Pintura em detalhe de Frederick Sandys. "Love's Shadow", 1867 |
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O homem que trata com seus semelhantes deve ter o coração isento de ódio. Este é o vício mais funesto e diametralmente oposto ao ato principal da caridade, o amor de Deus e o do próximo. O ódio de Deus existe nos corações dos que não consideram Deus como Bem Infinito, mas sim o juiz que irá julgar os seus atos e que os castigará, já que não desejam arrepender-se e mudar de procedimento. O ódio de Deus é uma espécie de obstinação diabólica e não há pecado maior do este.
Por outro lado, nunca é lícito odiar o próximo. Mesmo os homens maus, que de fato existem, devemos detestar o pecado e não a pessoa, isso em atenção ao amor que devemos ter-lhes em nome de Deus. Não podemos, portanto, jamais desejar-lhes algum mal, embora (ensina Santo Tomás) podemos desejar-lhes alguns males e castigos para que busquem se emendar no bom caminho, reparar os males à sociedade e honrar a justiça divina.
No entanto, não devemos nunca, desejar a condenação eterna a alguém, exceto aos demônios e os réprobos (réprobos são os condenados, ambos já no inferno), devemos desejar a bem aventurança eterna a todos.
No que se refere ao segundo ato da caridade, ou seja, o gozo ou alegria temos um vício que lhe é particularmente oposto, que é a tristeza. Esta tristeza é um fastio (aversão, falta de gosto) nas coisas de Deus e nos bens eternos, isso ocorre porque o nosso gosto espiritual está tão depravado que podemos, com frequência, não achar prazer em Deus e a até desenvolver uma aversão às coisas divinas. Tal ato é pecado mortal, quando degrada o apetite sensitivo (perde-se o gosto da vida) e invade a razão, já que Deus é a origem de todas as coisas e portanto a fonte da alegria.
Esta tristeza é pecado capital, ou seja, origina outros pecados. Quando assim é chama-se tédio ou fastio espiritual. Uma espécie preguiça espiritual (temos animo para tudo: série, vídeos aleatórios... mas para a vida espiritual não).
Os pecados derivados da preguiça são: desesperação, pusilanimidade (falta de energia, de firmeza, de decisão), indolência (indiferença) para observar os mandamentos, rancor, malícia e divagações pelos campos do ilícito.
Além deste vício (preguiça) existe um outro vício que é oposto a alegria da caridade, que é a inveja. A inveja se diferencia da preguiça pois esta se opõem a alegrar-s em Deus e no bem divino que está nEle, já a inveja se opõem a alegrar-se no bem do próximo. A inveja é um pesar do bem alheio, não porque nos prejudique, mas porque outro o possuí. A inveja é pecado pois o bem do próximo lhe causa incomodo e desgosto, enquanto deveria causar alegria. E é sempre pecado mortal, por ser contra à caridade, só é venial quando se limita aos primeiros movimentos indeliberados (sem intenção) da sensibilidade.
É pecado capital e dele derivam: a murmuração, a maledicência ou difamação, a alegria na adversidade do próximo, a tristeza na sua prosperidade e o ódio.
Outros vícios são opostos à caridade por se oporem à paz, são eles a: discórdia, que reside no coração, a porfia (disputa, discussão) nas palavras e na ação, como o: cisma, duelo, a sedição (revolta, motim) e a guerra.
A discórdia consiste na atitude do que, deliberadamente e conscientemente do seu erro, se opõe ao parecer e ditame dos outros, em coisas que pertencem a honra de Deus ou ao bem do próximo, em manter a dita atitude ainda que seja de boa fé, em matéria indispensável para salvação, e em qualquer circunstância, sustentá-la com obstinação e pertinácia.
A porfia consiste em contender (criar discussão) com palavras. É pecado de porfia ou contenção quando se porfia (se discute) pelo prazer de contradizer; também o é, com maioria de razão, quando se prejudica o próximo, ou os privilégios da verdade; também o é finalmente, quando, ainda que se defensa a verdade, se faz em tom imoderado e com palavras mortificantes.
Já o pecado de cisma é a ruptura ou cisão com que alguém, livre e espontaneamente, se aparta da unidade eclesiástica, recusando obstinadamente submeter-se à autoridade do Soberano Pontífice, ou conviver com os demais fiéis, como membro da mesma Igreja.
Por fim, a guerra também é enumerada entre os pecados opostos à caridade porque a guerra injusta é um dos maiores crimes que se podem cometer contra o próximo. No entanto, é lícito fazer guerra quando existe causa suficiente e sem cometer injustiças em seu desenvolvimento. A causa suficiente é a dura necessidade de fazer respeitar pelas armas os direitos essenciais para as boas relações entre os homens, que foram rompidas por uma nação que se nega a desagravar suas más ações e a remediar os males que fez. Sem essas duas condições ( causa suficiente e justiça no desenvolvimento) não é lícito fazer guerra.
Os que por sua vez pelejam em guerra justa e não fazem atos injustos no processo, praticam um ato de virtude, porque se expõem a maiores perigos para defender a causa de Deus e de seus irmãos. Tais guerras não tem o intuito de matar, mas antes pela disposição de morrer pelo que se ama e isso é virtude.
Outro pecado oposto a paz é o duelo ou rixa, que é uma espécie de guerra particular estabelecida sem mandato público e já por isso é falha grave para quem o provoca. O duelo é ainda mais nocivo pois sendo feito com hora marcada se combina a sangue frio e sem os impulsos do momento de ira o mau do outro.
O vício da sedição consiste na formação de partidos ou bandos, com a intenção de promover arruaças e tumultos, uns contra os outros, ou contra a autoridade e o poder legítimo. Este pecado tem especial gravidade porque assim como não pode haver bem mais apreciado num povo do que a ordem pública, que é a base e condição para a prosperidade, assim também não se pode cometer contra ele maior crime do que o da guerra interna (civil), de certo modo, a sedição é um ato de pecado maior do que a guerra injusta.
Por fim, o ato de pecado chamado escândalo é oposto ao ato de caridade chamado beneficência. O escândalo consiste em dizer ou fazer alguma coisa capaz de ocasionar a ruína espiritual do próximo, ou em tirar das palavras e feitos dos outros, ocasião de pecar; no primeiro caso se dá escândalo e no segundo se recebe. Cabe, no entanto, lembrar, que se escandalizam somente os imperfeitos, os que possuem virtudes podem ter uma turbação passageira do animo mas isso não lhes abala os fundamentos da fé.
Os justos não podem dar escândalo e se alguém retira de seus atos e feitos motivos de escândalo deve-se à malícia e perversidade deste alguém.
O justo pode (sem a isso se obrigar) abrir mão de alguma coisa, que não esteja ligada a salvação eterna, para não escandalizar os fracos, indecisos e sem firmeza. Mas não tem nenhuma obrigação de abandonar algo para não "escandalizar" os maus.
Baseado no Catecismo da Suma Teológica de São Tomás de Aquino