salmo, o Salmo 27: «Uma só coisa pedi ao Senhor, e desejo-a ardentemente: poder habitar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, contemplando a beleza do Senhor e orando no seu templo» (v. 4). Esperemos que o Senhor nos ajude a contemplar a sua beleza, tanto na natureza como nas obras de arte, assim como a sermos sensibilizados pela luz da sua face, a fim de que também nós possamos ser luzes para o nosso próximo.  (Arte e Oração, Audiência Geral 31 de agosto de 2011, Papa Bento XI).


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