Comentário dos Doutores da Igreja sobre o Gênesis

by - janeiro 29, 2021

Comentário dos Doutores da Igreja sobre o Gênesis
Pintura: William Blak


1) Introdução

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2) O que é um Doutor da Igreja? 


Os Doutores da Igreja são homens e mulheres ilustres que, pela sua santidade, pela ortodoxia de sua fé, e principalmente pelo eminente saber teológico, atestado por escritos vários, foram honrados com tal título por desígnio da Igreja. Os Doutores se assemelham aos Padres da Igreja, dos quais também diferem. Padres da Igreja são aqueles cristãos (Bispos, presbíteros, diáconos ou leigos) que contribuíram eficazmente para a reta formulação das verdades da fé (SS. Trindade, Encarnação do Verbo, Igreja, Sacramentos. ..) nos tempos dos grandes debates e heresias. O seu período se encerra em 604 (com a morte de S. Gregório Magno) no Ocidente e em 749 (com a morte de S. João Damasceno) no Oriente. 

Para que alguém seja considerado Padre da Igreja, requer-se antiguidade (até os séculos VII/VIII), ao passo que isto não ocorre com um Doutor.Para os Padres da Igreja, basta o reconhecimento concreto, não explicitado, da Igreja, ao passo que para os Doutores se requer uma proclamação explicita feita por um Papa ou por um Concílio. Para os Padres, não se requer um saber extraordinário, ao passo que para um Doutor se exige um saber de grande vulto. 

Em Suma 


Doutor da Igreja é aquele cristão ou aquela cristã que se distinguiu por notório saber teológico em qualquer época da história. O conceito de Doutor da Igreja difere do de Padre da Igreja, pois Padre da Igreja é somente aquele que contribuiu para a reta formulação dos artigos da fé até o século VII no Ocidente e até o século VIII no Oriente. Há Padres da Igreja que são Doutores. Assim os quatro maiores Padres latinos (S. Ambrósio, S. Agostinho, S. Jerônimo e S. Gregório Magno) e os quatro maiores Padres gregos (S. Atanásio, S. Basílio, S. Gregório de Nazianzeno e S. João Crisóstomo). 

Portanto, o parecer de um Doutor da Igreja é maior do que achismos, independente do assunto em estudo ou discussão.


3) Comentários



Deus e a Criação

Baseado na Suma Teológica de São Tomás de Aquino, Doutor Angélico


Sobre Deus

Nada pode existir sem que exista um Ser que exista per si. Se todos os seres necessitam de alguma coisa logo nenhum pode existir per si. Dessa forma a nossa própria existência é prova da existência de Deus.


"Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos. Um dia fala disso a outro dia; uma noite o revela a outra noite. Sem discurso nem palavras, não se ouve a sua voz. Mas a sua voz ressoa por toda a terra, e as suas palavras, até os confins do mundo" (Salmo 19,1-4).


Deus é espírito. Espírito, pois está completamente isento de matéria, assim dizemos que Deus é o Ser por essência. Deus existe per si, é a origem de todos os seres, n'Ele se concentra todos os modos do ser, por isso dizemos que Ele é o Ser por essência. Essência é o que é o centro, o eixo.


O Ser é Perfeito, Bom, Infinito, Imutável e Eterno. 


Antes de nascerem os montes e de criares a terra e o mundo, de eternidade a eternidade tu és Deus. (Sl 90, 2)


É Perfeito pois nada Lhe falta e se é Perfeito também é Bom.


Pois tu, Senhor, és bom, e pronto a perdoar, e abundante em benignidade para todos os que te invocam. (Sl 86, 5)


Sendo Perfeito também é Infinito, nada o limita, sendo assim também é Onipresente.


O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens;
Nem tampouco é servido por mãos de homens, como que necessitando de alguma coisa; pois Ele mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas;
E de um só sangue fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos já dantes ordenados, e os limites da sua habitação;
Para que buscassem ao Senhor, se porventura, tateando, o pudessem achar; ainda que não está longe de cada um de nós;
Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração. (Atos 17, 24-28)


Sendo Perfeito é Imutável, pois só muda quem almeja algo de perfeito, no entanto, Deus é Perfeito.


Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação. (Tg 1, 17)


Sendo Imutável é também Eterno, pois Deus não está à mercê da mutabilidade gerada pela sucessão do tempo.


Pois assim diz o Alto e Sublime, que vive para sempre, e cujo nome é santo: "Habito num lugar alto e santo, mas habito também com o contrito e humilde de espírito, para dar novo ânimo ao espírito do humilde e novo alento ao coração do contrito. (Isaías 57,15)


O que faremos então para conhecer a um Ser assim? 

Podemos conhecê-lO pela razão, pelas obras das mãos humanas, sim podemos, mas existe um caminho mais perfeito, que é conhecê-lO pelo que Ele mesmo revelou de Si, esse caminho é o caminho da fé. Crer através do véu do conhecimento limitado, sem ver por completo a plenitude da claridade Divina, crer. 

É esse manto, constituído pela fé em cada momento, que constituirá a nossa bem aventurança no Céu. 


Ele fez tudo apropriado ao seu tempo. Também pôs no coração do homem o anseio pela eternidade; mesmo assim ele não consegue compreender inteiramente o que Deus fez. (Eclesiastes 3,11)


A Onipresença de Deus é conforto e segurança, Ele sabe o que se passa no mundo, nos corações e o que acontecerá. Ele é o grau supremo do imaterial, portanto, Inteligência Infinita. Todos e tudo dependem da Ciência Infinita de Deus. Essa Ciência se manifesta na sua Vontade, que é sempre boa, perfeita, agradável, caminho largo para quem O ama, embora seja estreito, segue-se em passos seguros e firmes. O Amado Deus está sempre presente!


"Porventura não encho eu os céus e a terra? diz o Senhor" (Jeremias 23, 24)


Pois que nós, criaturas, somos obras do Amor Divino, tal amor produz o efeito de dar a cada criatura o bem que possui.

A Justiça Divina é uma das nossas maiores alegrias, Ele dá a cada um o que exige a sua natureza, dá o prêmio aos bons e o castigo aos maus, tal merecimento pode ser vivido nessa vida, mas nunca totalmente, pois em plenitude somente no Céu ou no Inferno conforme a escolha de cada um enquanto vive. Eis a Justiça Divina que faz nascer o sol aos bons e aos maus, confirmando os primeiros e esperando a conversão dos segundos até a hora derradeira da morte, pois além dela não há mais chances de escolha. 

Deus também dá a cada um de nós mais do que exige a nossa natureza, dá aos justos mais do que seus merecimentos e castiga os pecadores menos do que mereciam, essa é a manifestação da Santa Misericórdia Divina. 

O poder do Senhor abarca Céus e Terra, ao governo de Deus no mundo chamamos Providência, tal ação se estende por todas as coisas criadas, nada escapa a ação divina, não existe nada que não tenha sido previsto e premeditado desde toda a eternidade. Os seres inanimados e os atos livres dos homens se curvam a esse Maestro Celestial, pois que tudo só acontece se o Bom Deus ordena ou permite. A liberdade que Deus deu aos homens não é uma independência de Deus, pois Deus tudo abarca, n'Ele vivemos e nos movemos.

A Providência Divina fia planos, tece em meio a história as determinações do Coração Divino, e ao que se refere aos justos chama-se Predestinação, pois a cada ação da Graça os que desejam e buscam ao Bom Deus respondem e, portanto, são os que caminham para gozar o Céu. Aos que mesmo recebendo as tentativas de resgate divino continuam a negar a Graça, chamam-se réprobos ou não eleitos, pois que negaram os chamados da eleição. A predestinação, a eleição, está sempre enlaçada ao livre arbítrio. 

Deus ama a todas as suas criaturas, mas os predestinados, os buscadores de Deus, são amados com amor de preferência e Deus os orienta, pois estabeleceram uma relação de fiel comprometimento amoroso. 

Eis a Justiça Divina que com olhar amoroso busca aqueles que a buscam, eis o Amor Divino que é transbordante aos que estão verdadeiramente abertos. O Santo Amor Divino oferece a graça a todos, mas os homens munidos de liberdade podem aceitar ou não, Deus é amigo dos homens, veio até nós para resgatar os laços que nos unem a Ele, cabe a cada um aceitar verdadeiramente essa amizade ou recusá-la, sendo cada um responsável por sua escolha. Mas aceitar o oferecimento Divino de sua Graça nunca é mérito próprio, mas ação da Providência e seus decretos que concede doses da virtude de fidelidade e retidão. 

Tais decretos, a que chamamos predestinação, significa que o Bom Deus assinalou, a cada um, um lugar na glória e pela graça o porá em condições de possuí-la, respeitando no entanto, a abertura da alma à graça que Ele está disposto a oferecer. Um santo é alguém que aceito o chamado, escolheu servir a Deus e se abriu sem reservas a ação da Graça Divina e aos designíos do Coração Divino. 


Eis o Deus das Maravilhas, Ele que tudo dispõe, nada deve a ninguém e concede a Graça como quer.


Devemos caminhar em espírito de humildade pedindo a Deus que nos inscreva no livro dos eleitos e nos conceda as graças necessárias para alçar vôo aos Altos Céus.


Tudo e todos foram tirados do nada pela Onipotência Divina, antes disso nada existia, somente Deus.


Já se perguntou sobre a motivação de Deus para criar o mundo? Foi para manifestar a sua Glória. Nós e todo o mundo somos uma manifestação da Glória Divina. Isso significa que Deus se propôs a deixarmo-nos conhecer a Sua Bondade, comunicando aos seres parte do bem infinito que possui, parte da Sua Bondade Infinita, nos criando, mantendo a vida em nós, nos salvando e cuidando da nossa existência até que nos unamos a Ele, se escolhermos durante a vida estar e ficar com Ele. 


Deus possuí vários atributos, alguns são incomunicáveis e outros são comunicáveis. 


Os atributos incomunicáveis são: 


1- Asseidade: significa que Deus é auto existente, e não necessita de nada nem ninguém para continuar a existir. Está diretamente ligada a sua eternidade (Sl 90, 1-2).


2- Eternidade: significa que Deus sempre existiu, Ele não foi criado por ninguém e está acima de qualquer limitação de tempo (Gn 21,33; Sl 90, 1-2). 


3- Unidade: significa que Deus é um e que todos os atributos dEle estão inclusos em seu Ser o tempo todo (Dt 6, 4; Ef 4, 6; 1Co 8, 6; 1Tm 2, 5). Não existe, portanto, um Deus do Antigo Testamento e um Deus do Novo Testamento (inclusive isso é uma heresia). O Senhor dos Exércitos e os Senhor das Misericórdias é o mesmo Deus.


4- Imutabilidade: significa que Deus não muda jamais, ou seja, tanto Seu Ser como Suas perfeições não sofrem qualquer alteração, e Ele não muda, de forma alguma, os Seus propósitos e promessas (Tg 1, 17). 


5- Infinitude: O tempo e o espaço não podem limitá-lO (1Rs 8, 27; At 17, 24-28). 


6- Onipresença: significa que Deus não é limitado de nenhuma forma pelo espaço. Ele está presente em toda parte com toda plenitude do Seu Ser (Sl 139). 


7- Onipotência: Deus é soberano e capaz de cumprir todos os Seus propósitos (2Co 6, 18; Ap 1, 8). 


8- Onisciência: significa que Deus conhece todas as coisas de modo completo e absoluto. Ele não precisa pedir nenhuma informação, bem como nunca possui dúvidas (Sl 139; 147, 4). 


9- Soberania: significa que Deus controla todas as coisas, pois Ele próprio é soberano e supremo sobre tudo e todos. Ele é quem governa o universo, através de Seus Anjos, e conduz a História segundo os seus propósitos eternos (Fp 2, 12-13).


Os atributos comunicáveis são:


10- Amor: a Bíblia diz explicitamente que “Deus é amor” (1Jo 4, 8). Os escritores do Novo Testamento chamaram de “amor ágape“, isto é, um amor profundo e incondicional, que ao mesmo tempo em que revela grande afeição, também revela cuidado, zelo, correção e abnegação.


11- Bondade: é a benevolência de Deus para com suas criaturas. Tudo o que Ele faz é essencialmente bom e legítimo, mesmo que o homem não compreenda (2Cr 30,18; Sl 86,5; 100,5; 119,68; At 14,17). Foi pelo impulso da Bondade Divina e do Amor Divino que Ele nos criou.


12- Misericórdia: ela revela a compaixão e a piedade de Deus para com os miseráveis e angustiados (Ef 2, 4-5). Existem várias outras características de Deus que estão relacionadas ao atributo do amor, como por exemplo, a benevolência, a benignidade e a longanimidade. Tais atributos se mostram quando Ele dá ao justo mais do ele merece e castiga o pecador menos do que merece.


13- Sabedoria: Ele é infinitamente sábio, Ele próprio é a fonte da sabedoria. “Dele são a sabedoria e a força” (Dn 2,20; Jó 12,13; Jó 36,5; Sl 147,5; Is 40,28; Rm 11,33). A sabedoria de Deus é completamente superior à sabedoria dos homens (Is 55,8; Jó 28, 12-28; Jr 51, 15-17).


14- Justiça: Ele é plenamente justo e perfeito em sua retidão. Ele é sempre correto, e seus juízos são perfeitos (Sl 11,7; Dn 9,7; At 17,31). Justiça é dar a cada um o que lhe é merecido. 


15- Santidade: Deus é completamente separado do pecado, Ele não compactua, nunca, com o pecado e é totalmente comprometido com sua honra. Ele nunca está relacionado a qualquer coisa impura ou qualquer comportamento indigno (Is 40,25; Hc 1,12; Jo 17,11; Ap 4,8). 


16- Veracidade: Deus, e tudo o que provém dEle, é necessariamente verdadeiro, infalível e absolutamente confiável (Hb 10,23), de modo que Ele é o próprio Deus verdadeiro (Jo 17,3). Tudo o que Ele revelou de Si mesmo é genuíno, e por ser fiel, Ele nunca fará nada que afronte a sua própria natureza ou contradiga Sua Santa Palavra.


17- Liberdade: Deus não precisa de nada nem de ninguém para fazer o que quer, ou seja, Ele é completamente livre para executar Sua Vontade (Mt 11,26; Is 40, 13-14) de acordo com a perfeição de sua natureza, ou seja, apesar de ser completamente independente e livre, isso não significa que Ele seja livre para pecar, mentir, deixar de ser Deus ou mesmo morrer, pois tais coisas contrariam seu próprio Ser.


18- Paz: revela que nEle próprio, ou em qualquer uma de suas ações, não há nenhum tipo de confusão ou desordem. Ele é o mesmo, nunca se contradiz, Ele é o Deus da Ordem e portanto da paz que vem de Seus Decretos que nunca mudam. Isso foi o que fez o juiz Gedeão dizer: “O Senhor é paz” (Jz 6,24). A paz que Deus nos comunica vem do seu atributo incomunicável da Imutabilidade.



Sobre a Criação


O Mundo ou o Universo é o conjunto de todos os seres criados, que são: os espíritos puros (os anjos), os corpos e os compostos de matéria e espírito (os homens).

Esse conjunto, Universo, foi criado pelo Império (Domínio Soberano efetivo) da Sua Palavra e pelo Influxo (abundância) do Seu Amor.


Assim o Universo não é uma potência, não possuí poder em si. O Universo é um conjunto de criaturas, umas mais elevadas e outras menos elevadas, que não são em si mesmas fonte de nenhum poder, são, no entanto, resultado da ação criadora da Voz Divina que ecoa nos ares e da abundância do Amor Divino que tudo abarca.

Deus quis que houvessem espíritos puros para que fossem a coroa da obra de suas mãos, pois são a porção mais formosa, nobre e perfeita do Universo. São substância completa, não tem qualquer relação com a matéria, por isso são denominados puros espíritos. 


Tais são numerosíssimos pois era conveniente que na Obra de Deus o perfeito sobrepujasse o imperfeito. 


Chamamo-os de anjos, pois são enviados de Deus e através deles Deus exerce o seu governo, soberano e efetivo, sobre as demais criaturas.

Os puros espíritos podem somente tomar aparência humana, não podem se unir a matéria. Sendo espíritos podem executar atividades sucessivas em lugares distintos.

A vida intima dos anjos consiste em conhecer e amar, possuem, no entanto, um conhecimento intelectual, carecem absolutamente do sensitivo, pois são incorpóreos. 

Seu conhecimento é mais perfeito, muito mais que o nosso, pois numa só visão abrangem o princípio e a consequência das coisas.

Tal ciência, não é infinita, não podem conhecer os pensamentos nem os segredos dos corações, só o conhecem por revelação de Deus ou pela manifestação do agente, ou seja, pela oração. No entanto, como são mais antigos e mais sagazes, podem intuir certas coisas por observação, afinal eles foram criados no começo dos tempos, viram gerações e gerações de seres humanos sobre a terra. 

Também não sabem o futuro, somente se Deus lhes conceder revelação divina. Amam a Deus, a si mesmos e as criaturas. Vivem nesta ordem natural do amor.

Deus criou os anjos imediatamente no princípio dos tempos e no mesmo instante que os elementos do mundo material, num lugar chamado Céu Empírico, o lugar mais alto dos Paraísos, onde está Deus e os seres bem aventurados (santos) tomados pela Luz Divina. "Emphyrius" vem de "queima", remete a queimar no amor de Deus.


Os anjos foram criados em estado de graça, que significa que com sua natureza receberam a graça santificante que os tornou filhos de Deus. 


Sua glória decorreu da execução de um ato livre que foi submeter-se a ação da graça que os inclina a submeter-se a Deus por inteiro, isso ocorreu em um só instante.


Nem todos permaneceram fiéis, alguns por orgulho quiseram ser como Deus e gozar a felicidade independentes da Vontade Divina. Deus então, justamente, os precipitou no Inferno, assim os anjos rebeldes e os condenados ao Inferno chamam-se demônios

A segunda categoria dos seres criados por Deus é formada pelo mundo corpóreo, criado no princípio dos seres, ao mesmo tempo que Deus criava o mundo dos espíritos (anjos), ambos foram criados instantaneamente.

Mas Ele não o criou como hoje o vemos. O Senhor o criou primeiro em estado caótico, que significa que Deus primeiro criou os elementos ou matérias que iria utilizar para criar o mundo como hoje vemos.

Ele, no entanto, não rematou de uma só vez a Sua Obra, mas usou de intervenções sucessivas, que foram seis, e que chamamos de "os seis dias da criação":


1- a luz; 2- o firmamento; 3- os mares separou da terra e criou as plantas; 4- sol, lua, estrelas; 5- aves e peixes; 6- animais terrestre e o homem.


O homem é um ser composto de espírito e matéria que, de algum modo, condensa os mundos espiritual e material. 


O espírito do homem chama-se alma. 


As plantas e os animais, que também são seres corpóreos, também possuem alma. A diferença é que a alma das plantas é vegetativa e a dos animais vegetativa e sensitiva. Já a alma humana, além dessas duas faculdades, possui também a faculdade da inteligência. 

A alma humana também exerce a sua função própria independente do corpo, já que o objeto do entendimento buscado pela inteligência é o imaterial e dessa verdade podemos concluir que a alma é imortal, pois se é independe do corpo no obrar, forçosamente o a de sê-lo no existir.


Assim, o corpo perece sem a alma, mas a alma existe ainda que sem o corpo, é eterna.


Portanto, a alma só se une ao corpo para formar um todo harmônico chamado homem. E a união da alma ao corpo não é acidental, não acontece ao acaso.

A alma dá ao corpo todas as perfeições que possui: o existir, o viver e sentir, reservando para si, unicamente, o ato de entender.


Quem entende é a alma e a alma é imortal.


O corpo vive das potências vegetativas, que são três: o poder de nutrição, o do crescimento e de reprodução.

E sente por virtude das potências sensitivas que se dividem em duas classes: cognoscitiva e afetiva.


Das cognoscitivas


1- Cognoscitivas (com sentidos exteriores) que são os cinco sentidos


2- Cognoscitivas sensíveis (sem órgão externo) que são o senso comum, a imaginação, o instinto e a memória.


O homem possuí também outra faculdade cognoscitiva chamada de inteligência ou razão, que são uma só potência, no entanto, tem dois nomes pois há verdades que o entendimento compreende de um só golpe e outras que necessita de raciocínio.

O homem possuí assim a capacidade de discorrer (entender pelo raciocínio), tal habilidade é uma perfeição do homem em relação a outros seres, pois pode chegar a verdade por esse meio. E imperfeição, comparado a Deus e aos anjos, pois pode ainda cair no erro.


A verdade é o conhecimento do que existe. 

A ignorância é a carência de conhecimento sobre algo. 

O erro é atribuir existência ao que não a teve ou tem. 


A verdade pode ser conhecida a partir da idade da razão, 7 anos. No entanto, não é possível, mesmo por investigação, adquirir o conhecimento de todas as verdades; mas poderá conhecer naturalmente as coisas sensíveis e as verdades que deste conhecimento se derivam.



Das Afetivas: o Livre Arbítrio


É o poder que o homem tem de propender para o que as faculdades cognoscitivas lhe apresentam como bom e de fugir do que como mau lhe põem diante dos olhos.


Existem duas classes de faculdades afetivas: o apetite sensitivo e a vontade (que é um apetite, mas mais nobre e espiritual) e portanto mais perfeito.

Os homens que existem e tem existido descendem dos mesmos pais, Adão e Eva, que foram criados por Deus.

Deus os criou dando-lhes corpo e alma. E as suas almas foram produzidas por Criação. Já os corpos o próprio Deus nos diz que criou Adão do barro e de uma de suas costelas formou Eva.

O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Tal afirmação quer dizer: que a natureza e operações mais elevadas do homem lhe permitem entrever a natureza divina e a vida íntima da Augusta Trindade e imitam, de certo modo, a perfeição das Pessoas Divinas.

Dado que nossa alma é espiritual e também as suas operações mais perfeitas, entender e amar, concluímos que tais operações devem ter por objeto primeiro a Verdade e o Bem Supremo, que é o mesmo Deus.


Assim, nos atos de entender e amar, visando o Sumo Bem, podemos ver uma semelhança da vida íntima da Trindade, pois o nosso espírito ao pensar em Deus concebe um "verbo interior", algo que serve de "imagem visual de Deus" (já que Deus é Espírito ao pesarmos na pessoa "Deus" a mente concebe a imagem de Pai, ou de Mestre, ou de Rei, ou Juiz; Deus é uma e todas essas percepções, mas a mente humana e ainda o coração humano pode possuir mais facilidade com alguma ou algumas delas, gerando um "verbo interior", uma expressão interior mais familiar de Deus; tal conhecimento é de suma importância já que uma imagem equivocada de Deus ou a deturpação de um atributo verdadeiro em algo falso pode impedir o próximo passo da alma, que é amar). 


Sob a influência do pensamento sobre o "verbo interior" brota o ato de amor, produzido no espírito do homem (assim o pensar, o meditar, o conhecer antecede o amar).


Podemos ainda imitar a perfeição própria das Pessoas Divinas quando o primeiro e último fim de nossos pensamentos e afetos é o próprio Deus, já que Pai fez tudo para o Filho, o Filho governa o mundo para entregá-lo ao Pai e o Espírito é o amor que os une, quando também convergimos nossos pensamentos, afetos e por fim os atos para Deus imitamos o agir das Pessoas Divinas e ainda entramos, de certa forma, pela ação do Espírito Santo, na vida íntima da Trindade.


Deus criou o homem perfeito. Nesse primitivo estado de felicidade o homem possuía os bens da: 

- ciência (conhecimento da natureza e composição dos animais, plantas e etc.) claríssima e universal,
- justiça (dar a Deus o que é devido) original unida à prática de todas as virtudes (esforço habitual e firme na prática do bem, com todas as forças sensíveis e espirituais); 
- império absoluto da alma sobre o corpo
- domínio sobre todas as criaturas.


O homem também não estava sujeito a morte, visto que a alma, por especial privilégio, protegia o corpo contra todo o mal e ela por sua vez de coisa alguma poderia receber dano, enquanto a vontade permanecesse submissa a Deus. Tudo mudou depois da queda de Adão e Eva no Éden. 


Providencia de Deus e o governo do mundo


Deus é Soberano e Senhor de todas as coisas, pois todos os seres do mundo estão sujeitos ao governo e domínio supremo, único e absoluto de Deus. Assim coisa alguma existe no mundo espiritual, material e humano, que seja independente da ação divina, a qual conserva a existência de todos os seres e os conduz ao fim para que foram criados, que é Deus mesmo e a sua própria glória. 

Deus rege e conserva o universo para que na ordem e concerto do mundo se possa refletir e manifestar o pensamento Daquele que o criou, o conserva e o governa. Assim o concerto e ordem admiráveis do universo expressam a glória de Deus.


No plano atual da Providência não existe nada mais perfeito e grandioso que a obra da Criação, a conservação e governo do universo. Isso considerando um fato ainda mais sublime: dizemos plano atual da Providência pois que Deus é onipotente, assim nem o conjunto das obras mais perfeitas, podem exaurir o seu poder infinito.

Deus governa o universo conservando-o no ser e conduzindo-o ao fim para que foi criado. É o próprio Deus que conserva a existência dos seres. Assim a conservação do universo, assim como a Criação, são obras próprias e exclusivas de Deus. 

Deus poderia aniquilar o mundo, se assim quisesse, bastaria que suspendesse por um instante a ação que dá, a cada momento, a virtude do ser. Logo a existência das coisas se mantém debaixo da ação direta, absoluta e constante de Deus. 


O fim da Criação é a glória de Deus e a glória exige não a destruição mas a conservação do criado. 


As criaturas, por sua vez, apresentam transformações, mais ou menos profundas, conforme a espécie, e dentro das mesma espécie, conforme os diversos estados. Algumas transformações ocorrem por ação direta de Deus. Tais ações, quando fogem da explicação humana, são chamadas de milagres. Deus fez e faz milagres por sua bondade, para que os homens vejam a sua grandeza, para fazê-los ver que intervém no mundo e para a sua glória e bem dos homens.

As criaturas podem exercer um influxo uma nas outras para efetuar mudanças e alterações que se observam no mundo. Neste mútuo influxo se funda a ordem do universo que, por sua vez, são reguladas pelas leis da Providência. A Providência é o meio ou o instrumento que Deus utiliza para induzir as criaturas ao fim que Ele preparou. Deus poderia não utilizar tal recurso, mas tal procedimento possibilita a Sua maior Glória e ainda enobrece e torna mais perfeita a criatura que toma parte com Ele na execução de Seus Planos, que é guiar os seres ao seu fim último (o Sumo Bem). Digo que possibilita a maior glória de Deus pois que é sinal de grandeza e poderio soberano possuir uma legião de ministros submissos e prontos a executar Suas Santas Ordens. 

Assim quando as criaturas exercem o mútuo influxo, estão a cumprir as Ordens absolutas de Deus, pois é impossível que qualquer criatura execute atos não previstos, nem ordenados no plano da Providência Divina. 

Também não é possível que a atuação de uma criatura, sendo instrumento de Deus, perturbe ou contrarie o Plano Divino, pois quaisquer que sejam os seus atos, ordenados estão por Deus, para o bem do universo. 

No entanto, os atos desordenados podem ocasionar maus físicos e morais, ou seja, podem ocasionar um mal particular. Pois podem alterar a ordem de um grupo em particular ou impedir a manifestação secundária do poder e da vontade de Deus. Portanto, não gera um impedimento do Plano Divino em seu nível macro, considerando o plano em conjunto, mas gera um mal num nível particular, inferior.


Isso acontece devido ao soberano poder de Deus, que é de tal forma grandioso que se utiliza do mal particular, subordinando-o a um fim mais elevado para que contribua para o bem universal. 


Isso não significa que não há ação das criaturas que não estejam dispostas maravilhosamente a cooperar para o bem do universo; antes se algo aparece prejudicial e deslocado, num plano inferior, tem razão de ser visto como ruim, prejudicial e desordenado, mesmo considerando um plano de vista mais alto, ou seja, mesmo considerando que tais atos inferiores não interferem nos Planos Divinos numa visão em conjunto, mas geram, como vimos, males particulares; portanto são maus e desordenados e assim devem ser nomeados. 

Compreenderemos, no entanto, a maravilhosa grandeza de Deus somente no Céu, pois que o nosso entendimento não abarca os corações de todas as criaturas e os segredos do Coração Divino.


Ação dos Anjos no Governo do mundo

No mundo angélico, a que chamamos também de "mundo dos espíritos", dado que os anjos são espíritos e Deus é espírito; também existe - assim como no mundo corpóreo - uma atuação das criaturas uma sobre as outras. A esse influxo São Tomás chama de iluminação, o uso de tal termo se refere ao ato de um puro espírito influir sobre outro para lhe transmitir a iluminação que recebeu de Deus, relacionada ao governo do mundo. 

Essa comunicação, portanto, das iluminações de Deus, em relação ao governo do mundo, ocorrem de forma gradual e ordenada, isso quer dizer que, Deus comunica diretamente suas ordens aos que estão mais próximos Dele, e estes aos demais anjos, porém com uma ordem tão severa que a iluminação dos primeiros só pode chegar aos últimos por ação dos intermediários. 


Assim existe uma ordem angélica, há anjos superiores, intermediários e últimos. 

O mundo angélico se divide em hierarquia e ordens angélicas. 


O termo hierarquia deriva do grego é significa principado sagrado. O significado completo da expressão principado sagrado é: o conjunto de criaturas, homens e anjos, chamados a participar das coisas santas, debaixo do governo de Deus, Rei dos reis e Príncipe Soberano. 


Os homens, no entanto, enquanto vivem neste mundo não são da mesma hierarquia que os anjos, mas no Céu serão admitidos nas hierarquias angélicas. 


Existem três hierarquias angélicas - e em cada uma três ordens - e se distinguem pelo conhecimento que possuem da razão (motivo) das coisas no que refere ao governo do mundo. 

Os da primeira hierarquia recebem as ordens diretas de Deus e seus nomes estão ligados a sua proximidade com Deus. 

Os da segunda hierarquia recebem a iluminação da primeira hierarquia e seus nomes tem relação com o conjunto das coisas criadas. 

Os da terceira hierarquia recebem as ordens divinas da segunda hierarquia, de forma tão concreta e particularizada como é necessários para comunicá-la às nossas inteligências. As ordens que pertencem a essa hierarquia recebem nomes de atos limitados: anjo da guarda, principados (que vem de província). 

Comparados, no entanto, a um ser humano tem atuação imensa.


Existem três ordens (coros) principais dentro de cada hierarquia, dizemos principais, pois que dentro de cada ordem existem subordens e ainda categorias entre os anjos de uma mesma ordem, já que cada anjo tem uma categoria e um ofício particular, mesmo que não nos seja dado conhecê-las. 


Cada anjo é único e irrepetível. Nenhum anjo é igual ao outro, pois assim como os homens, Deus manifesta sua multiplicidade de dons em suas criaturas. 


Essa multidão de anjos executa as ordens divinas em harmonia retratando assim a glória de Deus, por isso chamamos muitas vezes as ordens angélicas de coros angélicos. 

As ordens angélicas são, em ordem descendentes: Serafins, Querubins, Tronos, Dominações, Potestades, Virtudes, Principados, Arcanjos e Anjos. Tais ordens se referem a natureza de cada anjo. 

Essas ordens também existem entre os demônios pois a natureza permaneceu neles. Logo há subordinação entre os demônios, no entanto, essa superioridade nunca é usada para praticar o bem; pois entre eles não existe iluminação, já que esta vem de Deus e eles se separaram Dele, por isso que o reino dos demônios chama-se "império das trevas". 


Deus se serve dos anjos no governo do mundo material, pois o mundo angélico é superior ao mundo corpóreo. E em todo governo bem ordenado os inferiores são regidos pelos superiores. 


Seu ministério no governo do mundo é velar pela exato cumprimento do Plano Providencial e dos Decretos Divinos concernentes às coisas materiais. 

Os anjos que exercem a administração das coisas materiais pertencem à ordem das Virtudes. Assim sua função no mundo corpóreo é velar pela perfeita manifestação da vontade de Deus, em tudo o que se passa nos diversos seres que constituem o mundo material. 

Dessa forma podemos dizer que Deus executa todas alterações e mudanças no mundo material, inclusive os milagres, através dos anjos que pertencem à Ordem das Virtudes. No entanto, os anjos não tem virtude ou poder para efetuar milagres, só Deus pode fazê-los, os anjos atuam ou na intercessão ou como instrumentos.

Os anjos podem influenciar os homens pois são de natureza puramente espiritual e, portanto, superior à humana. Pois, em tudo o que é devidamente ordenado, o superior influi no inferior. Eles podem iluminar a nossa inteligência, dando-lhe vigor e pondo ao nosso alcance a verdade puríssima que eles contemplam. No entanto, não podem intervir diretamente na nossa vontade, pois a ação de decidir, de escolher, é um movimento interior que só Deus pode alterar. 

Deus pode atuar diretamente e mudar o movimento da vontade humana, assim o fez com o coração do Faraó. Ele pode, sim, mudar os corações, no entanto, como nos deu liberdade, mesmo tendo poder de mudar nossos corações, Ele escolhe respeitar a nossa vontade, descarregando, mesmo assim, uma chuva de oportunidades de redenção, mesmo ao pecador mais empedernecido, pois assim age sempre em sua Misericórdia, para que a alma se converta. Ele nos deu liberdade por amor e a respeita por amor. Assim os anjos não podem intervir em nossa vontade, já que Deus, mesmo podendo, muitas vezes não o faz. Mas lembre-se não existe nenhum lugar interior e profundo em que Deus não possa agir.

Os anjos podem também excitar a imaginação e as demais faculdades sensitivas, pois estão ligadas ao mundo corpóreo e assim submetidas à ação dos anjos. Eles também podem impressionar os sentidos externos.

Os anjos podem, por consequência disso, dificultar ou impedir a ação dos demônios, porque a justiça submeteu os demônios, como castigo de seus pecados, ao domínio dos anjos. 


Assim Deus se serve dos anjos para promover o bem e para executar os seus desígnios junto dos mortais. 


Mas nem todos os anjos são enviados para este fim. Os anjos da primeira hierarquia nunca são enviados, pois é seu privilégio permanecer constantemente junto ao Trono de Deus. Esses anjos são chamados de Anjos Assistentes. 

Portanto, os enviados aos homens são os anjos da segunda e terceira hierarquia, porém note-se que o coro das Dominações presidem a ordenação dos decretos divinos, e as outras ordens - Virtudes, Potestades, Principados, Arcanjos e Anjos - são os executores. 

Alguns Anjos são destinados para a guarda dos homens, porque a Divina Providência decretou que o homem, ignorante no pensar, inconstante e frágil no querer, tivesse como guia protetor, na sua peregrinação até ao Céu, um daqueles espíritos ditosos, confirmados para sempre no bem. 

Deus destina um anjo para cada ser humano, porque Deus ama mais uma alma do que todas as espécies de criaturas materiais. Mas apesar disto, Deus determinou que cada espécie tivesse um anjo custódio encarregado de seu governo. Estes - anjos custódios de cada ser humano e de cada espécie - são os Anjos da Guarda, que pertencem ao último coro (ordem) da Terceira Hierarquia Angélica. 

De fato - e que maravilhoso! - todos os seres humanos possuem, cada um, um anjo custódio, enquanto vivem neste mundo, em atenção aos obstáculos e perigos do caminho que têm de percorrer até chegar ao fim. 

Pode se perguntar se Nosso Senhor Jesus Cristo teve um anjo da guarda. Considerando que era a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, não convinha, mas teve anjos com a nobre e feliz missão de O servir. 

Os anjos da guarda começam seu ministério assim que o ser humano nasce e a executam sem interrupção até que exale o último suspiro. 

Eles veem as tribulações e os males que seus protegidos passam mas não se afligem, pois depois de fazerem o que está em suas mãos para evitá-lo se recolhem e adoram neles - seus protegidos- o mistério insondável dos Juízos de Deus. Pois, ainda pode a alma, apesar dos esforços de seu Anjo Guardião, escolher livremente o que é mal, ou ainda, não existir um meio ao alcance do anjo para impedir o sofrimento ou a tribulação, pois que esses também são caminhos de conversão, purificação e santificação. 

Portanto, sempre nos acode os Anjos da Guarda quando o invocamos, mas sua ação sempre estará de acordo com os decretos divinos e fará todas as coisas em harmonia com a glória de Deus.

Os anjos maus, ou demônios, podem combater e tentar os homens; porque o seu todo é malícia e, além disso, porque Deus sabe tirar proveito das tentações em benefício dos eleitos. 

Pois é próprio dos demônios tentar, no sentido em que eles só tentam os homens com o propósito de seduzi-los e perdê-los. 

Não podem, no entanto, com este objetivo fazer milagres, porém, podem realizar "alguma coisa parecida com os milagres", ou seja, algo que seja desconhecido dentro dos conhecimentos disponíveis no momento, mas não o é no conjunto do que pode ser feito pelas criaturas. 

Para os distinguir dos verdadeiros milagres nota-se que são feitos sempre com fim ilícitos ou por meios reprováveis e não podem, por consequência, ser obra de Deus. 

O homem pode, apesar da sua fraqueza, cooperar com a ação divina, no governo do mundo. Ele faz isso quando procura o bem dos seus semelhantes, se torna assim instrumento de Deus em benefício das almas e dos corpos. 

O homem pode ser instrumento de Deus no que se refere ao bem das almas, de dois modos, pelos seus atos: 

Primeiro se torna causa ocasional da Criação de novas almas;
Segundo porque essas almas infantis se nutrem e crescem em perfeição, com os exemplos e ensinos.

Pode ser instrumento de Deus em benefício dos corpos quando, na lei natural, estabelecida por Deus, podem gerar nova vida humana.

Existe uma semelhança entre as operações divinas e humanas, esta consiste em que Deus é livre para dispor do universo a seu agrado, também o é o homem no que dele depende. 

O homem quando obra como homem e não como máquina, por impulso ou guiado por uma reação física e instintiva, é capaz de ter em vista algum fim em todas as suas obras. O homem é o único capaz de propor uma finalidade para as suas ações dentre os seres materiais. 

Não que os outros seres obrem ao acaso, suas operações estão determinadas para um fim determinado, porém, não o intentam, nem o propõem como meta, pois isso o faz Deus em seu lugar. 

Todos se movem para realizar o fim que Deus propôs; mas o homem se diferencia dos outros seres pois pode, por impulso e dependência de Deus, determinar o fim de seus atos; enquanto os outros seres o fazem cegamente, por natureza ou instinto, rumo ao que Deus assinalou. 

Esta diferença ocorre pelo fato do homem possuir inteligência e os outros seres não. 

Seja por intenção explicita ou por certo instinto racional o homem direciona suas ações para o fim último supremo, que é a Felicidade. 

Todos os homens querem ser felizes e não há nenhum que queira, deliberadamente, ser um desgraçado. Mas pode, no entanto, se equivocar em suas escolhas, tomando os bens aparentes e temporários por verdadeiros. Se não vê em tempo o seu engano, no fim da jornada não encontrará a Felicidade mas desconsoladora e irreparável desgraça. 

Por isso é de fundamental e excepcional importância o acerto na eleição, o acerto nas escolhas.

A felicidade do homem consiste num bem superior a ele e este bem é o único capaz de o cumular de perfeições. 


Dessa forma tal bem não pode ser as riquezas, já que são coisa inferior ao homem e incapazes em si de aperfeiçoa-lo. 

Não pode ser as honras, já que não dão perfeição, antes a supõem, sob pena de serem postiças, e se são postiças são nada. 

Não pode ser a glória ou a reputação, pois elas supõem méritos, e eles são, neste mundo, coisa frágil e volúvel. 

Não pode também estar no poder, porque o poder não se dá para o bem próprio mas para os outros, além de estar sempre sujeito ao capricho e a insubordinação. 

Não pode ser também a saúde ou a beleza corporal uma vez que são bens inconsistentes e passageiros e, além de tudo, só dão perfeição ao exterior e não ao interior do homem. 

Muito menos o são os prazeres dos sentidos porque são grosseiros demais comparados às alegrias da alma. 

A felicidade do homem consiste na aquisição de um bem que influi diretamente sobre o espírito e este bem é o Sumo Bem, Deus, Soberano e Infinito.



Sobre a fé católica sobre o Gênesis Santo Agostinho

Trecho do livro Patrística, vol 21

A fé católica é esta: que Deus Pai todo-poderoso criou e ordenou todas as criaturas por meio de seu Filho Unigênito, ou seja, sua Sabedoria e Poder, consubstancial e coeterno com ele, na unidade do Espírito Santo, também consubstancial e coeterno com ele. A doutrina católica ordena crer que esta Trindade é um só Deus e que ela fez e criou tudo o que existe, enquanto existe, de tal modo que toda criatura, seja intelectual ou corporal, ou, o que se pode dizer brevemente de acordo com as palavras das divinas Escrituras, visível ou invisível, foi criada não da natureza de Deus, mas do nada por Deus; e que nela nada existe que pertença à Trindade, exceto que a Trindade a criou e ela foi criada. Por isso não é lícito dizer ou crer que o conjunto das criaturas seja consubstancial e coeterno com Deus.


Eis porque são boas todas as coisas que Deus fez. Mas, as coisas más não são naturais, e tudo o que se denomina mal é pecado ou castigo do pecado. O pecado não é senão o consentimento vicioso da vontade livre ao nos inclinarmos àquelas coisas que a justiça proíbe, e das quais o homem é livre de se abster; ou seja, o mal não está nessas coisas, mas no seu uso não legítimo. O uso das coisas é legítimo, contanto que a alma permaneça na lei de Deus e esteja sujeita ao Deus único com um amor perfeito, e se sirva das demais coisas, que lhe estão sujeitas, sem cupidez e sem luxúria, ou seja, de acordo com o preceito de Deus. Desse modo a alma administrará as coisas sem dificuldade e sem fadiga e com a maior facilidade e felicidade. E o castigo do pecado consiste em a alma ser atormentada pelas criaturas que não a servem, se ela não serve a Deus; pois a criatura obedecia-lhe quando ela obedecia a Deus. Assim sendo, o fogo não é um mal porque é criatura de Deus, mas queima nossa fraqueza devido ao mérito do pecado. Denominam-se pecados naturais os que forçosamente cometemos antes que nos chegue a misericórdia de Deus, depois de termos caído nessa vida no pecado pelo livre-arbítrio.


Que o homem se renova pelo Senhor Jesus Cristo, visto que a própria Sabedoria de Deus, inefável e imutável, se dignou assumir plena e totalmente o homem, nascer da Virgem Maria por obra do Espírito Santo, ser crucificado, sepultado, ressurgir e subir ao céu, o que já aconteceu; e vir no fim do mundo para julgar os vivos e os mortos. E que creiamos na ressurreição dos mortos na carne, o que se anuncia como coisa futura, e que o Espírito Santo foi dado aos que nele creem, que ele instituiu a mãe Igreja, que se denomina católica, e por isso é universalmente perfeita, não comete erros e se difundiu por todo o universo; que os primeiros pecados são perdoados aos que se arrependem, e que há a promessa de uma vida eterna e do reino de Deus.









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