A Virtude do Contentamento: Mês de Outubro
Escrito pelo Venerável Fulton Sheen em seu livro Rumo à Felicidade de 1955:
A principal causa de descontentamento é o egoísmo, ou amor-próprio, que coloca o eu acima de tudo, como o centro do mundo, ao derredor do qual toda a gente deve girar. A segunda causa de descontentamento é a inveja, que nos faz considerar as riquezas e os talentos alheios, como se nos tivessem sido roubados. A terceira causa é a cobiça, ou o desejo desordenado de ter mais, para compensar o vazio do nosso coração. A quarta causa de descontentamento é o ciúme, que, umas vezes, é ocasionado pela melancolia e tristeza e, outras, pelo ódio àqueles que possuem o que para nós cobiçamos.
Pensar que o contentamento procede de alguma coisa de fora de nós e não de uma qualidade da alma, é um dos maiores enganos. Havia um rapaz, outrora, que só queria uma pequena bola de mármore: quando teve essa bola, queria uma bola de borracha: depois só queria um pião; a seguir, só queria um papagaio; e quando teve a bolinha, a bola, o pião e o papagaio ainda não era feliz. Tentar fazer feliz um descontente é o mesmo que tentar encher uma peneira de água. Por mais água que dentro derrameis, ela esvai-se e nunca conseguireis enche-la.
O contentamento não está também na mudança de lugar. Alguns julgam que, se estivessem numa parte diferente da Terra, gozariam de maior paz de alma. Uma dourada num aquário e um canário numa gaiola principiaram, num dia quente, a conversar. O peixe dizia: "quem me dera poder balouçar-me como o canário; como ele morar lá em cima, naquela gaiola!" Por sua vez, o canário dizia: "oh! como deve ser agradável estar metido na água fresca, onde o peixe está". Subitamente, ouviu-se uma voz que dizia: "Canário, mergulha na água! Peixe, trepa para a gaiola!" Imediatamente, trocaram de lugar, mas nem um, nem outro foi feliz, porque, originariamente, Deus tinha destinado a cada um o lugar que, segunda a sua natureza, mais lhe convinha.
A condição do nosso contentamento é conter-se, è reconhecer limites. É provável que esteja em paz tudo o que está dentro de limites. Um dos lugares mais tranquilos do mundo é um jardim murado. Ficou-se do lado do mundo e, através dos portões daquele, pode olhar-se sobre este, com a poesia que dá a distância, e sonhar-se com os seus encantos. Assim, se a alma do homem se confinar aos seus limites (quer dizer, se não for avarenta, nem ambiciosa, nem trapaceira, nem egoísta), também estará cercada por um tranquilo e alegre contentamento. O homem contente, limitado e manietado embora pelas circunstâncias, faz dos próprios limites o remédio da sua inquietação. Se um jardim tem um ou três acres, ou se tem ou não tem um muro não é a questão; a questão está em que vivamos dentro dos seus limites, grandes ou pequenos, para que possamos ter um espírito tranquilo e um coração feliz.
O contentamento procede, por conseguinte, em parte, da fé, isto é, da finalidade consciente da vida e da convicção de que os sofrimentos, sejam quais forem, nos advêm da mão de um Pai Amoroso. Em segundo lugar, para haver contentamento, se torna necessário ter uma boa consciência. Sendo infeliz o nosso interior, por fracassos morais e por culpas não expiadas, nada do exterior pode, então, dar tranquilidade ao espírito. O terceiro e último requisito é a mortificação dos desejos e a limitação dos prazeres. Os maiores lutos vêm ordinariamente dos maiores amores. Pelo contentamento é realçado o prazer e suavizado o sofrimento. Mais leves se tornam os males, se forem, pacientemente, suportados: contudo, os maiores benefícios podem ser envenenados pela insatisfação. Sem o nosso contributo voluntário, já as misérias da vida são bem profundas e extensas.
O contentamento com a nossa condição terrena não é incompatível com a ânsia de perfeição. Ao pobre mais pobre o Cristianismo não recomenda que esteja apenas contente, mas «que seja diligente nos negócios».
O contentamento que se deve gozar refere-se ao momento presente. Se for pobre, hoje, um homem, a fé ordena-lhe que, nesse mesmo dia, esteja satisfeito; mas a libertação da sua pobreza pode ser-lhe vantajosa amanhã, e, por isso, o pobre trabalha por aumentar a sua prosperidade. Pode não ser bem sucedido; se a pobreza perdurar um dia mais, resigna-se e recomeça, então, até atingir o triunfo. Deste modo, o contentamento é relativo ao nosso estado presente e, em relação às exigências plenas da nossa natureza, de maneira nenhuma absoluto. Ainda que não tenha mesmo nada, o homem contente nunca é pobre. Ao passo que, por muito que tenha, o homem descontente nunca é rico.
Alegria Interior
Cada um de nós é que dá cambiantes sombrios ou luminosos ao que nos rodeia. Podemos, por um esforço criador, inundar a nossa alma de tal luz que torne esplendentes os acontecimentos que se cruzarem com o nosso caminho. Por outro lado, podemos cair num estado de depressão intima tão profunda e tão cheia de melancolia que só os mais intensos impulsos externos dos sentidos serão capazes de nos despertar da apatia.
Dizem-nos os filósofos que o prazer é uma necessidade para o homem. Aquele que integrou a sua personalidade conforme a natureza desta e orientou a sua vida para Deus, conhece o intenso e indestrutível prazer, a que os Santos chamam alegria. Nenhum acontecimento exterior pode ameaçá-lo ou perturbar a sua felicidade. Muitos, porém, procuram o prazer exteriormente, e esperam que as ocorrências da vida lhes deem a felicidade. Como ninguém pode fazer do universo escravo seu, procurar o prazer no exterior é ficar sujeito à decepção. O excesso de divertimentos fatiga-nos: uma ambição realizada torna-se em tédio: um amor, que prometeu um pleno contentamento, perde o encanto e a emoção. Jamais poderá vir do mundo a felicidade permanente. A alegria não deriva das coisas que possuímos ou das pessoas com quem privamos: ela destila da própria alma à medida que esta se entrega ao trabalho abnegado.
O segredo duma vida feliz está na moderação dos prazeres, em troca de um aumento de alegria. Mas vários usos do nosso tempo tornam isto difícil. Um deles é o sistema de comerciar que tenta aumentar os nossos desejos, a fim de comprarmos mais coisas. Acresce a isto que a psicologia de criança amimada, de que enferma o homem de hoje, lhe diz que tem o direito de conseguir tudo o que lhe apetece, e que o mundo deve a cada um o satisfazer-lhe os caprichos. Uma vez que o eu se torna o centro, ao derredor do qual tudo o mais gira, somos vulneráveis. A nossa paz pode ser destruída por uma corrente de ar que vem duma janela aberta, pela nossa incapacidade para comprar um casaco de certa pele exótica - tão rara que apenas vinte mulheres, em todo o mundo, o podem usar, pelo nosso fracasso em conseguirmos ser convidados para um almoço, ou pela nossa incapacidade de pagar mais altos impostos sobre rendimentos que qualquer outro de toda a nação. Se estiver no comando, o eu é sempre insaciável: não há favores nem honras que mitiguem a sua ânsia quer de <música mais tola, quer de vinho mais capitoso», ou dos prazeres espirituosos de jantares de homenagem de ditirambos jornalecos em tipo 72.
Os homens egocentristas consideram como desgraça a não satisfação de qualquer dos seus desejos: o mundo desses desejos querem dominá-lo, querem puxar os seus corderinhos e forçá-los a obedecer à sua vontade. Se tais desejos forem contrariados e reprimidos por outro eu, o seu senhor fica desesperado. Multiplicam-se, assim, as ocasiões de desânimo e de tristeza, porque todos nós estamos condenados a não conseguir algumas das coisas que desejamos: a nós cabe escolher se este malogro há de ser aceite de bom grado ou considerado como ultraje e afronta.
Hoje em dia, milhões de homens e mulheres pensam que a sua felicidade é destruída, se tiverem de viver sem umas tantas coisas, com as quais seus avós nem sequer sonharam. O luxo tornou-se uma necessidade para eles; e de quantas mais coisas precisar o homem para ser feliz, maiores serão as probabilidades de desilusão e desespero. O capricho tornou-se o seu senhor, a trivialidade o seu tirano; ele já não é senhor de si mesmo, mas tornou-se escravo de ouropéis.
Platão, na « República », refere-se ao homem, cuja vida é regida por caprichos e veleidades; as suas palavras foram escritas há [mais] 2.300 anos, mas ainda hoje são exatas: «Muitas vezes imaginará gostar de politica, põe-se à obra, e diz ou faz o que lhe vem à cabeça; outras vezes, concebe admiração por um general e concentra o seu interesse na guerra; ou por um homem de negócios e, imediatamente, é esta agora a sua vocação. Não conhece qualquer ordem ou exigência na vida; não atenderá a ninguém que lhe diga que certos prazeres vêm da satisfação de desejos bons e nobres, e outros de desejos maus, e que aqueles devem ser acarinhados e estimados e estes disciplinados e encadeados. A tal discurso abana a cabeça e diz que todos os desejos são semelhantes e dignos de igual atenção".
Se quisermos fruir a vida no máximo grau, devemos ordenar hierarquicamente os prazeres. As alegrias mais intensas e duradouras são disfrutadas apenas por aqueles que refreiam os seus apetites e se sujeitam a uma penosa disciplina preliminar. É do cimo dum monte que se contemplam os panoramas mais belos, mas pode ser árduo chegar lá. Nunca ninguém sentiu prazer lendo Horácio, sem primeiro se exercitar nas declinações da gramática. Apenas compreendem a felicidade plena aqueles que a si mesmos negaram alguns prazeres legítimos, a fim de mais tarde terem outras alegrias. Os homens que vivem ao sabor dos impulsos, ou se esgotam de cansaço ou tornam-se ineptos. O Salvador do mundo disse-nos que as melhores alegrias só se conquistam pela oração e pelo jejum; devemos dar, primeiro, as nossas moedas de cobre por Seu Amor, e Ele, depois, nos retribuirá em moedas de ouro, em alegria e êxtase. "
1 comments
Que texto! Torno-me repetitiva mas sou grata a Deus por sua vida e seu sim. Só nos traz preciosidades.
ResponderExcluirOlá, Paz e Bem! Que bom tê-lo por aqui! Agradeço por deixar sua partilha.