O que é Estética ?

by - maio 06, 2024

            Artista desconhecido, Vitória de Samotrácia ou Nice de Samotrácia, século II a.C, período helenístico (mesma época da ação militar judaica realizada pelos Macabeus no livro bíblico de mesmo nome, estudo disponível aqui)



por aLEXANDRE WESTENBERG

Notas: Ana paula barros


É uma característica notória da filosofia que qualquer tentativa de defini-la levante mais perguntas do que respostas: se isso é verdade para a filosofia de forma mais ampla, talvez seja ainda mais verdadeiro para esse ramo conhecido como estética. Embora em alguns aspectos seja uma disciplina moderna, com raízes na filosofia europeia do século XVIII, não foi um trabalho isolado, mas um resultado de trabalhos realizados em muitos séculos anteriores. Além disso, verificamos a longa tradição do trabalho estético na China e no Japão. Finalmente, embora a estética seja frequentemente tomada como uma área que se preocupa somente com obras de arte, isso está em desacordo com grande parte da estética histórica.

Nota 1: O Belo possui três acepções: a estética, a moral e a espiritual. A acepção estética vem da sua qualidade de pureza, que é constatada pela harmonia da forma. A acepção moral vem da percepção de que a beleza é o patrimônio das almas equilibradas, que conseguem manter-se em perfeita harmonia consigo mesmas. A acepção espiritual se refere à característica do Belo de levar à Verdade.

As artes estão no conjunto do Belo Estético, a beleza da alma no conjunto do Belo Moral e a Verdade está no conjunto da Beleza Espiritual. Por isso, uma obra de arte é bela quando está subordinada ao Belo Moral e Espiritual. Assim também a beleza corporal física humana. Já a fonte das três acepções do Belo é a Beleza Divina, da qual somos adoradores e, espantosamente, espelhos. Somos belos conforme nos fazemos mais semelhantes à Beleza Divina. Este esforço virtuoso está na categoria de Beleza Moral; as virtudes são a riqueza da alma e o Belo Moral é o patrimônio das almas equilibradas.


A questão, portanto, não é fácil. Diante de tal dilema, talvez seja melhor começar etimologicamente: o que significa a palavra “estética” por si só e de onde vem? Embora tenha sido usada pela primeira vez na obra do filósofo alemão Alexander Baumgarten ([1735] 1954), a palavra é de origem grega, a partir da palavra αἰσθητικός (aisthetikos: Liddell & Short 1940), que se refere à percepção e experiência dos sentidos. Nesse entendimento, o estudo da estética é o estudo de algo sentido, em uma compreensão ampla dessa palavra, e não de algo imaginado ou raciocinado. Ou seja, o objeto de estudo em estética deve ser, pelo menos em parte, sensorial. É claro que se pode pensar que isso é verdade para a ciência, mas a diferença é crucial: a ciência é o estudo do mundo material em si, enquanto a estética – em seu sentido mais fundamental – é sobre a experiência das coisas nesse mundo. Em particular, a estética diz respeito ao seu nível de agradabilidade, como ao perguntar se uma determinada experiência é agradável ou não.


Nota 2:

Ao considerar este “algo sentido”, podemos relembrar que:
  • Nós possuímos 5 sentidos externos: visão, audição, olfato, paladar, tato. E 4 sentidos internos: sentido comum, imaginação, memória sensitiva, estimativa (no animal) ou cogitativa (no homem). Os sentidos são limitados, já a inteligência não; nós podemos atingir o inteligível por excelência, mesmo que não completamente.
  • Cada sentido externo possui um objeto sensível próprio: visão - cor, audição - som, olfato - odor, paladar - sabor, tato - resistência.
  • O sentido comum percebe as sensações recebidas por cada sentido externo e as distingue, diferencia.
  • A imaginação recebe as percepções do sentido comum e as retém, transformando a sensação em percepção. A imaginação combina o que recebeu do exterior.
  • A estimativa ou cogitativa detecta o nocivo e o inconveniente.
  • A memória sensitiva conhece o passado como passado.

Neste ponto, começamos a chegar não apenas a uma definição funcional de estética, mas também a uma afirmação de suas questões mais importantes. Nossa definição, então, pode ser esta: a estética é um sub-ramo da filosofia que examina questões da agradabilidade de nossas experiências em relação às coisas do mundo (onde a agradabilidade é tomada em um sentido amplo para incluir, por exemplo, o prazer intelectual de ser desafiado ou confrontado). Isso ainda é bastante geral, mas nos dá uma estrutura a partir da qual podemos construir uma compreensão mais profunda; embora, como sugerido no início, qualquer esperança de reduzi-lo poderá ser inútil. Certamente, o benefício imediato dessa definição é que ela destaca muito bem uma tensão que reside no cerne de todo trabalho estético: a tensão entre experiências pessoais, subjetivas e experiências mais universais e objetivas. Se colocarmos todas as experiências em um espectro, aquelas no extremo subjetivo, como um prazer pessoal de nadar ou comer aipo, são claramente experiências únicas para um indivíduo em particular: embora, é claro, muitas pessoas gostem de nadar (e, aparentemente, de aipo), não esperamos que mais ninguém compartilhe desse prazer. No outro extremo do espectro, encontramos experiências objetivas, que são tão universais que se aplicam à humanidade em geral – experiências como fome, sede, riso, atração física, cansaço, dor física, a experiência da cor, a experiência de sentir a água na pele enquanto nada, e assim por diante. Experiências objetivas não se preocupam com prazer. Embora possamos achar a experiência de nadar (por exemplo) agradável ou não, as experiências que compõem o conceito geral de natação, como a experiência de sentir a água na pele, não são em si experiências de prazer, e por isso estão fora da disciplina da estética. Mas também as experiências subjetivas; embora um gosto ou desgosto pessoal de comer aipo, por exemplo, certamente tenha a ver com agradabilidade, tem a ver com agradabilidade para você e mais ninguém. Certamente, pode-se perguntar se há algo que una todas as pessoas que gostam de desfrutar de aipo, mas se a resposta é física, então é uma questão para a física, e se mental, para a psicologia.


                             William Turner, Erupção do Versúvio,1817. Tema retratado no livro Os últimos dias de Pompéia de Lord Lyon (aqui)


Se eliminarmos as experiências em ambos os extremos, encontramos entre certas experiências que mantêm tensão entre subjetivo e objetivo, pessoal e universal: experiências como ouvir uma canção, uma sinfonia ou o som das ondas; olhar para um belo pôr do sol, uma pintura de Turner ou Tensho Shubun, uma escultura... ler um romance ou um poema. O que é interessante sobre essas experiências é que elas são, sem dúvida, pessoais e, no entanto, ao contrário do caso de gostar de aipo, esperamos que essas experiências sejam universais, compartilhadas por outros. Ao contrário de comer aipo, que é agradável ou não, essas outras experiências envolvem uma espécie de julgamento, como "isso é lindo", tornando-o muito mais próximo de uma experiência objetiva como "isso é amarelo". E, assim como esperamos que os outros concordem que um objeto amarelo realmente é amarelo, e achem suas percepções erradas ou defeituosas se discordarem, também com experiências como olhar para uma bela escultura como a Vitória Alada de Samotrácia, esperamos que os outros concordem que é bonito – na verdade, às vezes esperamos que eles concordem, mesmo que não gostem, permitindo uma tensão entre dizer "este é um bom livro, mas eu pessoalmente não gosto dele". E, no entanto, ao mesmo tempo, essas experiências permanecem profundamente pessoais, subjetivas. E assim ouvimos e usamos frases como "esta peça fala comigo sobre...". São esses tipos de experiências que são o foco central da estética, e por isso chamamos essas experiências de "experiências estéticas". Essa tensão entre o pessoal e o universal, portanto, é o princípio condutor do estudo da estética.

Nota 3:

- "As coisas são belas, portanto, na medida em que participam da Beleza transcendente, que não nasce e nem morre... É uma espécie de ardil com que o Bem capta a atenção da alma para arrebatá-la da servidão do corpo.
O Amor servindo-se do Bem, acende na alma humana o desejo de imortalidade, fazendo-a passar do conhecimento dos belos corpos ao das belas ações, das belas almas aos belos conceitos, até que, no pináculo da contemplação, revela-se-lhe o oceano da beleza universal...
Se as coisas belas se parecem com a alma, é na própria alma que a beleza melhor se revela. Será preciso então fechar os olhos do corpo para abrir a visão interior... Interiorizando a beleza."

- William Turner foi um pintor, músico, gravurista e aquarelista romântico inglês. Ele é conhecido por suas colorações expressivas, paisagens imaginativas e pinturas marinhas turbulentas, muitas vezes violentas.
- Tensho Shubun foi um monge japonês.
-A Vitória de Samotrácia, também conhecida como Nice de Samotrácia, é uma escultura que representa a deusa grega Nice, cujos pedaços foram descobertos em 1863. Ocupa lugar de destaque numa escadaria do Museu do Louvre, em Paris. Foi inspiração para o nome da marca Nike.


                              Shubun, Reading in a Bambo Grove em detalhe, 1446.

Se a estética se preocupa com experiências como essas, restringi-la a qualquer tipo de experiência ou a uma produção moderna é injustificável, até ridículo. Assim, embora grande parte do trabalho feito pelos esteticistas contemporâneos tenha suas raízes apenas nos últimos séculos, o mundo antigo não era estranho à estética. Platão (428/427–348/347 a.C.) pensava que o impacto que a experiência da arte poderia ter sobre as pessoas era tão poderoso que era perigoso, e que a arte não tinha nada a oferecer à filosofia, uma vez que apenas imita a realidade, enquanto a filosofia busca a realidade verdadeira ([380 a.C.] 1974, bk. X, 595a–605c). Assim, a arte é uma forma de engano, por assim dizer. Em contraste com isso, o filósofo epicurista Philodemus (c. 110-30 a.C.) escreveu uma obra dedicada a examinar a importância filosófica do corpus homérico (ver Asmis 1991), e Agostinho (354-430 d.C.) ([386-87] 2007) afirmou que o estudo da poesia foi um importante passo introdutório à filosofia (2007). Na China, Confúcio (551-479 a.C.) compartilhava a suspeita de Platão sobre a arte, mas valorizava a apreciação da beleza pelas sensibilidades do eu e por suas qualidades morais (1938), enquanto seu contemporâneo na Índia, Bharata, ensinou uma teoria da rasa como o fim das artes, um conceito não muito diferente da noção aristotélica de catarse (1950-1961; ver Gerow 2002).

Essa breve visão geral dos tipos de experiências que chamamos de estética, no entanto, levanta outra questão que muitas vezes é negligenciada. Simplificando, sugere que a restrição usual da estética às obras de arte e aos fenômenos naturais é incompleta. Afinal, não é incomum que uma equação matemática seja chamada de "bela", ou que conceitos e termos estéticos sejam usados em contextos como interações sociais, manobras militares e até política.


Nota 4:
O conceito de catarse é retratado na obra “ Arte Poética ”, representava a purificação das almas.












sobre arte, educação estética e patrimônio cultural





Referências:

Tradução do livro parcial: What is Aesthetics? in Introduction to Philosophy: Aesthetic Theory and Practice Copyright © 2021 by Yuriko Saito; Ruth Sonderegger; Ines Kleesattel; Elizabeth Burns Coleman; Elizabeth Scarbrough; Matteo Ravasio; Xiao Ouyang; Richard Hudson-Miles; Andrew Broadey; Pierre Fasula; Alexander Westenberg; Matthew Sharpe; Valery Vino (Book Editor); and Christina Hendricks (Series Editor) is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License, except where otherwise noted.


NUNES, B. Introdução à Filosofia da Arte. São Paulo: Edições Loyola, 2016. 116 p.
Disponível em: https://amzn.to/43xVApb.




















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