Comentário de São João Crisóstomo a Carta a Filemon
Introdução
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HOMILIAS SOBRE A CARTA A FILEMON DE SÃO JOÃO CRISÓSTOMO, PADRE DA IGREJA, ARCEBISPO DE CONSTANTINOPLA
ARGUMENTO
Primeiramente convém enunciar
qual o tema da Carta, e em seguida também expor algumas questões. Qual é,
portanto, o tema? Filemon é um homem importante e de caráter nobre. Manifesta
sua importância o fato de toda a sua casa ser fiel e possuir a denominação de
Igreja. Por isso, escrevia o Apóstolo: “À Igreja que se reúne em tua casa” (2).
Atribui-lhe o testemunho de grande obediência, porque graças a ele “foram
reconfortados os corações dos santos” (7). Nesta carta recomenda-lhe ainda que
lhe prepare hospedagem. Por conseguinte, a meu ver, sua casa era hospedaria de
todos os santos. Este homem importante tinha um escravo chamado Onésimo.
Onésimo roubara de seu senhor e fugira. Sobre o furto, escuta o que ele diz: “E
se ele te deu algum prejuízo ou te deve alguma coisa, põe isso na minha conta”
(18-19). A Paulo em Roma ele havia procurado, encontrado no cárcere,
aproveitado de seus ensinamentos e ali também recebera o batismo. Evidencia-se
que ali recebera o batismo pela expressão do Apóstolo: “Que eu gerei na prisão”
(10). Paulo escreve, recomendando-o ao dono, para isentá-lo do castigo e,
regenerado, fosse agora bem acolhido. Mas alguns afirmam que é supérflua esta
Carta, por se tratar de pequena questão, em favor de um só. Saibam os críticos
que merecem inúmeras censuras. Não só devia ter escrito uma carta bem curta e a
respeito de um assunto necessário, mas oxalá facilmente tivéssemos quem nos narrasse
a história dos apóstolos. Não me refiro só ao que escreveram ou disseram, mas
também ao restante estilo de vida: as refeições, quando comiam, quando se
sentavam, aonde iam, o que faziam cada dia, onde estiveram, as casas que
visitaram, onde embarcaram, e a descrição inteira fosse pormenorizada, a tal
ponto o seu procedimento é de utilidade. De fato, uma vez que a maioria não
entende o lucro que daí se pode retirar, começam as incriminações. Mal
divisamos, porém, os lugares onde se sentaram ou foram presos, lugares
inânimes, para lá orientamos muitas vezes o pensamento, imaginamos a virtude
deles, e assim nos estimulamos, tornamo-nos mais bem-dispostos. Mais ainda, se
ouvíssemos as palavras e a narração de seus outros feitos. Acerca de um amigo,
pergunta-se onde vive, o que faz, para onde parte. Dize-me. Não importa
conhecer tais minúcias a respeito dos doutores do universo? Quando uma pessoa
vive espiritualmente, os gestos e o andar, as palavras, as obras etc. são de
proveito aos ouvintes, e nada serve de impedimento, ou de obstáculo. É útil
conhecerdes a oportunidade desta carta, a respeito de problemas determinados.
Quantas atitudes ótimas! Uma, e em primeiro lugar o zelo total. Se Paulo tomou
tantas providências em favor de um fugitivo, ladrão, gatuno, e não recusa nem
se envergonha de despedi-lo com tantos louvores, muito mais não nos convém a
negligência acerca de fatos semelhantes. Em segundo lugar, não percamos a
esperança a respeito da classe servil, mesmo se chegar à extrema malícia. Se um
ladrão, fugitivo, tornou-se honesto a ponto de Paulo desejar tê-lo por
companheiro e escrever: “Em teu nome, ele me servisse” (13), muito mais não se
perca a esperança a respeito de homens livres. Em terceiro lugar, não convém
que os escravos sejam apartados dos donos. Se Paulo confiava tanto em Filemon
que não quis, sem o consentimento dele, reter a Onésimo, habilitado e útil ao
ministério, bem mais conveniente é procedermos assim.
Refletindo nisto, sejamos
misericordiosos, propensos a perdoar àqueles que pecam contra nós. Cem denários
são (Mt 18) as faltas cometidas contra nós, mas as nossas contra Deus
constituem dez mil talentos. Sabeis, contudo, que os pecados são qualificados
conforme a dignidade das pessoas. Por exemplo, quem insulta um particular peca,
mas não quanto quem ultraja a um chefe; e mais peca quem ofende a um maior
potentado. Não é falta igual afronta a um inferior. E quem ofende o rei, peca
muito mais. A injúria, em verdade, é a mesma, mas torna-se maior devido à
dignidade da pessoa. Se, porém, quem insulta o rei, sofre intolerável suplício
por causa da dignidade da pessoa, quem ofende a Deus, deverá quantos talentos?
Por conseguinte, se cometemos pecados semelhantes contra Deus e contra os
homens, nem assim são idênticos, mas a diferença é tão grande quanto a
distância entre Deus e os homens. Mas descubro haver ainda muitos pecados, cuja
grandeza não depende da excelência da pessoa, mas de sua própria natureza. E é
horrível o que direi, verdadeiramente terrível, mas sou obrigado a dizê-lo,
para ao menos assim nos sacudir e abalar, demostrando que tememos mais a Deus
do que aos homens. Reflete, portanto. O homem que comete adultério sabe que
Deus o vê, mas o despreza; se, porém um homem o vê, contém a concupiscência.
Tal homem não só dedica maior estima aos homens do que a Deus, não só ofende a
Deus, mas também, o que é muito mais grave, teme os homens, despreza a Deus.
Veem os homens e eles contêm a chama da concupiscência. Por que digo chama? Não
é chama, mas petulância. Se não fosse permitido unir-se à mulher, com razão
dir-se-ia que é chama; mas, de fato, é petulância e lascívia. Se os homens
veem, desiste da loucura, mas fica menos preocupado com a longanimidade de
Deus. Ainda, o que furta está consciente da rapina, esforça-se por enganar os homens,
defende-se diante dos acusadores, e apresenta certa defesa. Mas, relativamente
a Deus, que ele não pode enganar, não se preocupa, não respeita, não honra. E
se o rei ordena abster-se dos bens alheios, ou, ao contrário, manda dar dos
seus, todos prontamente os oferecem. Mas quando Deus ordena não roubar, nem
arrebatar os bens alheios, não obedecemos. Vês que damos mais importância aos
homens do que a Deus? É grave e incômodo dizê-lo. Manifestai que é grave,
evitai-o. Se não sentis horror, como posso acreditar quando dizeis: Temos
horror destas palavras, que nos agravam? Vós mesmos por obras vos agravais, e
não vos queixais; quando eu, porém, profiro palavras acerca do que fazeis,
ficais indignados. Não é iníquo? Oxalá fosse falso! Prefiro naquele dia ter a
fama de injuriador a vos ter ultrajado sem motivo e em vão, a vos ver acusados
desses pecados. Não somente preferis os homens a Deus, mas também obrigais os
outros a tal conduta. Muitos obrigam os escravos e servos; outros, forçam-nos
contra a vontade ao casamento, outros obrigam a serviços péssimos, ao amor
impuro, às rapinas, às fraudes e à violência. É duplo crime, portanto, e nem a
escusa de imposição encontra perdão. Pois se tu mesmo contra a vontade fazes o
mal, por causa da ordem do príncipe, nem assim é adequada a defesa; em verdade
o pecado é mais grave quanto obrigas o próximo a cair no mesmo. Que perdão pode
ser dado a tal homem? Disse isso, não porque queira condenar-vos, mas a fim de
mostrar quanto somos devedores a Deus. Pois se honramos a um homem e a Deus de
igual forma, injuriamos a Deus; muito mais quando damos preferência aos homens.
Se, de fato, esses pecados contra os homens forem cometidos contra Deus, são
muito maiores, quanto mais, quando por si o pecado é maior e mais grave? Examine-se
alguém a si mesmo, e verá quanto faz por causa dos homens. Seríamos muito
felizes se fizéssemos por Deus quanto fazemos pelos homens, por estima, por
medo e respeito humano. Se, portanto, somos réus, temos tão grandes débitos,
devemos com toda diligência perdoar àqueles que nos lesam e enganam, sem nos
lembrarmos da injúria. A via do perdão dos pecados não exige esforços, gastos
pecuniários etc., mas só a boa disposição do ânimo; não é preciso empreender
peregrinação, partir para outra região, nem enfrentar perigos e labores, mas
somente querer.
Para a virtude não é necessário
vigor corporal, nem riquezas, dinheiro, poder, amizade etc., mas basta somente
boa vontade e tudo está feito. Uma pessoa te entristeceu, injuriou e ultrajou?
Ora, reflete que tu também contra outros cometeste tais faltas, até contra o
próprio Senhor; desculpa e perdoa. Pensa, o que dizes: “E perdoa as nossas
dívidas, como também nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6,12).
O publicano, apenas por ter dito:
“Tem piedade de mim, pecador” (Lc 18,13) desceu justificado; muito mais nós,
humildes e contritos, poderemos conseguir imensa benignidade. Se confessarmos
nossos pecados e nos condenarmos a nós mesmos, apagaremos muitas manchas.
Vários são os caminhos que purificam. Em toda parte, portanto, lutemos contra o
diabo. Não me referi a um ato difícil, pesado. Perdoa àquele que te ofendeu,
tem compaixão do indigente, humilha tua alma. Até mesmo apesar de seres um
grande pecador, poderás tornar-te partícipe do reino, purificando-te dos
pecados e apagando a mácula desta forma. Oxalá, porém, todos nós, apagada a
mácula dos pecados pela confissão, alcancemos os bens prometidos, em Cristo
Jesus nosso Senhor, ao qual com o Pai seja glória, poder etc.
Trechos do livro Patristica, vol 27/3. Comentários de São João Crisóstomo a Carta a Filemon.
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