Santa Hildegarda: uma resposta guardada na arca da Tradição Católica (Camila Lorenzetti)

by - junho 26, 2023




Introdução

Este artigo foi produzido pela terapeuta Camila Lorenzetti. Há algum tempo tenho a intenção de  disponibilizar um estudo sobre esta Santa Doutora, acredito que sua vida e trabalho, são uma resposta a uma série de questionamentos da nossa perturbadora situação moderna. Conservando uma firme convicção de que na arca da Santa Tradição Católica podemos encontrar todas as respostas e os cuidados do Senhor para conosco (Ele que antecipa em sua Providência tudo que precisamos), apresento-lhes este artigo. Deus se desdobra em cuidados. 


Santa Hildegarda

Santa, Doutora da Igreja, Mística, Teóloga, Médica, Artista e Musicista.




“Em Santa Hildegarda de Bingen revela-se uma extraordinária harmonia entre a doutrina e a vida quotidiana. Nela a busca da vontade de Deus na imitação de Cristo expressa-se como uma prática constante das virtudes, que ela exerce com suma generosidade e que alimenta nas raízes bíblicas, litúrgicas e patrísticas à luz da Regra de São Bento: resplandece nela de modo particular a prática perseverante da obediência, da simplicidade, da caridade e da hospitalidade.” – Papa Bento XVI, 7 de Outubro de 2012.



Assim abrimos este artigo a respeito de Santa Hildegarda de Bingen, Santa Canonizada oficialmente¹ em 10 de maio de 2012, declarada Doutora da Igreja em 7 de outubro do mesmo ano, ambas ocasiões pelo Papa Bento XVI; para amparar no íntimo da Santa Igreja sua biografia, sua medicina, sua doutrina e sua mística.


Nasce uma menina predestinada 


Nascia no verão de 1089, no castelo de Böckekheim em Bermersheim, perto de Alzey (cidade na Renânia – Alemanha), uma encantadora menina, filha de pais de linhagem nobre e ricos proprietários de terras. Era décima filha concedida ao casal Hildebert e Matilde a quem batizaram com o nome de Hildegarda. Apesar de frágil saúde já manifestava sua aguda inteligência e inclinação para vida religiosa desde muito criança. Ela descreve “quando tinha três anos de idade foi-me dado ver uma luz tão extraordinária que a minha alma ficou abalada, mas, como era ainda muito pequena, não falei sobre isso a ninguém”. Deu sinais de sua vocação profética muito cedo com coisas cotidianas como descrever, e acertar, as manchas de um bezerro antes dele nascer.


Em 1106, com oito anos de idade seus pais a levaram a abadia beneditina de Disibodenberg, Hildegarda foi a oferta de gratidão a Deus por tantas bênçãos concedidas a eles. Lá foi aceita como oblata e colocada sob os cuidados de uma virtuosa condessa que abandonara a vida nobre para dedicar-se a vida espiritual, desta mulher que era abadessa, Jutta de Sponheim, recebeu educação monástica e piedosa. Em 1115, com 18 anos de idade, Hildegarda emitiu a profissão religiosa.


Em 1141 ela recebe de Deus a ordem de escrever seu primeiro livro SCIVIAS (Conhece os Caminhos do
Senhor). Ela relata como Deus lhe ordenou: “Escreve o que vês e ouves! Revela as maravilhas que te foram dadas a conhecer! Escreve-as e fala delas”. Em sua humildade ela não obedeceu imediatamente, pois também desconfiava de si. Deus permitiu que caísse doente, de cama, paralisada, e só retomou a saúde quando começou a escrever. Reconheceu neste fato uma advertência.

Depois de receber um conselho de São Bernardo de Claraval, contemporâneo de seu tempo, grande nome da Igreja que, na época já era conselheiro do Papa; ela decidiu começar a ditar a obra Scivias. Em 1147/48 o Papa Eugênio III reconhece, no sínodo de Tréveris, o dom da visão de Hildegarda, depois de ter examinado seus escritos. Ele abre o sínodo com trechos do livro Scivias.


No silêncio da clausura germina o fruto da providência


As comunicações sobrenaturais de que era objeto, iniciadas na primeira infância continuaram ao longo de toda a sua vida. Era um estado quase permanente, ela esclarece que não apresentava características de êxtase, pois seus sentidos mantinham-se despertos. “Estas coisas não as vejo com os olhos do corpo, nem as ouço com meus ouvidos; vejo-as unicamente com os olhos da alma.”

Essas visões deram a Hildegarda um discernimento profundo da criação, ação do bem e do mal, da graça e do pecado, da realização da vontade de Deus a que o homem é chamado e a facilidade que este tem em desprezar os desígnios divinos. Os ensinamentos de Santa Hildegarda possuem em nossos dias uma atualidade igual ou maior do que quando ela viveu, há mais de 800 anos. Isso é fruto do dom profético que Deus lhe deu!

Deus se faz conhecer através de uma alma cheia de ciência divina


“Deus, que fez todas as coisas por um ato de sua vontade e as criou para tornar conhecido e honrado o seu nome, não se contenta em mostrar através do mundo apenas o que é visível e temporal, mas manifesta nele aquelas realidades que são invisíveis e eternas. Isto é o que me foi revelado”.

A linguagem de Hildegarda, caracterizada por um estilo original e eficaz, recorre a expressões poéticas de grande carga simbólica, com fulgurantes intuições, analogias incisivas e metáforas sugestivas. Santa
Hildegarda fala a respeito da relação entre Deus e os homens, da Criação e do Juízo Final, e insiste sobre o papel da Igreja na história da salvação. Seu coração filial transborda em exaltações à Santíssima Trindade, não exclui vigorosas denúncias aos erros morais da humanidade e fala da importância dos sacramentos na santificação das almas.

A medicina de Santa Hildegarda é dirigida ao homem inteiro: corpo, alma e espírito. Está ligada a uma visão do mundo e a uma antropologia cristãs, ela deixa claro o papel do Pecado Original e que por sua própria culpa o homem torna-se corrupto, doente e sujeito à morte. Reúne, numa expressão chave, a noção universal da saúde, prosperidade e bondade que os latinos chamam de Integritas (integridade), ela chama Viriditas (o verdor). Esta é, segundo ela, a expressão do símbolo da existência saudável, virtude fundamental. Descreve a virtude da criação e das criaturas com este termo: a alma é a “força verdejante do corpo”, Maria Santíssima é “a virgem toda verdejante²”, e por sua integridade ainda diz que por ser mãe do Médico Divino, ela é Mater medicinae, Mãe da Medicina.

Santa Hildegarda ensina como voltar à origem, como buscar a integridade, o Viriditas! Para isso ela nos traz seis regras chamadas “Regras de Ouro”:

1- Que sua comida seja seu remédio;
2- Remédios naturais (ela ensina receitas e suas propriedades);
3- Equilíbrio entre trabalho e descanso;
4- Sono repousante e exercícios adequados;
5- Purificação do corpo das toxinas;
6- Transformação pessoal (espiritual e emocional);


Santa Hildegarda nunca dissocia a alma do corpo. Para ela a corporalidade é uma imagem do esplendor de Deus, o ápice de sua obra. O ser humano é o coração da criação, o centro dela. Sua Psicoterapia é profunda.


“O homem tornou-se estranho e rebelde, biologicamente deficiente. Pecou contra a terra, poluiu a atmosfera e perturbou a luz através duma pestilência abjecta”, diz. Na sua psicologia explica que é necessário estimular as forças da alma (virtudes) para resultar na cura. Considera as virtudes como as melhores e mais eficazes defesas contra todas as fraquezas e doenças físicas e psíquicas. Elas dão forças, organizam, e estimulam as funções vitais. Outras são orientadas pela reparação (penitência) e outras têm ação curativa sedativa (misericórdia). Em todos os seus escritos demostrou um profundo conhecimento nas relações entre o homem e o mundo, sua constituição espiritual e física, as propriedades benéficas dos seres vivos e o papel de toda a criação divina na saúde integral do homem.

Ela ditou um total de cinco livros grandes e sete menores, além de 77 obras musicais e uma extensa correspondência:

Conheça os Caminhos (Scivias, 1141-1151): trata da criação do mundo e do ser humano; o Ser e o desenvolvimento da Igreja até sua perfeição eterna, a história passada, presente e futura da espécie humana, seu desvio de Deus e seu retorno ao Pai. Descreve tudo em forma de Iluminuras e explica com detalhes tudo que viu e ouviu.


Livro dos méritos da vida (Liber vitae meritorum, 1158-1163): sobre o ser humano, como sendo livre tem que decidir continuamente a quem serve e o que faz. Aqui descreve 35 vícios que adoecem o homem e suas virtudes contrárias.

Livro das obras divinas (Liber divinorum operum, 1163-1174): descreve a Criação como uma obra de arte, e o ser humano como um microcosmo que integra tudo isso.

Physica (História Natural), também conhecido como Liber simplicis medicinee (Livro da Medicina Simples), que descreve a utilidade para o homem dos animais, plantas e minerais mais comuns, e pedras
preciosas. Este livro é dividido em nove livros internos.

Causae et Curae (Causas e Remédios) , também conhecido como Liber Compositae Medicinale (Livro da Medicina Complexa) com as causas das doenças, seus remédios e o funcionamento interno do corpo humano.

Sua obra poética e musical inclui:

A Harmonia Sinfonia das Revelações Celestiais (Symphonia armonie celestium Revelationum ), (1140 –
1150) composta por 77 peças musicais.

O Coro das Virtudes (Ordo virtutum ), (1150) auto sacramental.

Sua correspondência (1147-1179) consiste em mais de 300 cartas para toda a escala social da época: papas, imperadores, reis, nobres, bispos, monges e pessoas de todas as classes sociais que vieram a Hildegarda em busca de conselhos e ajuda, incluindo São Bernardo de Claraval.

Outras obras de Hildegarda são:
- Explicação da Regra de S. Bento;
- Explicação do Símbolo de S. Atanásio;
- Vida de S. Disibodo;
- Vida de S. Rupert;
- Língua desconhecida (Lingua ignota et Littere ignote), apenas parcialmente preservada, com uma língua cujas palavras contêm em si a essência das coisas;
- Respostas a 38 perguntas (Solutions XXXVIII questionum), com as respostas de Santa Hildegarda às
perguntas dos monges do mosteiro de Villers.
- Explicação do Evangelho ( Expositiones evangeliorum ).



Símbolo Feminista?


Na conjuntura da sociedade em que vivia a santa abadessa, e por ter se tornado tão importante, o fato de ser mulher chamou atenção de alguns historiadores que hoje a utilizam como símbolo do movimento feminista.

Alegam que ela sofreu preconceito por ser mulher, utilizam trechos de seus escritos fora de contexto para instrumentaliza-la. Não é bem assim que a história nos apresenta, pois vimos que homens do alto clero como o Papa e São Bernardo de Claraval, os quais ela se correspondia com muita frequência, a incentivaram a escrever tudo que via e ouvia. Ela se destacou em virtude de sua santidade, conhecimento e dons místicos. Os homens sábios de seu tempo souberam reconhecer nela o Espirito Santo agindo.

A partir de 1160, mais uma vez recebe a ordem divina de pregar ao que imediatamente não obedece e mais uma vez caiu doente até que obedeceu. Fez ressoar sua voz profética nas abóbadas das igrejas, apontar com sua sabedoria os erros de um século surdo à voz de Deus. Ela parte, já idosa, para pregar nas grandes catedrais repletas pelo clero, nobreza e povo, desejosos de ouvir suas justas admoestações. Com suas pregações, multiplicam-se as conversões e se espalha a fama da santa abadessa a cujas palavras seguiam-se os prodígios.


Nascida para o céu


Aos 81 anos, 17 de setembro de 1179, sem dobrar-se ante o peso das fadigas e dos sofrimentos, aquela que nunca recusou socorro aos filhos de Deus entregou sua alma em meio à grande paz e serenidade de seu mosteiro exatamente como havia descrito tempos antes.

Em pouco tempo, encheu-se de peregrinos o seu túmulo, multiplicaram-se os milagres, cresceu o número de seus admiradores e devotos. Foram tantos milagres que o Bispo de Mainz, foi ao seu túmulo e a proibiu de continuar com os milagres, invocando a santa obediência. Ela obedeceu! Passaram mais de 800 anos para outro bispo revogar esta proibição do seu Bispo antecessor. Com efeito, em 1857, o Bispo de Limburgo anulou a proibição e fez um reconhecimento oficial de seus restos mortais e escolheu como Santa padroeira da aldeia de Eibingen.

Em nossos dias, numerosos países contam com associações dedicadas a estudos de sua medicina natural. Sua medicina tem chegado aos quatro cantos do mundo. Na Europa médicos, farmácias e clínicas utilizam seus conhecimentos e relatam curas através dela.

Em sua biografia vemos que Santa Hildegarda, praticou heroicamente a virtude preciosa da humildade, que caracteriza aqueles que são os verdadeiros depositários dos tesouros de Deus. Nunca se vangloriou de seus dons ou utilizou em benefício próprio. Viveu para cumprir todos os desejos de seu amado Criador e ser para nós modelo de santidade!


“Nós, acolhendo o desejo de muitos Irmãos no Episcopado e de inúmeros fiéis do mundo inteiro, depois de ter recebido o parecer da Congregação para as Causas dos Santos, depois de ter refletido longamente e ter alcançado uma plena e segura convicção, com a plenitude da autoridade apostólica declaramos São João de Ávila, sacerdote diocesano, e Santa Hildegarda de Bingen, monja professa da Ordem de São Bento, Doutores da Igreja universal, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.” – Papa Bento XVI na ocasião em que Santa Hildegarda foi proclamada Doutora da Igreja juntamente com São João de Ávilla.


Notas

1) Logo após a sua morte abriu-se um processo de canonização, mas sua causa parou na beatificação. Entretanto, em 1584 o papa Gregório XIII autorizou a inclusão do seu nome no Martirológio Romano como Santa. O papa Bento XVI reafirmou oficialmente sua santidade em 10 de maio de 2012 e a proclamou Doutora da Igreja através de carta apostólica de 7 de outubro do mesmo ano.

2) O Dogma da Imaculada Conceição só foi oficializado em 8 de dezembro de 1854 porem Santa Hildegarda já de referia à Maria Santíssima como Virgem.


Bibliografia


Santa Hildegarda de Bingen - Mística e Doutora da Igreja; Regine Pernoud. Disponível em: https://amzn.to/3XoM98K
A Medicina de Santa Hildegarda; Helmut Posch
Scivias – Conhece os caminhos do Senhor; Santa Hildegarda de Bingen. Disponível em: https://amzn.to/3PsicTp

Por Camila Lorenzetti
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