Os Dons do Espírito Santo por Dom Prosper Guéranger - Abade de Solesmes
Prosper-Louis-Pascal Guéranger (Sablé-sur-Sarthe, 4 de abril de 1805 – Solesmes, 30 de janeiro de 1875) foi um sacerdote frances, restaurador e abade do priorado beneditino de Solesmes, e fundador da Congregação da França da Ordem de São Bento.
Solesmes se converteu em abadia-mãe da congregação e
Guéranger foi nomeado primeiro superior geral.
Entre seus escritos mais importantes cabe recordar Instituições
litúrgicas (1840-1851) e O ano litúrgico (1841-1866).
A Abadia
de Solesmes é um mosteiro beneditino localizado em Solesmes, Sarthe,
famoso pela restauração da vida monástica beneditina e preservação do canto
gregoriano na França, sob Dom Guéranger,
após a Revolução Francesa. É a casa-madre da Congregação de Solesmes.
OS DONS DO ESPÍRITO SANTO
DOM PROSPER GUERANGER
Abade de Solesmes
DOM DO TEMOR
O
nosso obstáculo ao bem é o orgulho. O orgulho nos leva a resistir a Deus, a pôr
o nosso fim em nós mesmos, em uma palavra, a nos perder. Só a humildade pode
nos salvar de tão grande perigo. Quem nos dará a humildade? O Espírito Santo,
derramando em nós o Dom do Temor de Deus. Esse sentimento repousa na idéia da
majestade de Deus que a fé nos dá, em presença da qual nada somos; na idéia da
sua santidade infinita, diante da qual não passamos de indignidade e escória;
do julgamento soberanamente eqüitativo que ele deve exercer sobre nós ao
sairmos desta vida e do perigo de uma queda sempre possível, se faltarmos à
graça, que nunca nos falta, mas à qual podemos resistir.
A
salvação do homem se opera, pois, “com temor e tremor”, como ensina o Apóstolo;
mas este temor que é um dom do Espírito Santo, não é um sentimento grosseiro
que se limitaria a nos lançar no horror da consideração dos castigos eternos.
Ele nos mantém com a compunção do coração, mesmo quando nossos pecados já foram
há muito tempo perdoados; ele nos impede de esquecer que somos pecadores, que
devemos tudo à misericórdia divina e que só estamos salvos na esperança.
O
Temor de Deus não é um temor servil; ao contrário, se torna a fonte de
sentimentos mais delicados. Pode-se aliar ao amor, não sendo mais do que um
sentimento filial que abomina o pecado por causa do ultraje que este comete a
Deus. Inspirado pelo respeito à majestade divina, pelo sentimento da santidade
infinita, põe a criatura em seu verdadeiro lugar, São Paulo nos ensina que o
temor, assim purificado, contribui para “o aperfeiçoamento da santificação”.
Escutemos também esse grande Apóstolo, que foi arrebatado até o terceiro céu,
confessar que é rigoroso consigo mesmo “a fim de não ser reprovado”.
O
espírito de independência e de falsa liberdade que reina hoje em dia contribui
para tornar mais raro o Temor de Deus e aí está uma das chagas do nosso tempo.
A familiaridade com Deus toma, na maior parte das vezes, o lugar dessa
disposição fundamental da vida cristã e, desde então, cessa todo progresso, a
ilusão se introduz na alma e os divinos Sacramentos, que no momento de uma
volta para Deus tinham operado com tanto poder, tornam-se quase estéreis. É que
o dom do Temor foi abafado pela vã complacência da alma consigo mesma. A
humildade se extinguiu; um orgulho secreto e universal veio paralisar os
movimentos desta alma. Ela chega, sem perceber, a não mais conhecer a Deus,
pelo próprio fato de não tremer mais diante dele.
Conservai
em nós, ó Divino Espírito, o dom do Temor de Deus que nos foi derramado no
nosso batismo. Este temor salutar assegurará nossa perseverança no bem, detendo
os progressos do espírito de orgulho. Que ele seja como uma trave que atravessa
nossa alma de lado a lado e que fique sempre fixada como nossa salvaguarda. Que
abaixe nossa altivez, que nos arranque da indolência, nos revelando sem cessar
a grandeza e a santidade Daquele que nos criou e que nos deve julgar.
Sabemos,
ó Divino Espírito, que esse feliz Temor não abafa o amor; longe disso, afasta
os obstáculos que o deteriam em seu desenvolvimento. As Potestades celestes
vêem e amam com ardor o soberano Bem, elas são inebriadas pela eternidade; no
entanto tremem diante da terrível majestade, tremunt Potestates. E nós,
cobertos das cicatrizes do pecado, cheios de imperfeições, expostos a mil
armadilhas, obrigados a lutar contra tantos inimigos, não sentimos que é
preciso estimular por um temor forte e ao mesmo tempo filial, nossa vontade que
adormece tão facilmente, nosso espírito tomado por tantas trevas! Velai por
Vossa obra, ó divino Espírito! Preservai em nós o Dom precioso que Vos
dignastes dar-nos; ensinai-nos a conciliar a paz e a alegria do coração com o
Temor de Deus, segundo a advertência do Salmista:
“Serve
o Senhor com temor e exulta de felicidade tremendo diante dele”
O DOM DA PIEDADE
O
dom do Temor de Deus destina-se a curar em nós a chaga do orgulho; o dom da
Piedade é derramado em nossas almas pelo Espírito Santo para combater o
egoísmo, que é uma das paixões más do homem decaído por causa do pecado
original, e o segundo obstáculo à sua união com Deus. O coração do cristão não deve
ser nem frio nem indiferente; é preciso que seja terno e devotado; do contrário
não poderá se elevar à via para a qual Deus, que é amor, dignou-se chamá-lo.
Assim
o Espírito Santo produz no homem o Dom da Piedade, inspirando-lhe um retorno
filial para seu Criador. “Vós recebestes o Espírito de adoção, nos diz o
Apóstolo, e é por este Espírito que gritamos para Deus: Pai! Pai!”. Essa
disposição torna a alma sensível a tudo o que toca a honra de Deus. Faz o homem
alimentar em si mesmo a compunção de seus pecados, tendo em vista a infinita
Bondade que se dignou suportá-lo e perdoá-lo e o pensamento dos sofrimentos e
da morte do Redentor. A alma iniciada no dom de Piedade deseja constantemente a
glória de Deus; quer pôr todos os homens a seus pés e os ultrajes que Ele
recebe lhe são particularmente sensíveis. Sua alegria é ver o progresso das
almas no amor e as devoções que este amor lhes inspira por Aquele que é o
soberano Bem. Cheia de submissão filial para com o Pai universal que está nos
céus, essa alma está pronta para todas as suas vontades. Resigna-se de coração
com todas as disposições de sua Providência.
Sua
fé é simples e viva. Mantém-se amorosamente submissa à Igreja, sempre pronta a
renunciar às suas próprias idéias e àquelas mais caras, se estas afastam-se de
alguma forma de seu ensinamento ou de sua prática, tendo um horror instintivo
da novidade e da independência.
Essa
devoção para com Deus que o dom de Piedade inspira, unindo a alma a seu Criador
pela afeição filial, a une, também, com uma afeição fraternal, a todas as
criaturas, já que estas são obra do poder de Deus e que as são para Ele.
Em
primeiro lugar, nas afeições do cristão animado pelo dom de Piedade, estão as
criaturas glorificadas, das quais, Deus goza eternamente e as quais gozam Dele
para sempre. Ama ternamente a Santíssima Virgem Maria e é zeloso de sua honra;
venera com amor os santos e os atos heróicos de virtude realizados pelos amigos
de Deus; delicia-se com seus milagres, honra religiosamente suas relíquias
sagradas.
Mas
sua afeição não é apenas pelas criaturas coroadas no céu; aquelas que ainda
estão aqui embaixo ocupam um lugar importante em seu coração. O dom de Piedade
faz com que ele encontre nelas o próprio Jesus. Sua boa vontade para com seus
irmãos é universal. Seu coração está inclinado ao perdão das injúrias, a
suportar as imperfeições do outro, a desculpar as imperfeições do próximo. É
compassivo para com o pobre, solícito aos pés do doente. Uma doçura afetuosa
revela o fundo do seu coração e em suas relações com os irmãos da terra, o
vemos sempre disposto a chorar com os que choram, a se alegrar com os que se
alegram.
Tal
é, ó Divino Espírito, a disposição daqueles que cultivam o dom de Piedade que
derramais em suas almas. Por esse inefável benefício, neutralizais o triste
egoísmo que afloraria em seus corações, livrando-os de uma frieza odiosa que
torna o homem indiferente a seus irmãos e fechais suas almas à inveja e ao
ódio. Para isso, só foi preciso esta piedade filial para com seu Criador; que
amoleceu seus corações, fundindo-os com uma viva afeição por tudo o que sai das
mãos de Deus. Fazei frutificar em nós este Dom tão precioso, ó Divino Espírito!
Não permitais que ele seja abafado pelo amor de nós mesmos. Jesus nos encorajou
dizendo-nos que seu Pai Celeste “faz o sol nascer sobre os bons e os maus”; não
permitais, Divino Paráclito, que uma tão paternal indulgência seja um exemplo
perdido para nós e dignai-Vos desenvolver em nossas almas o germe de devoção,
de benevolência e de compaixão que Vos dignastes infundir no momento em que
delas tomastes possessão pelo santo batismo.
O DOM DE CIÊNCIA
A
alma, estando desligada do mal pelo Temor de Deus e aberta às nobres afeições
pelo dom de Piedade, experimenta a necessidade de saber como evitará aquilo que
é objeto de seu temor e como encontrará o que deve amar. O Espírito Santo vem
em seu socorro e lhe trás o que deseja, derramando nela o dom de Ciência. Por
este Dom precioso a verdade lhe aparece, ela sabe o que Deus pede e o que
reprova, o que deve procurar e do que deve fugir. Sem a Ciência divina nossa
vista corre o risco de perder-se por causa das trevas que muitas vezes
obscurecem totalmente, ou em parte, a inteligência do homem. Essas trevas são
provenientes, primeiramente, do fundo de nós mesmos, que carrega os traços, bem
reais, da decadência do pecado original. São ainda causadas pelos preconceitos
e máximas do mundo que enganam diariamente os espíritos que se creem os mais
retos. Enfim, a ação de Satã, que é o príncipe das trevas, exerce-se em grande
parte com o fim de envolver nossa alma na obscuridade ou perdê-la com a ajuda
de luzes falsas.
A
fé que nos foi infundida no batismo é a luz de nossa alma.
Pelo
dom de Ciência, o Espírito Santo produz, na virtude da fé, raios tão vivos, que
dissipam todas as trevas. As dúvidas, então, se esclarecem, o erro se desvanece
e a verdade aparece com todo seu fulgor. Vemos cada coisa na sua verdadeira
claridade que é a claridade da fé. Descobrem-se os deploráveis erros que estão
em curso no mundo, que seduzem tão grande número de almas, dois quais, talvez
tenhamos sido, nós mesmos, durante muito tempo, vítimas.
O
dom de Ciência nos revela o fim que Deus se propôs na criação, aquele fim fora
do qual os seres não poderiam encontrar nem o bem nem o repouso. Ensina o uso
que devemos fazer das criaturas, que nos são dadas não para tropeço, mas para
nos ajudar em nossa marcha para Deus. Sendo-nos, assim, manifestado o segredo
da vida, nossa estrada torna-se segura, não hesitamos mais e nos sentimos
dispostos a nos retirar de todo caminho que não nos conduza àquele fim.
É
esta Ciência, dom do Espírito Santo, que o Apóstolo tem em vista quando,
falando aos Cristãos diz: “Antes éreis trevas; agora sois luz no Senhor: andeis
agora como filhos da luz”. Daí vem a firmeza e a segurança da conduta cristã. A
experiência pode faltar algumas vezes e o mundo se perturba com o pensamento de
dar algum temível passo em falso; mas o mundo não conta com o dom de Ciência.
“O Senhor conduz o justo por vias retas e para assegurar seus passos lhe deu a
Ciência dos santos”. Todos os dias esta lição é dada. O Cristão, por meio da
luz sobrenatural, escapa a todos os perigos e, se não tem experiência própria,
tem a experiência de Deus.
Seja
bendito, Divino Espírito, por essa luz que derramais e mantendes em nós com tão
amável perseverança. Não permitais que nunca procuremos uma outra. Somente ela
nos baste; fora dela só há trevas. Guardai-nos das tristes inconsequências em
que muitos se deixam levar imprudentemente, aceitando um dia vossa conduta e
depois se entregando às opiniões do mundo; levando uma vida que não satisfaz
nem ao mundo nem a Vós. Precisamos, pois, amar esta Ciência que nos destes para
que sejamos salvos; o inimigo de nossas almas inveja em nós essa Ciência
salutar; quer substituí-la por suas sombras. Não permitais, Divino Espírito,
que ele consiga seu pérfido desígnio e ajudai-nos sempre a discernir o que é
verdadeiro do que é falso, o que é justo do que é injusto. Que segundo a
palavra de Jesus, nosso olhar seja simples, afim de que nosso corpo, quer dizer
o conjunto de nossos atos, de nossos desejos e de nossos pensamentos, esteja na
luz; salvai-nos daquele olho que Jesus chama de mau e que torna tenebroso o
corpo inteiro.
O DOM DA FORÇA
O
dom de Ciência nos ensina o que devemos fazer e o que devemos evitar para estar
de acordo com as intenções de Jesus Cristo, nosso divino Chefe. É preciso agora
que o Espírito Santo estabeleça em nós um princípio, do qual possamos tomar a
energia que deverá nos sustentar no caminho que Ele acaba de nos mostrar.
Devemos, com efeito, contar com obstáculos e, o grande número daqueles que
sucumbem basta para nos convencer da necessidade de sermos ajudados. O socorro
que o divino Espírito nos comunica é o dom da Força pelo qual, se somos fiéis
ao empregá-lo, será possível e mesmo fácil para nós triunfar sobre tudo o que
possa deter nossa marcha.
Nas
dificuldades e nas provações da vida, o homem é tanto levado à fraqueza e ao
abatimento, quanto empurrado por um ardor natural, que tem sua fonte no
temperamento ou na vaidade. Esta dupla disposição pouco ajudará na vitória dos
combates pelos quais a alma deve passar para sua salvação. O Espírito Santo
trás então um novo elemento como força sobrenatural, que lhe é tão próprio, que
o Salvador, ao instituir seus Sacramentos, estabeleceu dentre estes um que tem
por objeto especial nos dar esse Espírito divino como princípio de energia.
Está fora de dúvida que tendo de lutar durante esta vida contra o demônio, o
mundo e nós mesmos, precisamos de outra coisa para resistir além da
pusilanimidade ou da audácia.
Temos
necessidade de um dom que modere em nós o medo e que, ao mesmo tempo, tempere a
confiança que seríamos levados a ter em nós mesmos. O homem assim modificado
pelo Espírito Santo certamente vencerá, pois a graça substituirá nele a
fraqueza da natureza ao mesmo tempo em que corrigirá a impetuosidade.
Duas
necessidades encontram-se na vida do cristão: a de saber resistir e a de saber
suportar. O que poderia se opor às tentações de Satã, se a Força do divino
Espírito não viesse cobri-lo de uma armadura celeste e fortalecer seu braço? O
mundo não é também um adversário terrível, se considerarmos o número de vítimas
que caem todos os dias pela tirania de suas máximas e de suas pretensões? Qual
não deve ser a assistência do divino Espírito, quando se trata de tornar o
cristão invulnerável aos golpes assassinos que fazem tantos estragos à sua
volta?
As
paixões do coração do homem não são um obstáculo menor à sua salvação e à sua
santificação: obstáculo tanto mais temível por que mais íntimo. É preciso que o
Espírito Santo transforme o coração, que o leve mesmo a renunciar-se, quando a
luz celeste indique um outro caminho para o qual nos empurra o amor e a busca
de nós mesmos. Que Força divina não é preciso para “odiar até a sua própria
vida”, quando Jesus Cristo o exige, quando se trata de escolher entre dois
mestres cujos serviços são incompatíveis?
O
Espírito Santo, todos os dias, realiza esses prodígios, por meio do dom que
derrama em nós, se não o desprezamos, se não o abafamos com nossa covardia ou
com nossa imprudência. Ele ensina ao cristão a dominar suas paixões, a não se
deixar conduzir por guias cegos, a não ceder a seus instintos, a não ser,
quando são conformes à ordem que Deus estabeleceu. Algumas vezes esse divino
Espírito não pede somente que o cristão resista interiormente aos inimigos de
sua alma, mas exige também que proteste abertamente contra o erro e o mal, se o
dever de estado ou a posição o reclamam. É aí, então, que é preciso afrontar
uma espécie de impopularidade que se associa às vezes ao cristão, e que não
deve surpreendê-lo ao lembrar-se das palavras do Apóstolo: “Se eu fosse agradável
aos homens, não seria servidor de Cristo”. Mas o Espírito Santo não falta nunca
e quando encontra uma alma resolvida a fazer uso da Força divina da qual Ele é
a fonte, não somente lhe assegura o triunfo, mas a estabelece numa paz cheia de
doçura e de coragem que a leva à vitória sobre as paixões.
Tal
é a maneira pela qual o Espírito Santo aplica o dom de Força no cristão, quando
este deve exercer resistência. Dissemos que este precioso Dom trazia ao mesmo
tempo a energia necessária para suportar as provações cujo prêmio é a salvação.
Há temores que gelam a coragem e podem levar o homem à sua perda. O dom de
Força os dissipa, substituindo-os por uma calma e uma segurança que desconcerta
a natureza. Vejam os mártires! E não só um São Mauricio, chefe da legião
Tebana, acostumado às lutas do campo de batalha, mas tantos outros, como
Felicidade, mãe de sete filhos, como Perpétua, nobre senhora de Cartago para
quem o mundo só tinha favores; como Inês, criança de treze anos, bem como
milhares de outras, e digam se o dom da Força é estéril em sacrifícios. O que
foi feito do medo da morte, desta morte cujo único pensamento nos acabrunha
muitas vezes? E as generosas ofertas de toda uma vida imolada na renúncia e nas
privações, a fim de encontrar Jesus sem reserva e de seguir suas pegadas de
mais perto? E tantas existências veladas aos olhares distraídos e superficiais
dos homens, existências cujo elemento é o sacrifício, onde a serenidade nunca é
vencida pela provação, onde a cruz sempre reinante é sempre aceita! Que troféus
para o Espírito de Força! Que dedicação ao dever ele sabe produzir! E se o
homem sozinho é pouca coisa, o quanto é engrandecido sob a ação do Espírito Santo!
É
ainda Ele que ajuda ao cristão a enfrentar a triste tentação do respeito
humano, elevando-o acima das considerações mundanas que ditariam uma outra
conduta. É Ele que empurra o homem a preferir às honras vãs do mundo, a alegria
de não ter violado o mandamento de seu Deus. É esse Espírito de Força que nos
faz aceitar as desgraças da fortuna assim como tantos desígnios misericordiosos
do céu, que sustentam o cristão na perda dolorosa dos entes queridos, nos
sofrimentos físicos que tornariam a vida um fardo, se não soubesse que são
visitas do Senhor. É Ele enfim, como lemos na Vida dos Santos, que se serve das
próprias repugnâncias da natureza, para provocar atos heróicos onde a criatura
humana parece atravessar os limites de seu ser para elevar-se à ordem dos
espíritos impassíveis e glorificados.
Espírito
de Força, permanecei cada vez mais em nós e salvai-nos da indolência desse
século. Em época nenhuma a energia das almas esteve mais enfraquecida, o
espírito mundano e diabólico mais triunfante, o sensualismo mais insolente, o
orgulho e a independência mais pronunciados. Saber ser forte contra si mesmo é
uma raridade que excita o espanto daqueles que o testemunham: como as verdades
do Evangelho perderam terreno! Detei-nos sobre esse declive que nos levaria
como a tantos outros, ó Divino Espírito! Deixai que peçamos como São Paulo aos
cristãos de Éfeso e que ousemos reclamar de Vossa liberalidade “a armadura
divina que nos porá em condições de resistir no dia mau e de permanecermos
perfeitos em todas as coisas. Cingi nossos rins com a verdade, cobri-nos com a
couraça da justiça, dai a nossos pés, como calçados indestrutíveis, o Evangelho
da paz; muni-nos com o escudo da fé, contra o qual vem atingir as flechas
inflamadas de nosso cruel inimigo. Colocai em nossa cabeça o elmo que é a
esperança da salvação e em nossa mão a espada espiritual que é a própria
palavra de Deus” e com a ajuda da qual possamos enfrentar, como o Senhor no
deserto, todos os nossos adversários. Espírito de Força fazei que assim seja.
DOM DE CONSELHO
O
dom da Força que reconhecemos ser necessário para a obra da santificação do
cristão, não seria suficiente para assegurar esse grande resultado, se o Divino
Espírito não tomasse o cuidado de uni-lo a um outro Dom que vem em seguida e
afasta todo perigo. Este novo benefício consiste no dom de Conselho. A Força
não podia ser deixada sozinha: precisava de um elemento que a dirigisse. O dom
de Ciência não poderia ser este elemento porque, se ele esclarece a alma quanto
ao seu fim e as regras gerais de conduta que ela deve seguir, não trás, no
entanto, luz suficiente quanto às aplicações especiais da lei de Deus e o
governo da vida. Nas diversas situações em que podemos nos encontrar, nas
resoluções que devemos tomar, é necessário que ouçamos a voz do Espírito Santo
e é pelo dom de Conselho que esta voz divina chega até nós. É ela quem nos diz,
se quisermos escutá-la, o que devemos fazer e o que devemos evitar, o que
devemos dizer e o que devemos calar, o que podemos conservar e ao que devemos
renunciar. Pelo dom de Conselho, o Espírito Santo age em nossa inteligência,
assim como o dom da Força age em nossa vontade.
Este
dom precioso aplica-se à vida inteira porque precisamos, sem cessar, nos
decidir por um partido ou por outro e é um grande motivo de reconhecimento para
com o Espírito divino, pensar que Ele nunca nos deixa sozinhos conosco mesmos,
desde que estejamos dispostos a seguir a direção que Ele nos imprime. Quantas
armadilhas pode nos fazer evitar! Quantas ilusões pode destruir em nós! Quantas
realidades nos mostra! Mas, para não perder suas inspirações, precisamos nos
guardar do encadeamento natural das coisas, com que tantas vezes nos deixamos
determinar, da temeridade que nos arrebata ao gosto da paixão, da precipitação
que nos induz a julgar e a agir, mesmo quando só vemos um lado das coisas, da
negligência que nos faz decidir ao azar, no temor de nos cansarmos com a
procura daquilo que seria melhor.
O
Espírito Santo, pelo dom de Conselho, arranca o homem de todas essas
inconveniências. Reforma a natureza, tantas vezes excessiva quando não é apática.
Mantém a alma atenta àquilo que é verdadeiro, ao que é bom, ao que é
verdadeiramente vantajoso. Insinua a virtude que é o complemento e como se
fosse o tempero de todas as outras, ou seja, a discrição, da qual Ele tem o
segredo e pela qual as virtudes se conservam, se harmonizam e não degeneram em
defeitos. Sob a direção do dom de Conselho, o cristão nada tem a temer. O
Espírito Santo toma a responsabilidade de tudo para ele. Que importa que o
mundo reclame ou critique, que se espante ou se escandalize! O mundo se crê
sábio; mas não tem o dom de Conselho. É daí que vêm, muitas vezes, as
resoluções tomadas sob uma inspiração e que acabam em um fim diferente do que
foi proposto. E tem que ser assim; porque foi ao mundo que o Senhor disse:
“Meus pensamento não são os vossos pensamentos e meus caminhos não são os
vossos caminhos”. Clamemos, então, com todo ardor de nossos desejos, pelo Dom
divino que nos preservará do perigo de nos governarmos a nós mesmos; mas
compreendamos que este Dom só habita naqueles que O estimam bastante para
renunciarem-se em sua presença. Se o Espírito Santo nos encontra desligados das
idéias humanas, convencidos de nossa fragilidade, dignar-se-á ser nosso
Conselho; mas se somos sábios a nossos próprios olhos, Ele retirará sua luz e
nos abandonará a nós mesmos.
Não
queremos que isso aconteça conosco, ó Divino Espírito! Estamos fartos de saber
que correr atrás da prudência humana não nos traz vantagem e, diante de Vós,
abdicamos sinceramente das pretensões de nosso espírito, tão pronto a se
deslumbrar e a se iludir. Conservai em nós e dignai-Vos desenvolver com toda
liberdade esse Dom inefável que nos concedestes no batismo: sede para sempre
nosso Conselho. “Mostrai-nos Vossos caminhos e ensinai-nos Vossas veredas.
Dirigi-nos na verdade e instruí-nos; porque é de Vós que virá a salvação e é
por isso que nos prendemos à Vossa direção”. Sabemos que seremos julgados por
todas as nossas obras e por todos os nossos desígnios; mas sabemos também que
não teremos nada a temer se formos fiéis à Vossa direção. Estaremos, pois,
atentos “para ouvir o que nos diz o Senhor nosso Deus”, o Espírito de Conselho,
seja nos falando diretamente, seja nos enviando ao mediador que quis escolher
para nós. Bendito seja Jesus que nos enviou seu Espírito para ser nosso
condutor e bendito seja este Divino Espírito que se digna nos assistir sempre e
que nossas resistências passadas não afastou de nós!
O DOM DE INTELIGÊNCIA
O sexto Dom do Espírito Santo faz a alma
entrar em uma via superior a que ela se encontrava até aqui. Os cinco primeiros
Dons tendem todos para a ação. O Temor de Deus remete o homem ao seu lugar
humilhando-o, a Piedade abre seu coração às afeições divinas, a Ciência
ensina-o a discernir entre a via da salvação e a via da perdição, a Força o
arma para o combate e o Conselho dirige o homem em seus pensamentos e em suas
obras; agora, então, ele pode agir e seguir pela estrada, com a esperança de
chegar ao termo. Mas a bondade do Espírito divino lhe reserva ainda outros
favores, fazendo-lhe desfrutar desde este mundo, de um antegozo da felicidade
que lhe reserva na outra vida. Este será o meio de fortalecer sua marcha, de
animar sua coragem e de recompensar seus esforços. A via da contemplação lhe
será, de agora em diante, aberta e o Espírito divino nela o introduzirá por
meio da Inteligência.
Muitas
pessoas, talvez, se inquietem com a palavra contemplação, persuadidas
erradamente de que as condições para isso só poderão ser encontradas na rara
condição de uma vida passada no recolhimento e longe do comércio dos homens. É
um grave e perigoso erro que, muitas vezes, freia o impulso das almas. A
contemplação é o estado para o qual é chamado, em certa medida, toda alma que
procura a Deus. Não consiste nos fenômenos pelos quais o Espírito Santo gosta
de manifestar em algumas pessoas privilegiadas e que são destinados a provar a
realidade da vida sobrenatural. Ela é, simplesmente, uma relação mais íntima
que se estabelece entre Deus e a alma que lhe é fiel na ação; se esta alma não
põe obstáculos, são-lhe reservados dois favores, entre os quais, o primeiro é o
dom de Inteligência, que consiste na iluminação do espírito esclarecido desde
então por uma luz superior.
Esta
luz não retira a fé, mas clareia os olhos da alma, fortificando-os e dando-lhes
uma visão mais extensa sobre as coisas divinas. Muitas nuvens provenientes da
fraqueza e da grosseria da alma ainda não iniciada, se desvanecem. A beleza
cheia de encantos dos mistérios, a qual era vagamente sentida, se revela;
inefáveis harmonias que nem eram suspeitadas, aparecem. Não é a visão face a
face, reservada para o dia eterno; mas já não é mais aquela fraca luminosidade
que dirigia seus passos. Um conjunto de analogias e de concordâncias mostram-se
sucessivamente aos olhos do espírito, trazendo uma certeza cheia de doçura. A
alma se dilata com essas claridades que enriquecem a Fé, aumentam a Esperança e
desdobram o Amor. Tudo parece novo; e quando a alma olha para trás, compara e
vê claramente que a verdade, sempre a mesma, agora é alcançada por ela de maneira
incomparavelmente mais completa.
A
leitura dos Evangelhos a impressiona mais; encontra um sabor nas palavras do
Salvador desconhecido para ela até então. Compreende melhor o fim a que Ele se
propôs instituindo os Sacramentos. A santa Liturgia a emociona por suas
fórmulas tão augustas e seus ritos tão profundos. A leitura da vida dos santos
a atrai, nada a espanta nos seus sentimentos e nos seus atos; aprecia seus
escritos mais do que quaisquer outros e sente um aumento de bem estar
espiritual, tratando com esses amigos de Deus. Rodeada de deveres de toda
natureza, a chama divina guia essa alma para satisfazer a cada um deles. As
diversas virtudes que deve praticar conciliam-se em sua conduta; uma nunca é
sacrificada pela outra, porque vê a harmonia que deve reinar entre elas. Está
longe do escrúpulo como do relaxamento e sempre atenta para logo reparar os
danos que pôde cometer. Algumas vezes, o próprio Espírito a instrui por uma
palavra interior que, quando ouvida, ilumina sua situação com uma nova luz.
De
agora em diante, o mundo e seus vãos equívocos, são tomados por aquilo que são
e a alma se purifica do resto de vínculos e complacências que ainda poderia
conservar por eles. Aquilo que só tem grandeza e beleza segundo a natureza
parece insignificante e miserável para esses olhos que o Espírito Santo abriu
para as grandezas e belezas divinas e eternas. Só uma coisa redime a seus olhos
esse mundo exterior que ilude o homem carnal: é que a criatura visível, que
trás a marca da beleza de Deus, é susceptível de servir à glória de seu Autor.
A alma aprende a fazer uso dela com ação de graças, tornando-a sobrenatural, glorificando
com o Rei Profeta Àquele que imprimiu as marcas de sua beleza nessa multidão de
seres que servem tantas vezes para a perda do homem, mas que são chamados a se
tornarem degraus que o conduziriam a Deus.
O
dom de Inteligência derrama também na alma o conhecimento de sua própria via.
Faz com que ela compreenda o quanto são sábios e misericordiosos os desígnios
do alto que, muitas vezes, a quebra e a transporta para onde não contava ir. Vê
que se ela fosse senhora de si mesma, para dispor de sua existência, teria
perdido o seu fim e que Deus nele a fez chegar, escondendo primeiramente os
desígnios de sua paternal Sabedoria. Agora ela está feliz, pois goza da paz e
seu coração não cabe de ações de graças para agradecer a Deus que a conduziu ao
termo sem consultá-la. Se acontecer de ser chamada para dar conselhos, para
exercer uma direção por dever ou por motivo de caridade, podese confiar nela; o
dom de Inteligência a esclarece para os outros como para ela própria. No
entanto não se intromete, dando lições àqueles que não lha pedem; mas se é
interrogada, responde e suas respostas são luminosas como a chama que a
ilumina.
Este
é o dom de Inteligência, verdadeira luz da alma cristã e que se faz sentir nela
em proporção à sua fidelidade aos outros dons. Este dom se conserva pela
humildade, moderação dos desejos e recolhimento interior. Uma conduta dissipada
detém o seu desenvolvimento e pode mesmo abafá-lo. Essa alma fiel pode se
conservar recolhida mesmo em uma vida ocupada e cheia de deveres, e até no meio
de distrações obrigadas às quais a alma se presta sem se prender. Que ela seja
simples a seus próprios olhos e o que Deus esconde aos soberbos e revela aos
pequenos lhe será manifestado e nela permanecerá.
Não
há duvida de que tal Dom seja um imenso socorro para a salvação e a
santificação da alma. Devemos implorá-lo ao divino Espírito com todo ardor de
nossos desejos, convencidos de que o atingiremos mais seguramente pelo impulso
do nosso coração do que pelo esforço de nosso espírito. Na verdade é na
Inteligência, , que se derrama a luz divina, objeto desse Dom; mas sua efusão
provém, sobretudo, da vontade aquecida pelo fogo da Caridade, segundo a palavra
de Isaias: “Crede, e tereis a inteligência”. Vamos nos dirigir ao Espírito
Santo nos servindo das palavras de Davi, dizendo: “Abri nossos olhos e
contemplaremos as maravilhas dos Vossos preceitos; dai-nos a inteligência e
teremos a vida”. Instruídos pelo Apóstolo, manifestaremos nosso pedido de
maneira ainda mais insistente, nos apropriando da oração que ele dirige ao Pai
celeste em favor dos fiéis de Éfeso, quando implora por eles “o Espírito de
Sabedoria e de revelação pelo qual se conhece a Deus, os olhos iluminados do coração
que descobrem o objeto de nossa esperança e as riquezas da gloriosa herança que
Deus preparou para seus santos”.
O DOM DE SABEDORIA
O
segundo favor que o divino Espírito destinou à alma que lhe é fiel na ação é o
dom de Sabedoria, ainda superior ao de Inteligência. No entanto, está ligado a
este último no sentido de que o objeto mostrado na inteligência é saboreado e
possuído no dom de Sabedoria. O Salmista, convidando o homem a se aproximar de
Deus, recomenda-lhe o sabor do soberano Bem. “Provai, diz ele, e experimentai
que o Senhor é cheio de doçura”. A santa Igreja, no próprio dia de Pentecostes,
pede a Deus para nós o favor de provar o Bem, recta sapere, porque a união da
alma com Deus é antes uma experiência do gosto do que uma visão, a qual seria
incompatível com nosso estado presente. A luz dada pelo dom de Inteligência não
é imediata, ela alegra vivamente a alma e dirige seu sentido para a verdade;
mas tende a se completar pelo dom de Sabedoria que é como se fosse seu fim. A
Inteligência é então iluminação e a Sabedoria é união. Ora, a união com o
soberano Bem se realiza pela vontade, quer dizer pelo amor que reside na
vontade. Notamos essa progressão nas hierarquias angélicas. O Querubim refulge
de inteligência, mas acima dele ainda está o Serafim abrasado. O Amor é ardente
no Querubim, assim como a inteligência esclarece com sua luz viva o Serafim;
mas um é diferenciado do outro pela qualidade predominante e o mais elevado é
aquele que atinge mais intimamente a divindade pelo amor, aquele que saboreia o
soberano Bem.
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