Crônicas: O não das Prudentes

by - maio 11, 2024

Parábola das Virgens Sábias e Loucas (1886), 
por Baron Ernest Friedrich von Liphart




Neste mês estou a fazer, novamente, o Mês de Maio. Um mês que é como uma bala dada a uma criança com lágrimas nos olhos. Um mês que trás doçura a esta vivência eclesial tão cheia de espinhos e dessabores. Nossa Senhora e Nosso Senhor são as únicas coisas realmente valiosas nesta vivência eclesial que ele mesmo instituiu.

Bem, num dos dias de meditação é solicitado a leitura do texto das Virgens Prudentes. Lembra-se? O texto das lamparinas e das moças que ficaram sem óleo. Mas o que me chamou a atenção foi: as Virgens Prudentes não dividiram o seu óleo. Elas disseram "não". 

Eu confesso que fiquei um tanto chocada. Estamos tão habituados ao modo de pensamento de que a bondade é sinônimo de ser trouxa, que muitas vezes é difícil se livrar disso. Então, lá estava eu, maravilhada com o "não" daquelas moças, que simbolizam a alma prudente que se prepara para receber o Senhor.

Confesso que sou uma pessoa de poucos "sim". Tenho a sensação de que muitas pessoas, ainda que na Igreja, preservam essa visão de que o cristão é meio trouxa e acabam usando isso em seu proveito.


Por exemplo, há muitos locais que chamam para dar aula, não pagam o professor e depois colocam a aula em um curso ou em uma plataforma de membros paga (veja bem). Editoras que querem divulgação mandam livros retirados das vendas por estarem danificados, livros com erro de impressão ou com páginas faltando. Ou seja, mandam livros aos "divulgadores", que devem incentivar a compra obrigatoriamente, independentemente de terem lido ou não o livro, e gerar lucro para os editores com os livros que receberam do resto inutilizado da impressão. Grupos que fazem "convite" sem conhecer o trabalho ou ler uma linha de texto. Grupos que fazem "convite" por representatividade feminina, sem conhecer o trabalho (o que é uma falta de respeito para uma pessoa que não acredita em "representatividade", mas em competência, o que me levaria a falar dos possíveis preconceitos sobre a competência feminina, mas isso seria outro texto).

Tudo isso e muito mais acontece. Então, ler sobre esse "não" protetor, que preserva o óleo da lamparina, foi um sufrágio. Não é uma tarefa fácil se proteger da malícia das pessoas, da falta de cuidado e respeito que permanece no comportamento de muitos, mesmo após a conversão. Exige paciência e muitos "nãos".


O "não" protetor também protege quem nós somos. Talvez, se elas tivessem dado o óleo, não seriam quem são. Teriam perdido a própria identidade.

A identidade ...  a pequena luz que já me levou a dizer muitos "nãos": 
-mostrar a própria vida na internet: não 
-se expor todo o tempo: não 
-seguir as panelinhas: não
-aceitar propostas baseada em visibilidade e status: não 
-adotar os discursos correntes para pertencer: não
-puxar o saco das pessoas: não 
-acatar tudo sem pensar e refletir: não 
-fazer concessões em matérias simples e fáceis: não 

E, claro, todo não tem um custo.

Segundo os exegetas, o óleo são as boas obras. Por isso, elas mandaram que as Virgens Loucas fossem comprar o seu óleo. Pareceu-me muito oportuno refletir sobre isso, num momento (alguns anos) em que existem tantas pessoas que querem lucrar placidamente e descaradamente em cima dos esforços das obras de outras pessoas. Eu me pergunto se elas não notam mesmo que isso é errado...

Bem, quanto a mim, adotei o "não" das Prudentes e a postura de sonhar com um meio católico em que o trabalho das pessoas é realmente valorizado, que os professores recebam a justa paga de suas aulas, que os escritores recebam a justa paga e em dia, que os coordenadores busquem conhecer o trabalho e o talento das pessoas e as escalem por sua competência em um assunto, que as pessoas não sejam usadas como tapa-buraco ou algo similar. Enfim, que a conduta cristã seja melhor que a do pagão.


Um sonho que vale vários "nãos".

 






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