Introdução
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Nota
do VS: O presente texto que apresentamos aos nossos leitores é parte de um
belíssimo e extraordinário comentário da Primeira Carta de São Paulo aos
Coríntios feito pelo mais Doutor dos Santos e o mais Santo dos Doutores da
Igreja, isto é, de Santo Tomás de Aquino.
A tradução para a língua portuguesa foi feita por
Rodrigo Santanta e revisada por Alessandro Lima de um texto editado em
castelhano pela Editorial Tradicón (S. A. Av. Sur 22 No. 14 – entre Oriente 259
y Canal de San Juan – , Col Agricola Oriental. Codigo Postal 08500) de 1983. A
edição em castelhano (disponível no site da Congração para o Clero:
http://www.clerus.org) se deu através de um exemplar em latim intitulado Sancti Thomae Aquinatis Doctoris
Angelici super Primam Epistoiam Sancti Pauli Apostoli ad Corinthios expositio editado por Petri Marietti em 1896.
O texto
bíblico citado por Santo Tomás é o da Vulgata de São Jerônimo, infelizmente as
atuais traduções em português não são tão fiéis aos termos empregados nesta
referência católica das Escrituras, desta forma optamos por traduzir da Vulgata
os textos utilizados neste comentário, dando assim maior uniformidade e
fidelidade ao texto latino de Santo Tomás.
O que nos motiva a publicar o presente trecho do comentário
de Santo Tomás (sobre o capítulo 14 de 1 Cor) é que ele trata de um tema
ainda muito incompreendido entre nós católicos deste século: o dom de línguas.
Neste trecho de seu comentário o Doutor Angélico apresenta-nos a doutrina
tradicional da Santa Igreja Católica a respeito deste tema que é de especial
interesse em nosso tempo. É mister lembrar ainda que os Pontífices Romanos não
só recomendaram-nos à doutrina do Aquinate (Santo Tomás), mas também em
diversas oportunidades confirmaram a autoridade de seus ensinamentos para toda
a Igreja Católia (alguns exemplos: Aeterni Patris de
Leão XIII, Doctoris
Angelici de S. Pio X , Lúmen Ecclesiae de Paulo VI, Sapientia Christiana, Laborem
exercens, Inter Munera Academiaraum de
João Paulo II).
Comentário de Santo Tomás de Aquino à Primeira Carta aos Coríntios
Capítulo
14
Texto
sobre o dom de línguas.
Primazia do dom da Profecia sobre o
dom de línguas.
1. Buscai a caridade; mas também desejai
com emulação os dons espirituais, especialmente a profecia.2. Pois o que fala
em línguas não fala aos homens senão à Deus. Em efeito, nada ele entende: diz
verbalmente coisas misteriosas.3. Pelo contrário, o que profetiza fala aos
homens para sua edificação, exortação e consolação.4. O que fala em línguas,
edifica-se a si mesmo; o que profetiza, edifica toda a assembléia.
Uma vez afirmada a excelência da caridade à
respeito dos demais dons, logicamente compara agora o Apóstolo os demais dons
entre si, e mostra a excelência da profecia sobre o dom das línguas. E para
isto faz duas coisas. Primeiro mostra a excelência da profecia sobre o dom das
línguas, e logo como se deve usar tanto do dom das línguas como o da profecia.
Primeiramente, faz duas coisas. Faz ver que o dom da profecia é mais excelente que o dom das línguas, em primeiro lugar por razões relativas aos infiéis, e em segundo por razões da parte dos fiéis.
A primeira parte se divide por sua vez em
duas. Primeiro mostra
como o dom da profecia é mais excelente que o dom das línguas pelo uso daquele
nas exortações ou ensinamentos;
em segundo termo, pelo que vê do uso das línguas, que é para orar. Com efeito,
para estas duas coisas é o uso das línguas: Por isso aquele que fala em línguas
peça para poder interpretar (14,13). Enquanto ao primeiro, ainda duas coisas.
Desde logo antepõe uma, pela qual se assegura o que segue; e ela é isto: Dito
está que a caridade excede a todos os dons. Logo se isto é assim, buscai, isto
é, esforçadamente, a caridade, que é o doce e proveitoso vínculo dos espíritos.
Ante todas as coisas a caridade, etc. (1P 4,7). Sobre todas as coisas tenham caridade (Cl.
3,14).
...
Mas como nas coisas espirituais existem certos
graus, porque
a profecia excede o dom de línguas,
se disse: especialmente a profecia, como se dissera: entre os dons espirituais
desejai com maior emulação o dom da profecia. Não extingais o Espirito; não
desprezeis a profecia (1Filem 5,19-20).
Mas para a explicação de todo o capítulo devem-se
ter desde agora em conta três coisas, a saber: o que é profecia, de quantos modos se designa a profecia na Sagrada
Escritura, e
o que é falar em línguas.
Acerca do primeiro se deve saber que profeta é algo assim como o que vê ao longe, e em segundo lugar alguns o entendem como falar prognósticos, mas todavia melhor se toma por guia, farol, que é o mesmo que ver.
...
É,
pois, a profecia a visão ou manifestação de futuros incertos ou do que excede a
inteligência humana. Mas para tal visão se requerem quatro coisas.
Com
efeito, como nosso conhecimento é mediante as coisas corporais e por espectros
ou imagens tomadas das coisas sensíveis, primeiramente se necessita que na
imaginação se formem semelhanças corporais das coisas que se mostram, como
ensina Dionísio, pelo qual é impossível que nos ilumine a luz divina se não
seja mediante a diversidade das coisas sagradas envoltas em véus.
O que em segundo lugar se necessita é uma luz
intelectual que ilumine o entendimento sobre coisas que se devem conhecer acima
de nossa natural cognição.
Com efeito, como a luz intelectual não se dá senão
sobre as semelhanças sensíveis formadas na imaginação para serem entendidas,
aquele a quem tais semelhanças se mostram não pode ser chamado profeta, mas
senão um sonhador, como o Faraó, que embora viu espigas e vacas, as quais
indicavam certos fatos futuros, como não entendeu o que viu, não se chama
profeta, senão que o é, aquele José, que fez a interpretação. E o mesmo há que
dizer de Nabucodonosor, que viu a estátua, mas não entendeu. Pelo qual tampouco
ele foi chamado profeta, senão a Daniel. Pelo qual se disse em Daniel 10,1: Lhe foi dada na visão sua inteligência.
O que em terceiro lugar se necessita é ousadia para
anunciar o revelado. Pois
para isto fez Deus suas revelações: para que sejam manifestadas aos demais. Eis, eu ponho minhas palavras na tua boca (Jr.
1.9).
O quarto são os milagres, que são para a certeza da profecia. Pois se não fizerem alguns, que excedam as forças naturais, não crerão naquilo que está por cima da cognição natural.
Pelo que aponta ao segundo, os modos da profecia, sabemos que existem diversos modos de ser profeta. Com efeito, às vezes se diz que alguém é profeta porque tem estas quatro coisas, a saber: que vê visões imaginárias, e têm a compreensão delas, e ousadamente as manifiesta aos demais e também faz milagres, e de um como está dito em Numeros 12,6: Se existe entre vós um profeta, etc.
Chama-se também às vezes profeta o que só tem as
visões imaginárias, mas
impropriamente e muito de longe.
Também
se diz às vezes profeta ao que tem a luz intelectual para explicar também as
visões imaginárias, ou feitas a ele mesmo, ou a outros; ou para expor os ditos
dos profetas ou as Escrituras dos Apóstolos.
...
Mas o que aqui diz o Apóstolo em todo
o capítulo sobre os profetas deve-se entender do segundo modo, isto é, do que
se diz que profetiza aquele que explica em virtude da luz divina intelectual as
visões recebidas por ele mesmo ou por outros. É claro que aqui se trata desta
classe de profetas.
Quanto ao dom de línguas devemos
saber que como na Igreja primitiva eram poucos os consagrados para pregar pelo
mundo a fé de Cristo, a fim de que mais facilmente e a muitos anunciassem a
palavra de Deus, o Senhor deu-lhes o dom de línguas, para que a todos
ensinassem, não de modo que falando uma só língua fossem entendidos por todos,
como alguns dizem, mas sim, bem literalmente, de maneira que nas línguas dos
diversos povos falassem as de todos. Pelo qual disse o Apóstolo: Dou graças a
Deus porque falo as línguas de todos vós (1Cor 14,18).
E em Atos 2,4, se disse: Falavam em várias línguas, etc. E na Igreja primitiva muitos
alcançaram de Deus este dom.
Mas os corintios, que eram de indiscreta curiosidade, preferiam esse dom que o da profecia. E aqui por falar em língua, o
Apóstolo entende que em língua desconhecida e não explicada: como se alguém
falasse em língua teutônica a um galês, sem explicá-la, esse tal fala em
língua. E também é falar em língua o falar de visões somente, sem
explicá-las...
Visto estas coisas, dediquemo-nos à exposição da
carta, que é clara. E para isto faz o Apóstolo duas coisas. Primeramente prova
que o dom de profecia é mais excelente que o dom de línguas; e em segundo lugar
rechaça qualquer objeção: Volo autem vos…:
Desejo que faleis todos em línguas; prefiro, contudo, que profezeis (1Cor 14,5). Que o dom de profecia exceda o dom de línguas o
prova com duas razões, das quais toma a primeira da comparação de Deus com a Igreja; e a segunda razão se toma da comparação dos homens com a Igreja.
A primeira razão é
a seguinte: Aquilo pelo qual faz o homem as coisas que não são unicamente em
honra de Deus, mas também para utilidade dos próximos é melhor que aquilo que
se faz tão unicamente em honra de Deus. É assim que a profecia é não unicamente
em honra de Deus, mas também para a utilidade do próximo, e pelo dom de línguas
se faz unicamente o que é em honra de Deus. Logo etc.
Averigua esta razão, e primeiramente enquanto a sua
primeira parte, para o qual disse: O que fala em línguas edifica-se a si mesmo
(1Cor 14,4). (Dentro de mim meu coração me ardia, Sl. 38,4).
Em segundo lugar enquanto a sua segunda parte, para o qual disse: Mas o que
profetiza edifica, instruindo, a Igreja, isto é, aos fiéis. Edificados sobre o
fundamento dos Apóstolos e dos Profetas (Ef. 2,20).
Como se dissera: não menosprezo o dom
de línguas como se dele caressese, pois eu também o tenho, pelo qual disse:
graças dou a Deus. E
para que não se creia que todos falavam uma só língua, disse: porque falo todas
as línguas de vós (Falavam os Apóstolos em várias línguas, Atos 2,6).
...
Assim é que está escrito que em
línguas estranhas, isto é, em diversos gêneros de línguas, e por lábios
estrangeiros, ou seja, em diversos idiomas e modos de pronunciar, falarão a
este povo, ao dizer, aos judeus, porque este sinal se deu especialmente para a
conversão do povo judeu: Nem assim escutaram, porque com sinais manifestos não
creram. Endureceu o coração deste povo, etc. (Is 6,10).
... não obstante que o dom de línguas se ordena para a
conversão dos infiéis...
Disse, pois, primeiramente que o modo de usar do
dom de línguas deve ser de tal maneira entre vós, que se fala em línguas, ou seja, sobre
visões, ou sonhos, tal discurso não se faça por
muitos, de modo que o emprego do tempo nas línguas não deixe lugar aos
profetas, e se gere a confusão. Senão que falem dois, e se for necessário três,
de modo que seja suficiente com três. Por declaração de dois ou três (Dt 17,6). E é de notar-se que este costume é conservado até
agora na Igreja. Porque lições, e epístolas e
evangelhos temos no lugar das línguas, e por isso na Missa falam dois, pois só por dois se
dizem as coisas que pertencem ao dom de línguas, isto é, epístola e evangelho. (nota: São Tomás fala dos mistérios da Palavra de
Deus interpretado corretamente pela Igreja)
...ensina quando não se deve usar das línguas dizendo
que se deve falar por partes e que haja um que interprete. Porque se não há quem interprete, que quem tiver
o dom de línguas guarde silêncio na assembléia, isto é, que não fale nem anuncie as pessoas
na língua desconhecida (nota: sendo
língua desconhecida sonhos, visões ou qualquer outra coisa sem entendimento) ...
Assim é que não vale o pretexto de
que te impulsiona o Espírito sem que possa calar.
Contudo, como, todavia poderia objetar-se que
aquilo não ocorreria porque somente aos Coríntios mandava o Apóstolo estas
coisas e não às demais Igrejas, pelo que até como algo molesto poderia ser
considerado, agrega que isto ensina não somente a eles senão também em todas as
Igrejas; e com efeito disse: Como ensino em todas as Igrejas dos Santos sobre o
uso das línguas e da profecia. Já disse acima: Que tenhais todos um mesmo
sentir (1Cor 1,10).