Crônicas: Quando a inteligência incomoda

by - novembro 04, 2023


O Brasil é um país com aversão à inteligência. Historicamente, o conhecimento foi, gradativamente, colocado como algo ruim e como sinônimo de "soberba". 

Uma vez conheci um africano, que ministrava aulas na mesma escola que eu. Na entrevista para aquisição de uma cadeira docente foi-lhe perguntado se na África existia qualidade de ensino, estrutura. Ele respondeu que, realmente, a estrutura não era como algumas das nossas, mas que ele teve aula com os maiores professores do Reino Unido e de Portugal. O conhecimento, genuíno, era algo extremamente valorizado por ele. Ele se orgulhava de seus professores e de si mesmo. 

Nos Estados Unidos é fácil encontrar debates, pessoas lendo, lendo muito. Qualquer coisa para ser debatida deve ser publicada, o conhecimento e a veiculação do conhecimento é algo valorizado, é um bem, é sinônimo de liberdade. 

Nos países espanos é frequente que confirmem a lista de referências, checando o que foi explicado em aula, aprofundando o conhecimento. São povos que aprenderam a valorizar o conhecimento e também a checá-lo, a verificar se aquilo é mesmo a verdade. Resultado de sua história como povo. Uma vez estava ministrando uma palestra e dentre os participantes estava uma peruana, bem, ela pediu as referências e na outra semana já havia checado todas as referências.

Já no Brasil, a pseudo pátria educadora, o conhecimento é sinal de ofensa. Estudar e veicular conhecimento é como um xingamento. Automaticamente a pessoa que estuda é vista como soberba, orgulhosa e "quer ser melhor que outros", principalmente nos meios religiosos. Sendo que o ato de compartilhar conhecimento, contribuir nos debates, veicular informação e formação é um sinal de generosidade, principalmente num país como o nosso, enorme em tamanho mas tão pouco encorajado. O resultado é um misto assombroso de desvalorização de autores, professores, discursos contra o conhecimento e o saber, apontamentos feitos no púlpito e fora dele dizendo que todos são soberbos e orgulhosos (sem nunca ter conversado com o sujeito, veja bem). "Soberbos" que compartilham o conhecimento que acumularam em anos de estudos, que coisa inusitada. 

Nenhum professor ou estudioso encontrou o que sabe na sarjeta. E nenhum deles é obrigado a dar aula e escrever de graça; se o faz é por generosidade, é por acreditar na educação e no potencial do povo, apesar do próprio povo. 

Bem, a aversão à inteligência é uma reação que possui várias origens, a principal delas é a exigência que o conhecimento gera. Veja bem, quando o conhecimento é veiculado isso muda as referências de saberes do povo, os enriquece e, portanto, os faz mais exigentes. Por outro lado também oferece novos horizontes sobre o que seria educação e conhecimento, mudando assim os pontos exigidos no âmbito pessoal, afinal é preciso ler, estudar e não somente receber a informação passivamente como se estivéssemos vivendo numa Matrix. Claro, isso não agrada; existe quem se favoreça com um povo sem conhecimento, afinal, diante de um povo sem conhecimento o professor, o padre, o político, o empresário não precisam se esforçar em seus ofícios. Ainda existe, no entanto, quem escolha não estudar e que se incomode com quem o faz. Lembrando que não falo somente do estudo oficial, mas do ato mesmo de estudar como uma vocação e não uma obrigação para cumprir a jornada da escada social rumo ao nada. 

O que fazer? 

Não há o quê fazer com quem tem aversão à inteligência, é um aspecto que o sujeito precisa cuidar, tratar e revisitar os motivos para essa reação diante de algo tão simples. Ninguém pode obrigar alguém a perguntar-se "eu não gosto de quem estuda?", "eu acho que quem estuda é soberbo?", "donde eu tirei isso?", "será que é mesmo assim?", "eu me sinto ofendido, inferior?", "mas qual a causa disso?". 






 
 

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4 comments

  1. Belíssimo texto, Ana. Obrigado mais uma vez. Ah, e não me canso de agradecer esse apostolado!

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  2. Bendito seja Deus por esse apostolado! Que Nosso Senhor a abençoe sempre.

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  3. O que incomoda mesmo é que as pessoas que estudam, de forma geral, dão-se conta que "nada sei" e passam muito tempo se auto questionando e questionando tudo que lhe é posto (ou imposto). Esse questionamento que se torna tão automático e natural é o que incomoda àqueles que se acomodaram e morrem de preguiça de pensar...

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  4. Excelente retratação da infeliz realidade brasileira. Somos taxados de Sabichoes, quadrados retrogrados e muito mais.

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Olá, Paz e Bem! Que bom tê-lo por aqui! Agradeço por deixar sua partilha.