A Educação Cristã 4: A Babel Moderna
Acredito que todos que me conhecem já saibam das minhas reticências em relação à internet. Embora seja um meio de comunicação maravilhoso, pode ser um verdadeiro abismo. Quando falamos qualquer coisa, a outra pessoa entende conforme o que ela tem na bagagem e conforme os seus sentimentos. O que é extremamente compreensível e também cansativo. Isso tem como ponto motivador a nossa era moderna super emotiva e a educação assombrosamente emburrecedora do Paulo Freire.
Recentemente, lecionei umas aulas sobre Filosofia Prática para o Educa-te, nelas falo sobre o impacto que o “método Paulo Freire” gerou na percepção filosófica, um impacto negativo, claro. Mas você deve se perguntar que relação isso tem com você, que talvez não goste de filosofia (provavelmente porque nunca teve um professor tomista). Veja bem, a didática se baseia praticamente em ensinar usando o meio do aluno, isso parece muito maravilhoso e de fato surte resultado na educação básica, letramento por exemplo, mas é uma desgraça em todo o restante.
A literatura, uma carta, um artigo, um bilhete têm por objetivo dar ao leitor uma informação ou um ensinamento, ou seja, visa abrir um buraco na muralha da realidade que o cerca, uma janela ou um portal conforme a profundidade do que se lê. O ato de ler visa ampliar horizontes. Mas com a forma da educação atual, não temos mais a leitura como portais e sim como espelhos; não se vislumbra nada novo, antes se inicia uma tentativa insistente e absurda de encontrar em todo texto algo de si mesmo e, quando não encontra, se inventa, se adapta.
É impossível um ser humano viver todas as coisas, portanto, é impossível que tenha um comentário sobre todas as experiências da vida. A literatura, a leitura, não serve para vermos a nós mesmos (não no começo), mas para vislumbrar além, sair de si, ver o mundo com outros óculos, em silêncio, e depois voltar os olhos para si e ver coisas antes nunca vistas.
Mas não é isso que acontece. Todos nós fomos condicionados a ver um livro, um artigo, uma carta, um bilhete como espelhos; como pequenos Narcisos, não podemos sair de nós mesmos sem cair em nós mesmos. Portanto, você já deve entender o impacto que isso causa na comunicação. Ninguém escuta ninguém, não há o trabalho de parar e ler o que outro está realmente dizendo; existe só o trabalho de tentar encontrar ali, no que está sendo lido, algo que já tenha vivido (ou aparentemente vivido) e dar o seu parecer.
Isso existe em todos os níveis educacionais, o que gera a tão conhecida “falta de interpretação de texto”. Se o texto foi escrito para expressar algo além, para comunicar, para ser um portal, mas é lido por olhos que só enxergam a si mesmos, haverá logicamente ruídos na comunicação, pelo simples fato de que a pessoa falou para ser ouvida e não para ser um reflexo. Por isso que na educação clássica se instrui a ler o que está escrito e não o que eu quero entender; os ruídos surgem justamente porque, para isso, é preciso constatar que podemos não ter aquela vivência e que, portanto, entendemos o que está sendo dito, mas não tudo. É difícil fazer isso numa educação que te faz achar que entender é já ter vivido tudo que já foi escrito e ter, de imediato (e muitas vezes na adolescência, veja bem), um pensamento crítico.
Para você ter uma ideia de como essa forma de educação é destrutiva, vou colocar num cenário mais simples: a pessoa está a ler Moradas do Castelo Interior e, na quinta morada, começa a achar que já passou pelo que a Santa Madre fala, que já viveu aquilo, porque achou um ponto na sua história, um único ponto, parecido. Logo, aquilo já se torna certeza e ela se vê na quinta morada. Parece exagero, mas todos sabemos que é justamente assim que a maioria de nós lê algo, sempre tentando achar algo que nos reflita, sempre buscando a auto-referência. O livro não foi escrito com esse propósito, mas isso não é levado em consideração. Não passa pela cabeça do citado leitor observar se já venceu as características das moradas anteriores e se tem os traços nelas citados; tudo se resume àquele ponto que, adaptado, é forçosamente tido como já vivenciado.
Isso acontece com tudo, até num bilhete. Acontece que isso impede a comunicação e o processo de aprendizado. Alguém que vê tudo como espelho nunca encontrará ocasião de olhar para algo e constatar “isso eu não vivi, não tenho na minha bagagem, mas entendi o que foi dito”, de dizer “eu não sei isso” ou “eu não sabia disso, obrigada”; e depois de anos se deparar com a situação real e dizer “haaa, então é assim!”. Isso é o processo de aprendizado, é usar a experiência literária, mas alguém que acredita já ter vivenciado tudo que lê, que se vê em tudo e tudo adapta para ter como já vivenciado, nunca aprenderá, nem com Santa Teresa explicando a sétima morada, nem com o bilhete que lhe dá uma nova informação.
A internet e a falsa percepção de formação ampliam e muito essa situação. Fora de uma boa educação, as pessoas entendem o que leem e escutam segundo o seu humor, temperamento, emoções e história; elas entendem o que querem. Mas quem escreve ou fala está, na maioria das vezes, falando outra coisa e com outra intenção, ou ainda, muitas vezes, se refere a coisas que não existem (ainda) na realidade e vivência do leitor, que, por sua vez, está acostumado a olhar para espelhos e não para janelas.
Uma Babel moderna.
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