A vida afetiva dos que não se casam

by - agosto 04, 2023





O Padre João Mohana escreveu o livro "A vida afetiva dos que não se casam". O livro foi publicado em 1998 e participou da série Educação para o Amor. 


O escrito pode ser dividido em duas partes. A primeira versa sobre a necessidade da abordagem do assunto. Como esperado, o autor espelha certa aversão ao que ele chama de "racionalização", tal aversão é característica da formação sacerdotal dos padres dessa época, o que pode ocasionar certa antipatia diante de olhares mais atentos, afinal o próprio autor era padre e médico, ou seja, ele próprio se dedicou aos estudos por pelo menos sete anos em cada área, além de ser chamado de erudito em várias edições. Portanto, essas falas sobre a erudição se tornam um tanto deslocadas (com umas doses de sarcasmo e certo deboche). A segunda parte toma ares mais sacerdotais, o autor passa a oferecer formas práticas para o exercício da afetividade do celibato. O que realmente torna o livro interessante. 


O autor parece se preocupar com homens e mulheres celibatários, mas parece se atentar um pouco mais à atual dinâmica de relacionamento clerical, o que é de fato uma abordagem interessante. Ele afirma que os seminaristas são instruídos a não ter amizades no seminário, por conta das circunstâncias relacionados ao homossexualismo, isso gera uma certa ação defensiva dos jovens que para se protegerem acabam por abraçar uma atitude de isolamento (já que mulheres e crianças, também não são escolha para amizades, pois o padre pode ser acusado de ter um caso ou de ser pedófilo). Assim, não fazem amigos quando jovens e acabam por não ter amigos na velhice, o que interfere na saúde emocional desse padre que irá se aposentar um dia. O Padre Mohana afirma que deveria ser incentivado as amizades por gosto e afinidade, no lugar dos encontros clericais forçados (na época eram feitos por sorteio, para impedir as amizades particulares, ou seja, amigos preferidos) entre pessoas que não tinham nada em comum. De modo geral, o autor salienta o problema que até hoje está sem uma resolução prática: os padres são pessoas e possuem uma dificuldade grande em manter a autoridade e serem acessíveis. Na prática o padre acaba escolhendo um dos pratos para equilibrar e o resultado é o padre que mantem a autoridade mas é um tanto inacessível e o outro que é acessível mas o povo acaba se esquecendo que ele é um padre (o autor tende a este grupo). São poucos os padres que conseguem um equilíbrio. Portanto, o livro trata em alguns momentos, desta tensão em que vivem os homens escolhidos para ficarem entre o Céu e a Terra. Após certa reflexão o autor chega a dizer que não ter amigos é um "suicídio vocacional", embora seja compreensível o prisma adotado, parece ser um pouco exagerado, já que o cerne da vocação está em Deus e não nas pessoas. Talvez seja resultado do atual modo sacerdotal que possui uma estreita ligação com a reação do povo, tendo como contribuição até mesmo a postura do padre na Santa Missa, em que ele é capaz de ver a reação de todas as pessoas... é uma situação que exige toda a energia para não agir, seguindo a parte humana, e tentar agradar tantos olhares ou se tornar dependente deles para viver a vocação. No entanto, o autor parece tomar um rumo diferente na segunda parte, um rumo melhor. 


Durante a escrita o autor oferece algumas atitudes praticas, mas não oferece nenhuma resposta aos problemas que aponta, traça somente algumas diretrizes pessoais, talvez por saber que o problema não será resolvido de outra forma.


ATENÇÃO: em um trecho do livro pode parecer (não sabemos se assim é) que o autor aprova a terapia chamada Constelação Familiar, no entanto, alertamos que segundo às orientações de bons padres e terapeutas tal terapia não é indicada para católicos, não sendo seu uso endossado por este apostolado, que inclusive, o desencoraja fortemente, devido aos caminhos que a técnica tomou. 


Alguns trechos do livro:


"A capacidade de amar, é natural no ser humano."


"Aceitar que o coração e cérebro devem viver afinados no mesmo eu".


"Uma situação como a de quem consagrou o sexo pode ser saudável. Não gerará angustia nenhuma. Ao contrário, não gerará desprazer, se estiver impregnada de um profundo significado existencial, que enriqueça a vida da pessoa, em lugar de empobrecê-la. Isso ocorre quando a opção por uma vida celibatária é encarada não como uma limitação para vivência de relacionamento sexual e para procriação, mas como uma forma de realização de valores mais profundos, que Frankl denomina "valores de atitude". 

Há três espécies de valores:

1- Valores de criação: Mozart, quando compunha uma sonata, gerava um valor de criação.

2- Valores de vivência e experiência: decorrem da experiência que a pessoa vive. Por exemplo: um emprego, uma viagem...

3- Valores de atitude: surgem da atitude que alguém adote diante de uma limitação na vida pessoal."


"Assim é possível que a vida se torne plena somente com os valores de atitude."


"A teoria frankliana nos leva a concluir que a sexualidade pode ser assumida e recanalizada de modo que oriente a energia dela à realização de um objetivo existencial altamente significativo para a pessoa."


"Não deixe de notar que o celibato autenticamente evangélico não consiste numa situação imposta e vazia de sentido, mas sim numa opção consciente e livre e repleta de significado existencial."


"Portanto, esses quatro fatores devem ser encontrados nos autênticos celibatários consagrados:

1- identidade: sou escolhido de Deus,

2- intimidade: sou um companheiro que mantém vinculo fraterno,

3- geratividade: gero vida no povo de Deus, tenho uma paternidade ou uma maternidade espiritual,

4- sentido ou significado: tenho uma missão existencial e minha missão é vasta precisamente por causa de meu celibato (valor de atitude)."



"Precisamente devido à porno-indústria, a consagração da libido por amor ao Reino de Deus assume, nesses dias supererotizados, uma urgência clamante."


"Segundo essa visão evangélica do consagrado, da consagrada, não é, pois, a castidade como voto, nem os outros votos, que criam a vida religiosa, o "estado" de consagrado. Não. É o Reino de Deus, é o próprio Evangelho proclamativo desse Reino. É Jesus Cristo."


"Se fosse o celibato que criasse a vida consagrada, o celibato passaria a ser um fim em si... a essência da consagração celibatária não é o celibato em si, mas o amor ao Reino de Deus como razão e sentido desse celibato. Como ideal que enche o coração... se a consagração radical da libido e da afetividade fosse um fim em si, não teria dimensão escatológica"


"Não existe solidão séria, demorada, nociva, para quem consagrou a libido e a afetividade, fazendo de sua consagração um relacionamento bilateral, diariamente motivado no convívio íntimo com Aquele que nos escolheu."


"Três tipos de atividades contribuem para que nosso coração se torne bosque em vez de deserto:

- Atividades espirituais: espiritualidade (vias de santidade), ideal vocacional (sempre alimentado por leituras de formação), competência especializada (estudo e prática).

- Atividades psicológicas: higiene mental (cultivo de pensamentos positivos), higiene emocional (cultivo de sentimentos construtivos), abertura discernida para com as artes e artesanato (música tranquila, poesia mística, pintura religiosa, etc).

- Atividades Físicas: esporte, horticultura (jardinagem com finalidade litúrgica ou para o beneficio da comunidade, oração enquanto cultiva)"


"Como nossa afetividade não paira solta no ar, é um dinamismo enraizado em todos os níveis da vida humana, dá para perceber porque, ignorando nossa natureza assumida pelo Verbo Encarnado, não podemos segui-lo nem imitá-lo como Verbo Consagrado. "


"Encarar toda e qualquer oração como um encontro com Jesus, não devemos dizer: "vou agora à capela" Não. Digamos: "Vou agora me encontrar encontrar com Jesus".

Não devemos dizer: "Vou agora rezar Vésperas". Não. "Vou agora encontrar com Jesus"... Este recurso não salva apenas a nossa oração. Salva o nosso coração". 


"Ser sentimental, portanto, é diferente de possuir sentimentos... vejamos como se sabe que um consagrado é sentimental:

- está sempre inconscientemente esperando retribuição afetiva,

- nada faz desinteressadamente,

- é muito suscetível,

- desculpa as mágoas com dificuldade,

- não gosta de razões para agir, prefere motivos do coração;

- abomina princípios éticos ou espirituais, pauta-se por circunstâncias;

- adora apelativos carinhosos;

- com muita facilidade trata os outros "amigo", "colega", "querido", enfatizando o lado sentimental da relação;

- vive praticamente para aqueles de quem gosta;

- resvala fácil na dependência"


O autor finaliza orientando a prática da leitura meditada da vida dos santos, a direção espiritual, pois, "sem acompanhamento, dificilmente, ou muito mais lentamente, a afetividade se integra na personalidade, do padre, freira ou qualquer um que não tenha se casado" e o cultivo da arte de presentear.


Encontre o livro aqui.


Sugestão de leitura complementar:

O poder oculto da amabilidade: aqui

Em busca de sentido: aqui

Podres de mimados: aqui

 




















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