Livro de Isaías: Resumão e Comentário de Garrigou-Lagrange
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Visão geral do Livro de Isaías
O início do ministério profético de Isaías situa-se em 754 a.C., coincidindo com 2 datas históricas precisas: a morte do rei Uzias de Judá e a fundação de Roma.
Isaías, filho de Amoz (não Amós, o profeta vaqueiro), nasceu por volta de 765 a.C. e viveu na corte dos reis de Judá. Há indicações de que talvez fosse primo de Uzias. Escriba e relator dos anais históricos da casa davídica, tinha preeminência e liberdade suficiente para transitar próximo ao poder político e tomar conhecimento, em primeira mão, das políticas e estratégias do Estado monarca judeu.
Letrado, culto e politicamente privilegiado, pode ter feito parte da casta sacerdotal de Jerusalém.
Em 740 a.C., ano da morte do Rei Uzias (ou Azarias ou Ozias), ele recebeu sua vocação profética, e exerceu seu ministério por quarenta anos, numa época de crescente ameaça que a Assíria fazia pesar sobre os reinos de Israel e Judá, durante os reinados de Jotão, Acaz e Ezequias, e provavelmente também, durante seus últimos oito anos de vida, sob a opressão maligna do reinado de Manassés, que mandou serrar Isaías ao meio (Hebreus 11, 37) quando o profeta tinha 92 anos de idade, esse relato também está no Talmude que conta que o profeta se introduz no cedro perante Manassés, e este então manda serrar a árvore. Quando a serra chegou à sua boca, Isaías morre, assim sendo “castigado” por seu perseguidor por ter dito: "Eu habito no meio de um povo de lábios impuros" e também no Talmude de Jerusalém consta que Isaías foi morto quando, ao ser perseguido pelo rei Manassés, se escondeu dentro de um cedro. As franjas de sua roupa, porém, deflagraram sua presença, e então o rei ordenou que o cedro fosse serrado ao meio, ocasionando sua morte.
Ele foi contemporâneo de Oseias e Miqueias.
Os reinados:
Uzias ou Azarias (hebr. עוזיהו) foi o 10º rei de Judá e teria começado a reinar por volta de 829 a.C até 778 a.C.
Sua triste historia consta nos livros de II Crônicas, no Capítulo 26, e em II Reis, capítulo 15, sendo contemporâneo ao profeta Isaias.
Grande guerreiro, filho do Rei Amazias, foi considerado um engenheiro de notável saber, uma vez que as armas projetadas por ele arremessavam grandes pedras, e, atiravam lanças. Possuiu grandes fazendas, construiu reservatórios de água, fortificou torres e edificou uma cidade chamada Elate e foi um dos reis que esteve maior tempo no poder em comparação aos outros.
O seu exército foi tão poderoso que a sua fama chegou até o Egito. Segundo as inscrições de Tiglate-Pileser III (rei da Assíria), teve um confronto no ano 738 a.C(?). entre ele e uma coalizão forte entre reinos sírios, Israel Setentrional, Judá e outros sob liderança do velho rei Uzias. Porém a resistência não era bastante forte para Tiglate-Pileser III abandonar suas tentativas de avançar também para o sul. Invade o Reino Israel Setentrional, e seu rei Menaém torna-se seu tributário.
Nos últimos anos de sua vida, foi amaldiçoado com a lepra, ao tentar subverter à lei de Moisés e queimar ele mesmo o incenso no templo, o que era reservado para os sacerdotes. Morreu isolado em um palácio, à margem do poder pois era leproso.
Jotão (ou Jotam) foi o 11º rei de Judá e começou a governar por volta do ano 750 a.C., reinando por 16 anos. Foi contemporâneo ao profeta Isaías.
Filho do rei Uzias (Azarias), de Judá, com Jerusa (Jerusá), filha de Zadoque. (2Rs 15.32, 33; 1Cr 3,12; 2Cr 27,1; Mt 1,9). Depois de Uzias ser atacado de lepra, quando se irou com os sacerdotes por ser repreendido por eles pela invasão ilícita do templo e pela tentativa de oferecer incenso, Jotão começou a cuidar das tarefas reais em lugar de seu pai. Mas, aparentemente foi só depois da morte de Uzias que Jotão, aos 25 anos de idade, começou seu reinado de 16 anos (777-762). — 2Rs 15,5;7;32; 2Cr 26,18-21, 23; 27,8.
Isaías, Oseias e Miqueias serviram como profetas no tempo de Jotão. (Is 1,1; Os 1,1; Miq 1,1) Embora seus súditos se empenhassem em adoração imprópria nos altos, Jotão mesmo fazia o que era direito aos olhos de Jeová. — 2Rs 15,35; 2Cr 27,2-6.
Durante o reinado de Jotão se fizeram muitas construções. Ele erigiu o portão superior do templo, fez muita construção na muralha de Ofel, construiu também cidades na região montanhosa de Judá, bem como fortes e torres nos bosques. — 2Cr 27,3-7.
Mas, Jotão não teve um reinado pacífico. Guerreou com os amonitas (descendentes de Amon, filho do incesto de Ló com sua filha mais nova) e finalmente triunfou sobre eles. Em resultado disso, durante três anos, eles pagaram um tributo anual de 100 talentos de prata (US$660.600) e de 10.000 coros (2.200 kl) tanto de trigo como de cevada. (2Cr 27,5) Durante o reinado de Jotão, a terra de Judá começou também a sofrer pressão militar do rei sírio Rezim e do rei israelita Peca. — 2Rs 15,37.
Quando Jotão morreu, ele foi sepultado na Cidade de Davi, e seu filho, Acaz, que tinha cerca de quatro anos quando Jotão se tornou rei, ascendeu ao trono de Judá. — 2Cr 27,7-28,1.
Acaz (em hebraico: אחז) foi o 12º rei de Judá, tendo iniciado o seu reinado em 735 a.C. e governou por 16 anos, sendo contemporâneo do profeta Isaías. É considerado um rei mau, de acordo com a Bíblia, pois promoveu a idolatria, fechou as portas do Templo de Deus e sacrificou o próprio filho aos deuses pagãos. Além disso, ele ofereceu sacrifícios e queimou incenso nos lugares altos, nas colinas e debaixo de toda a árvore frondosa, imitando as abominações das nações que Deus havia expulsado diante dos israelitas. Sofreu importantes derrotas militares e não conseguiu obter o apoio da Assíria para controlar os conflitos com as nações vizinhas.
Ezequias (em hebraico: חזקיהו; em grego: Εζεκία; em latim: Hezekiah), também chamado de Hezequias, foi o 13º Rei de Judá, e reinou por 29 anos (726–697 a.C.)era filho de Acaz e de Abi (ou Abia). Reinou conjuntamente com seu pai de 729 a 715 a.C. e, com a idade de 25 anos, tornou-se rei absoluto. Seguiu o exemplo do seu brilhante antepassado, o Rei Davi, teria começado a reinar com 25 anos de idade e governou por 29 anos, a partir de 715 a.C..
No exato primeiro dia do seu reinado, reparou as portas e purificou a Casa/Templo de Yauh. Reintegrou os sacerdotes e levitas ao seu ministério, e restaurou a celebração da Páscoa (II Crônicas 29, 3 e 30, 5). Além disso, combateu a idolatria em Judá proibindo o culto aos deuses pagãos, determinando também que fosse destruída a serpente de bronze construída na época de Moisés, pois novamente o povo estava adorando-a. E, devido à sua obediência, a Bíblia relata que Deus trouxe paz ao seu reino. Enquanto cuidou do templo, providenciou a adoração adequada.
De acordo com a Bíblia, Ezequias, ao ser confrontado pelo grande Rei da Assíria, Senaqueribe, orou a Deus e foi salvo do cerco de Jerusalém (por volta do ano 701 a.C.), através de um anjo enviado por Deus, que teria exterminado cento e oitenta e cinco mil soldados assírios durante a noite.Também no contexto do cerco, ordenou a construção do Túnel de Ezequias, para impedir as tropas de Senaqueribe de terem acesso ao precioso líquido (água), desviando o curso da água de fora das muralhas de Jerusalém para dentro da mesma.
Segundo a Bíblia, após a expulsão dos assírios, Ezequias experimenta um novo milagre. Tendo adoecido gravemente acometido do que a Bíblia chama de úlcera (alguns acreditam tratar-se de um câncer), o profeta Isaías veio lhe dizer que iria morrer. Não se conformando, Ezequias pôs-se a orar e Isaías retorna com outra mensagem de Deus informando um acréscimo de mais 15 anos à vida do rei. E, como prova do cumprimento dessa palavra, Deus deu um sinal a Ezequias, fazendo atrasar dez graus a sombra do relógio solar construído por Acaz.
Tendo se recuperado, cometeu um sério equívoco ao mostrar os seus tesouros aos mensageiros de Merodaque-Baladã II, rei da Babilônia. Devido a isso, foi advertido pelo profeta Isaías, prevendo o futuro cativeiro dos judeus, o que ocorreu numa invasão de Nabucodonosor II, no reinado de Zedequias.
Ezequias faleceu em 696 a.C., mas seu filho Manassés (708 a.C. - 642 a.C.) assumiu a posse de rei aos 12 anos, permitindo a idolatria em Jerusalém e fazer Judá cair em pedaços.
As profecias de Isaías sobre o Salvador
Garrigou-Lagrange
(foi um frade dominicano e um dos maiores teólogos do Século XX. Entre os tomistas é considerado uma das maiores autoridades devido à sua inteligência e memória brilhante. Lecionou no Angelicum em Roma entre 1909 e 1960. Escreveu contra os modernistas. Foi professor de São João Paulo II)
É sobretudo Isaías que, em sua grande profecia, descreve a natividade do Messias, seus atributos divinos, seu reino universal, seu sacrifício que salva todos os povos e seu triunfo.
Inicialmente, a natividade: "Pois por isso o mesmo Senhor vos dará este sinal: uma Virgem conceberá e dará à luz um filho e o seu nome será Emmanuel (VII, 14). Este texto isolado já seria surpreendente, mas ainda permanece obscuro. Trata-se de que Virgem? Isso torna-se mais preciso quando o nome Emmanuel é explicitamente determinado no capítulo seguinte (VIII, 8, 10) onde Emmanuel designa o Senhor, o Messias, "Deus conosco". Também o evangelista S. Mateus (I, 23) e com ele toda a tradição católica, entende por Virgem, neste texto de Isaías, a Virgem Maria e por Emmanuel, o Verbo encarnado, o Filho de Deus feito homem, verdadeiramente Deus conosco. São Mateus, I, 21, mostrará como a revelação feita a José antes do nascimento de Jesus é a coroação da profecia de que falamos: "O anjo do Senhor apareceu em sonhos a José dizendo: "José, filho de Davi, não temas receber Maria como tua esposa, porque o que nela foi concebido é (obra) do Espírito Santo. E dará à luz um filho ao qual porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados. Ora, acrescenta São Mateus, tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor havia dito pelo Profeta: "Uma virgem conceberá e dará à luz um filho e ele será chamado Emmanuel", isto é, observa S. Mateus, "Deus conosco".
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As funções do Messias são descritas a partir do capítulo IX, 6: "Porquanto um menino nasceu para nós e um filho nos foi dado e foi posto o principado sobre seu ombro; e será chamado Admirável, Conselheiro, Deus forte, Pai do século futuro, Príncipe da Paz". Nada de maior pode ser anunciado; estas palavras, Deus forte, significam claramente que nessa criança que virá ao mundo residirá a plenitude das forças divinas. Muito poucos compreenderam seu sentido quando foram escritas. Vemos que elas já exprimem a devoção do Prólogo do Evangelho de São João: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus... E o Verbo se fez carne e habitou entre nós".
No capítulo XI, 1, está dito: "E sairá uma vara do tronco de Jessé (pai de Davi) e uma flor brotará de sua raiz. E repousará sobre ele o Espírito do Senhor, espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de fortaleza; espírito de ciência e de piedade e será cheio do espírito de temor do Senhor... Julgará os pobres com justiça, e tomará com equidade a defesa dos humildes da terra". É a enumeração dos dons do Espírito Santo que o Messias receberá eminentemente, e os justos por participação.
Seu reino universal é anunciado, XVI, 5; XVIII, 7; XXIV - XXVII; e também seu caráter de pedra angular, XXVIII, 16: "Portanto essas coisas diz o Senhor Deus: Eis que colocarei nos fundamentos da (nova) Sião uma pedra, uma pedra escolhida, angular, preciosa, assentada em (solidíssimo) fundamento; aquele que crer, não se apresse". São Pedro depois de Pentecostes dirá aos membros do sinédrio: "esse Jesus (em nome de quem esse homem foi curado) é a pedra que foi rejeitada por vós que edificais, a qual foi posta por (pedra) fundamental do ângulo; e não há salvação em nenhum outro. Porque, sob o céu, nenhum outro nome foi dado aos homens, pelo qual nós devamos ser salvos". (Atos IV, 11). Essa pedra angular, tinha dito Isaías VIII, 14, "será também pedra de tropeço (...); muitos tropeçarão e cairão e serão feitos em pedaços". São Paulo lembra isso na Epístola aos Romanos, IX, 32, e acrescenta: "mas aquele que crê n'Ele não será confundido". E assim: Ef. II, 20; I Ped II, 4.
Isaías anuncia, XXXV, 4..., que o próprio Deus virá: "eis vosso Deus... Ele mesmo virá e vos salvará. Então se abrirão os olhos dos cegos, e se desimpedirão os ouvidos dos surdos. Então saltará o coxo como um veado, e desatar-se-á a língua dos mudos... E haverá ali uma vereda e um caminho, que se chamará santo; não passará por ele o impuro, e este (caminho) será para vós um caminho direto, de sorte que andem por ele os próprios loucos sem se perderem... E os remidos pelo Senhor voltarão e virão a Sião cantando os seus louvores; e uma alegria eterna coroará a sua cabeça."
A salvação messiânica está de ordinário associada pelos profetas à suprema aparição de Deus sobre a terra (Isaías, VII, 14; XL, 5; Malaquias III, 1).
As virtudes e obras do servo de Deus são claramente preditas, XLII, 1-9: "Eis o meu servo, eu o amparei; o meu escolhido, no qual a minha alma pôs a sua complacência; sobre ele derramei o meu espírito; ele espalhará a justiça entre as nações. (Sendo manso) não clamará, nem fará acepção de pessoas, nem a sua voz se ouvirá nas ruas. Não quebrará a cana rachada, nem apagará a mecha que ainda fumega; fará justiça conforme a verdade. Não será triste, nem turbulento, até que estabeleça a justiça sobre a terra... Eis o que diz o Senhor Deus, que criou os céus, e que os estendeu... Eu sou o Senhor, que te chamei na justiça... e te pus para seres reconciliação do povo, e a luz das nações; para abrires os olhos dos cegos e para tirares da cadeia o preso, e do cárcere os que estão sentados nas trevas. Eu sou o Senhor, este é o meu nome; eu não darei a outro a minha glória, nem consentirei que se tribute aos ídolos o louvor que só a mim pertence". XLIII, 1: "Não temas, ó Israel, porque eu te remi... Quando tu passares por entre as águas (dos perigos) eu estarei contigo, e os rios não te submergirão; quando andares por entre o fogo, não serás queimado, e a chama não arderá em ti. Porque eu sou o Senhor teu Deus, o Santo de Israel, teu Salvador".
"O servo de Deus" segundo alguns racionalistas significa o povo de Israel todo; mas hoje a maior parte dos críticos e todos os exegetas católicos observam que nessa profecia, XLII, 1-9, o servo de Deus é claramente distinto do povo de Israel; é uma pessoa real, distinta da massa da nação, da qual se diz: "Ele não quebrará a cana rachada, nem apagará a mecha que ainda fumega; fará justiça conforme a verdade". E o próprio Jesus, como conta S. Mateus, XII, 17, pedindo aos apóstolos que não divulgassem seus milagres, para não excitar o gosto pelo extraordinário, aplicará a si mesmo essa profecia.
Isaías insiste muito no sacrifício do Salvador; ele o descreve, precisando vários detalhes que serão realizados ao pé da letra durante a Paixão de Jesus: L, 6: "Eu entreguei o meu corpo aos que me feriram, e a minha face aos que me arrancavam a barba; não desviei a minha face dos que me injuriavam e cuspiam. O Senhor Deus é o meu protetor, por isso não fui confundido... e sei que não ficarei envergonhado." LII, 13, LIII: "Eis que o meu servo procederá com inteligência, será exaltado e elevado e chegará ao cúmulo da glória. Assim como pasmaram muitos à vista de ti, assim será sem glória o seu aspecto entre os homens, e a sua figura desprezível entre os filhos dos homens... ele não tem beleza, nem formosura, e vimo-lo, e não tinha aparência do que era, e por isso não fizemos caso dele. Ele era desprezado, e o último dos homens, um homem de dores, e experimentado nos sofrimentos; e o seu rosto estava encoberto; era desprezado e por isso nenhum caso fizeram dele. Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas (e pecados), e ele mesmo carregou com as nossas dores; e nós o reputamos como um leproso, e como um homem ferido por Deus e humilhado [3]. Mas foi ferido por causa das nossas iniqüidades, foi despedaçado por causa dos nossos crimes; o castigo que nos devia trazer a paz caiu sobre ele, e nós fomos sarados com as suas pisaduras. Todos nós andamos desgarrados como ovelhas, cada um se extraviou por seu caminho; e o Senhor carregou sobre ele a iniqüidade de todos nós."
Aí está o mistério da Redenção predito no que tem de essencial, e com vários detalhes: LIII, 7: "Foi oferecido (em sacrifício) porque ele mesmo quis, e não abriu a sua boca; como uma ovelha que é levada ao matadouro, e como um cordeiro diante do que o tosquia, guardou silêncio e não abriu sequer a boca. Ele foi tirado pela angústia e pelo juízo. Quem contará a sua geração? Porque ele foi cortado da terra dos viventes; eu o feri por causa da maldade do meu povo". Nem mesmo os Apóstolos, exceto São João, compreenderão no momento da Paixão e da morte do Salvador, que é por nossa salvação que Ele se oferecia e morria daquele modo sobre a Cruz.
Essa profecia é de tal maneira surpreendente que é chamada "Paixão segundo Isaías", a Paixão redentora no que ela tem de mais profundo, em seu motivo supremo de Misericórdia e Justiça, a Paixão vislumbrada antecipadamente no que ela tem de mais íntimo, no que aparecerá em certa medida a Maria ao pé da Cruz, a São João, às santas mulheres, ao bom ladrão, ao centurião; a Paixão, fonte infinita de graças, predita no que permanecerá escondido para a maior parte do que verão Jesus morrer em Sua Cruz.
Enfim Isaías, após as humilhações e sofrimentos do Messias, descreve seu triunfo e a conversão de muitos. LIII, 10: "E o Senhor quis consumi-lo com sofrimentos, mas quando tiver oferecido a sua vida pelo pecado, verá uma descendência perdurável, e a vontade do Senhor (isto é, a conversão dos povos e o estabelecimento do reino de Deus no mundo) prosperará nas suas mãos... Este meu servo justificará muitos... porque entregou a sua vida à morte, e foi posto no número dos malfeitores, e tomou sobre si os pecados de muitos e intercedeu pelos pecadores". São Paulo escreverá aos Hebreus, VII, 25, depois da Ressurreição e da Ascensão: "Por isso pode salvar perpetuamente os que por ele mesmo se aproximam de Deus, vivendo sempre para interceder por nós".
A profecia de Isaías se encerra com a descrição da glória da nova Jerusalém, que por sua luz atrai as nações, com o quadro de sua santidade e de seu esplendor. LV, 1, 5: "Todos vós que tendes sede, vinde às águas (...) os povos que não te conheciam correrão a ti por amor do Senhor teu Deus, e do Santo de Israel, que te glorificou. Buscai o Senhor, enquanto se pode encontrar; invocai-o, enquanto está perto. Deixe o ímpio o seu caminho... porque Ele é muito generoso para perdoar. Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos; nem os vossos caminhos são os meus caminhos, diz o Senhor. Porque, quanto os céu estão elevados acima da terra, assim se acham elevados os meus caminhos acima dos vossos caminhos, e os meus pensamentos acima dos vossos pensamentos." — LX, 1-3: "Levanta-te, recebe a luz, Jerusalém, porque chegou a tua luz, e a glória do Senhor nasceu sobre ti. Porque eis que as trevas cobrirão a terra, e a escuridão os povos; mas sobre ti nascerá o Senhor, e a sua glória se verá em ti. E as nações caminharão à tua luz, e os reis ao esplendor da tua aurora". — Isaías entrevê até a Jerusalém celeste: LX, 19-20: "Tu não terás mais (necessidade do) sol para luzir de dia...o Senhor te servirá de luz eterna, e o teu Deus será a tua glória. Não mais se porá o teu sol... porque o Senhor te servirá de luz eterna, e terão acabado os dias do teu pranto." Esses textos prevêem o que Nosso Senhor chamará tão freqüentemente de "vida eterna".
Como diz o P. Condamin, S.J., Le livre d'Isaie, p. 361: "Nesse magnífico poema, Jerusalém é representada como o centro do reino universal, estendendo-se a todas as nações: religioso, onde tudo converge para o culto de Javé, composto de justos e de santos; eterno (55,3; 60, 15, 19, 20; 61,8). Os teólogos têm razão de ver a realização dessas promessas na Igreja fundada por Jesus Cristo, já que o Servido de Javé é Jesus Cristo, e a numerosa posteridade do Servidor, as multidões de homens que lhe são dadas como prêmio de seus sofrimentos e de sua morte devem povoar a nova Jerusalém 53, 10-12; 54, 1-3)."
Isaías é incontestavelmente o maior dos profetas, pela importância de suas revelações e o poder de seu estilo. Ele viveu numa época das mais conturbadas da história de Israel, que teve então muito que sofrer dos Assírios. Como diz o Eclesiastes, XLVIII, 27, 28: "Isaías consolou os que choravam em Sião; Até ao fim dos séculos mostrou o que devia acontecer, e as coisas ocultas antes que acontecessem." O estilo de Isaías é ao mesmo tempo simples e sublime, de perfeita naturalidade, enorme nobreza e brilho excepcional. Suas frases são concisas, penetrantes e dão relevo aos pontos principais, para dissipar as ilusões e fortemente chamar a atenção para o reino de Deus, para fazer pressentir a grandeza do Messias e a majestade da glória divina. Isaías também é dotado de um verdadeiro gênio poético; o poder de sua imaginação não é menor do que a grandeza das idéias que ele tem a exprimir. Esse gênio poético aparece em particular nos contrastes e antíteses de suas predições. Em sua obra, as profecias propriamente ditas estão sempre em estilo poético, uma parte em verso e versos de grande beleza. É a inspiração no sentido mais alto e inteiramente sobrenatural da palavra.
(extr. de "Le Sauveur et son amour por nous", Ed. Cèdre, Paris, 1952, pág. 66. trad. Maria Tereza H. F. Costa, PERMANÊNCIA, Mar.-Abr. 1987)
Observação: Santo Irineu, Bispo de Lion (Lião), escreveu seu "Adversus Haereses" ('Contra as Heresias'), pelo final do séc. II dC, bem próximo do tempo dos Apóstolos. Diz ele:
"...Portanto, uno e idêntico é Deus, pregado pelos Profetas, anunciado pelo Evangelho o seu Filho, Fruto do seio de Davi, isto é, da Virgem descendente de Davi, o Emmanuel (...). Era ao mesmo tempo Homem, para poder ser tentado, e Verbo [de Deus], para poder ser glorificado. (...) Foi, portanto, Deus que se fez homem, o próprio SENHOR que nos salvou, Ele próprio, que nos deu o sinal da Virgem. Por isso não é verdadeira a interpretação de alguns que ousam traduzir assim a Escritura: 'Eis que uma jovem conceberá e dará à luz um Filho', como fizeram Teodocião de Éfeso e Áquila do Ponto, ambos prosélitos judeus seguidos pelos ebionitas, que dizem que Jesus nasceu de José(...)."
"...Antes que os romanos estabelecessem o seu império, quando os macedônios mantinham ainda a Ásia em seu poder, Ptolomeu, filho de Lago, que tinha fundado em Alexandria uma biblioteca e desejava enriquecê-la com os escritos de todos os homens, pediu aos judeus de Jerusalém uma tradução em grego das suas Escrituras. Eles, então, que ainda estavam submetidos aos macedônios, enviaram a Ptolomeu setenta anciãos, os mais competentes nas Escrituras e no conhecimento das duas línguas (...). Eis como os anciãos traduziram as palavras de Isaías: 'Isaías disse: Ouvi pois, casa de Davi, porventura não vos basta ser molestos aos homens, se não que também ousais sê-lo ao meu Deus? Pois, por isso o próprio SENHOR vos dará este sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um Filho, e o seu nome será Emmanuel...'"
Vemos que Sto. Ireneu esclarece bem dois pontos importantes: primeira, a Virgem Maria, Mãe de Jesus, é descendente de Davi, o que confere a Jesus a descendência carnal de Davi, conforme previsto no AT, e que só poderia se dar por parte de sua mãe humana. A segunda é que o texto do versículo do Evangelho segundo S. Mateus, que faz alusão à profecia de Isaías, que traz "a virgem conceberá", coincide com o texto do Antigo Testamento conforme à tradução dos Setenta para o grego, que diz exatamente o mesmo, ipsis litteris.
A tradução dos Setenta foi produzida em cerca de 250 a.C., portanto quase três séculos antes do Evangelho de S. Mateus, Apóstolo que, evidentemente, conhecia a tradução dos Setenta, escrevendo "virgem" e não "jovem". Além disso, o mesmo Apóstolo conviveu com Jesus e Maria; certamente, tomou conhecimento do parto virginal por intermédio da própria mãe de Deus.
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