POR ALEXANDRE WESTENBERG
NOTAS: ANA PAULA BARROS
A Estética como disciplina tem suas origens em grande parte na Europa do século XVIII (período do neoclassicismo, barroco, rococó) e por isso uma breve visão geral dessa linhagem na filosofia não será deslocada. A discussão aqui não pretende ser um esboço histórico exaustivo, mas uma demonstração das questões centrais da estética ao longo dos últimos trezentos anos. Isso dará o impulso para uma discussão da estética como o estudo da beleza.
Segundo Paul Guyer (2005, p. 25), o nome estética não era utilizado até 1735, quando Alexander Gottlieb Baumgarten, de vinte e um anos, em sua dissertação "Meditações filosóficas sobre alguns assuntos relativos à poesia", introduziu o termo para designar "a ciência para dirigir a faculdade inferior da cognição ou a ciência de como algo deve ser sensivelmente reconhecido".
Nota 1: é interessante notar o poder de uma dissertação, um trabalho acadêmico despretensioso de um jovem estudante do assunto, também é interessante notar a ligação entre a definição do jovem Baumgarten e a posição de Platão sobre o processo de maravilhamento. Tal processo, iniciado na aporia, termina com a purificação das afeições, que trata tanto de despir-se de falsas convicções como de dirigir os sentidos, que o jovem autor chama de "faculdade inferior da cognição". Esta capacidade de direção seria a ciência da estética. Ciência, por sua vez, é raciocínio, portanto, é mais que técnica (arte de fazer). Ciência é passar do conhecer por conhecer para a depuração da técnica pela inteligência (por isso a definição não está longe da percepção platônica do maravilhamento, não é, portanto, tão inovadora).
Ao trabalho de Baumgarten acrescentamos o trabalho do Conde de Shaftesbury (Characteristiks of Men, Manners, Opinions, Times, 1711), e seus dois seguidores Joseph Addison ("The Pleasures of the Imagination" in The Spectator, 1712) e Frances Hutcheson (An Inquiry into the Original of our Ideas of Beauty and Virtue, 1725), na Grã-Bretanha, e o trabalho de Jean-Baptiste Du Bos (Critical Reflections on Poetry, Painting, and Music, 1719) na França. Shaftesbury (1671-1713) fez a importante distinção, ainda mantida hoje, entre desfrutar de algo pelo benefício que ele traz – seja físico, mental, emocional ou qualquer outro tipo de benefício – e desfrutar de algo por si mesmo, simplesmente porque é digno de ser desfrutado ([1711] 1999, 318-319).
A resposta de Shaftesbury à questão fundamental da estética – como é que nossa experiência é subjetiva e, no entanto, em certo sentido, objetiva e universal – afirmava, de forma bastante platônica, que a beleza do mundo natural e as obras criadas da humanidade levam a mente "mais alta", a uma apreciação da beleza da totalidade da criação, e, finalmente, ao seu criador, a fonte de toda a beleza (Shaftesbury [1711] 1999, 322ss). Isso explica como é que fazemos julgamentos estéticos, já que temos um padrão objetivo de beleza ao qual podemos nos referir, embora só possamos vir a conhecer esse padrão através de nossa experiência de suas instanciações, abrindo assim o caminho para uma necessidade de refinamento. David Hume, embora tenha descartado a noção de um criador de beleza e, em vez disso, argumentado que nos movemos com a imaginação para um reconhecimento de alguma forma de utilidade – real ou não ([1739-40] 2009, 463-470) – entendeu a necessidade de algum tipo de padrão para explicar nosso uso de julgamentos estéticos, e assim introduziu a ideia de um crítico ideal cujos sentidos eram perfeitamente refinados para a recepção de experiências estéticas (Hume [1757] 2000).
Nota 2: a estética é atualmente definida como " aquilo que agrada aos olhos", no entanto, cabe a reflexão, um tanto simples, de que os olhos não andam por aí sem uma mente, que por sua vez, possuí uma bagagem boa ou ruim quanto as referências de beleza. Desta forma o que agrada aos olhos pode ser facilmente algo que corrompe a alma e a mente. Por isso, o Criador da beleza se torna o ponto final e ao mesmo tempo o moderador da apreciação das belezas. Separar estas duas instancias, reduzindo a beleza aos padrões de imagem e aparência de uma época, às modas, é criar um outro moderador, imperfeito e muitas vezes equivocado por seus apegos mais baixos. Na história da arte e da aparência o Criador foi substituído pelo critico de arte ou pelo padrão estético. Vale salientar que "padrões estéticos" são assumidos para arquitetura de prédios à arquitetura de corpos.
Outra importante distinção influente do século XVIII foi feita pelo filósofo e estadista britânico, Edmund Burke (1729-1797), que distinguiu entre o belo e o sublime. Para Burke ([1757] 2005), a beleza é uma qualidade social, "onde mulheres e homens, e não apenas eles, mas quando outros animais nos dão uma sensação de alegria e prazer em contemplá-los (e há muitos que o fazem), eles nos inspiram com sentimentos de ternura e afeto para com suas pessoas" (parte 1, sec. 10). O sublime, por outro lado, é a experiência mais profunda, "a emoção mais forte da qual a mente é capaz de sentir" (parte 1, sec. 7). O sublime é orientado para o que está além de nossa compreensão, enquanto o belo, para Burke, não tem fim aparente. Assim, por exemplo, se, ao ouvir "If Love's a Sweet Passion", de Henry Purcell, alguém for movido a uma onda de emoção, até mesmo às lágrimas, Burke consideraria isso uma experiência sublime, por causa de seu poder de evocar emoções fortes e apaixonadas. O que é notável nessa distinção é que o conceito de sublime de Burke permite que experiências estéticas "negativas", como a experiência da obra de realidade virtual "Real Violence", de Jordan Wolfson, sejam consideradas sublimes e, portanto, avaliadas positivamente. Tal obra de arte é capaz de induzir "as emoções mais fortes" que, para Burke, podem nos levar além da obra para algo maior, e, portanto, a experiência dela é sublime.
Nota 3: a distinção entre belo e sublime de Burke, encanta num primeiro momento, no entanto, depois de duas ou três respirações vemos que é fonte de uma série sucessiva e exaustiva de confusões. Primeiro: ele diz que o belo é aparente, logo, no percurso da história abraçamos que o belo é a aparência, a aparência que causa agrado e um bem querer. Segundo: o sublime foi atrelado aos rompantes de emoção. Nenhum dos dois tem relação com a natureza da obra, a elevação da mente e da alma, mas ao querer bem e emocionar-se, isto é em si a própria elevação para algo maior, um portal. O belo saiu do território da direção do sentido para o afago dos sentidos (belo) ou a comoção dos sentidos (sublime). Para almas mais emotivas é uma definição que merece a honra do acolhimento, mas se pensarmos num sentido de educação estética, verdadeira e cristã, é um belo problema que o sr. Burke nos entrega, afinal a experiência do Belo (Deus) se ligaria ao sublime, nesta experiência seria necessária a comoção dos sentidos, sem ela não entraríamos no sublime. Ora, mas isso pode acontecer ou não, muitas vezes acontece justamente o oposto, um direcionamento dos sentidos, num silenciamento moderado. Desta forma, em última análise, o sr. Burke retira Deus da ala do sublime, para algumas experiências, já que existe uma dose alta de vivencia pessoal neste autor. Já o território do belo, ligado ao aparente, a aparência, tem a função de ser agradável. Portanto, a visão atual de beleza (mesmo nos meios católicos) é burkiana. Na instancia do belo, Deus também não se encaixa, afinal Ele mesmo e os atributos da alma bela não são aparentes, são invisíveis. O terceiro ponto problemático da estética burkiana é atrelar a existência do belo a existência de emoções, propriamente. Jane Austen (viveu no fim do século 18 e 19) faz, reiteradamente e com razão, críticas a esta visão em seus livros, já que as emoções são volúveis (hoje sentimos uma coisa e amanhã outra e semana que vem nada). Se a percepção do belo está unicamente ligado às emoções, e as toma como juíza suprema, o belo passa a ser o volúvel. A beleza se torna mutável. Ou seja, oscilamos entre a visão acachapante de padrão estético e a mutabilidade do volúvel, baseada no gosto. Veja quão longe estamos de Platão e Socrátes e, vale lembrar, ainda mais, de Jesus Cristo.
Provavelmente a obra filosófica mais importante sobre estética no século XVIII, no entanto, foi escrita pelo filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), ou seja, a Crítica do Juízo (1790). Como fica evidente pelo título de sua obra, Kant tomou a questão do julgamento estético como primordial, tornando-a o foco da primeira metade de seu livro. Uma discussão completa da obra de Kant está fora do escopo deste capítulo, mas alguns pontos merecem menção.
Em primeiro lugar, a formulação da faculdade do juízo por Kant é influenciada pelas de Shaftesbury e Hume, tendo como característica mais conhecida o desinteresse pelo objeto do juízo. O que isso significa é que o observador, a pessoa que tem a experiência estética, não tem interesses instalados na coisa vivida e, portanto, o julgamento está fora de qualquer benefício para eles (Kant [1790] 2015, sec. 2).
Kant manteve a distinção de Burke entre o belo e o sublime, mas a modificou de uma maneira que une fios de Shaftesbury também. Para Kant, a beleza está presente quando discernimos a inteligibilidade do que experimentamos sem qualquer propósito final aparente. Assim, a beleza está presente, para Kant, em um paradoxo de ser intencional – isto é, parecer ter sido de alguma forma projetada – e estar sem um propósito aparente real. Como exemplo, quando olhamos para uma flor que chamamos de bela, sua beleza parece ter um propósito. E, no entanto, nenhum propósito específico é aparente, nenhum conceito claro de "para que serve essa beleza". Da mesma forma com um pôr do sol, podemos nos maravilhar com sua beleza e senti-la como proposital, mas não há um propósito claro e definido – afinal, que propósito poderia ter a beleza de um pôr do sol? O sublime, por outro lado, entra em jogo quando nos colocamos diante de algo tão verdadeiramente inspirador que rejeita todas as tentativas de compreensão, e simplesmente permanecemos em sua presença, por assim dizer (Kant [1790] 2015, sec. 23-29). O poeta e cantor e compositor judeu americano, Leonard Cohen, expressou isso muito bem ao explicar o sentimento de sua canção mais famosa, Hallelujah:
Este mundo está cheio de conflitos e coisas que não podem ser reconciliadas, mas há momentos em que podemos transcender os ... e reconciliar. … Por mais impossível que a situação [pareça], tem um momento que você abre a boca, abre os braços e abraça a bagunça toda... e você apenas diz "Aleluia! Bendito o nome". (Cohen, 1988)
Nota 4: é interessante notar como é quase impossível explicar o belo sem recorrer ao Belo, em algum momento. Em Kant vemos a dificuldade de falar de beleza sem Deus como referência ou ponto final. O "belo aparência" de Burke se torna o belo inútil de Kant (apontado por Oscar Wilde no prefácio do livro Retrato de Dorian Gray). Esta inutilidade abre um caminho com nuances boas e más. A beleza passa para o território do prazer, enquanto antes pertencia ao terreno do etéreo, um dom divino e transcendente, portanto, nada inútil. Este prazer poderia ser, olhando pelo lado bom, um portal. O "sublime emotivo" de Burke dá lugar ao "sublime sem resposta" de Kant. O autor sem encontrar uma forma de explicar o "sublime de Kant" recorre a uma experiência religiosa. É nítido o fracasso da beleza sem a real referência. A frase "a beleza é inútil" tem uma raiz moderna kantiana e, novamente, nos coloca muito distantes de Sócrates e Platão sobre a beleza como atributo da alma moralmente bela, um dom divino, um portal para o mundo das ideias. Tudo é simplesmente aparência inútil, que agrada e dá prazer (novamente, isto se desenrola tanto nas artes, na arquitetura de prédios e corpos). O belo deixou seu lugar de portal para o Belo, para se tornar "prisioneiro do pessimismo de Salomão", na constatação de que tudo é vão, inútil. No entanto, ainda é um portal racional (embora tímido), um resgate, de certa forma, da visão de Burke.
A percepção kantiana do belo esta ligada a ver valor, o que nos leva, novamente, a reflexão sobre a bagagem que cada pessoa possuí sobre o que é valioso e a ligação disto com o maravilhamento socrático - platônico.
Para Cohen, a canção era sobre reconhecer que há algumas coisas em nosso mundo que são tão grandes que estão além de nós, e quando vislumbramos esse quadro maior, mesmo que pouco, nossa resposta é gritar, nas palavras de Cohen: "Aleluia!" A formulação de Cohen é particularmente apropriada porque, para Kant (como para Shaftesbury), é através de experiências estéticas como essas que conhecemos a fonte última da beleza ou da sublimidade.
Kant responde à tensão entre o pessoal e o universal nas experiências estéticas ligando a experiência do estético com a natureza fundamental dos seres racionais (Kant [1790] 2015, sec. 5). Para Kant, é intrínseco e único à racionalidade poder ver as coisas como valiosas em si mesmas – é, de fato, a base de sua teoria da moralidade na Crítica da Razão Prática. Essa habilidade, no entanto, pode ser usada de duas maneiras: pragmaticamente ou o que chamarei de "esteticamente". No primeiro, só usamos essa habilidade no que diz respeito ao raciocínio puramente prático (especialmente moral) e, portanto, a capacidade de ver algo como intrinsecamente valioso é em si mesma uma habilidade puramente pragmática. Como exemplo, imagine que alguém venha até você querendo financiamento para uma pré-escola de música. Você poderia raciocinar para si mesmo que a música é intrinsecamente valiosa e, portanto, vale o ônus financeiro de financiar a escola, e isso seria um processo de pensamento justo. Mas observe neste exemplo que a capacidade de ver algo como intrinsecamente valioso está sujeita à questão maior e prática de "devo financiar esta pré-escola de música?" Esse uso do valor intrínseco como ferramenta de raciocínio é ainda mais comum no raciocínio moral, onde se pode raciocinar que é errado ferir um animal porque a própria vida é intrinsecamente valiosa e, portanto, vale a pena proteger. Observe novamente que há um "e, portanto, x ação deve ser feita". Claramente, a capacidade de ver algo como valioso em si pode se tornar uma habilidade puramente pragmática, isto é, uma habilidade útil, mas não intrinsecamente valiosa. Isso ocorre porque se usarmos apenas nossa capacidade de ver as coisas como valiosas em si mesmas para nos ajudar a tomar decisões, então essencialmente estamos tratando essa habilidade apenas como uma ferramenta a ser usada para melhorar nossa tomada de decisão sobre o que fazer ou não fazer. Assim como nossa capacidade de ver o espaço (ou seja, nossa capacidade de percepção de profundidade) é uma ferramenta que nos ajuda a nos mover pelo mundo físico, também nossa capacidade de ver as coisas como valiosas em si mesmas é, se usada exclusivamente para raciocínio prático e moral, simplesmente uma ferramenta para nos ajudar a nos mover pelo mundo moral.
Nesses exemplos de "valoração intrínseca pragmática", embora a abordagem possa ser exclusivamente racional, ela ainda é prática; mas se colocarmos todos os pensamentos práticos de lado, e observarmos algo em seu valor intrínseco ... uma forma de liberdade para o ser racional, na qual a racionalidade não está vinculada pela necessidade de escolher ou deliberar, mas pode puramente experimentar o valor de algo simplesmente porque é valioso. Assim, para Kant, a estética torna-se a atividade mais singularmente pessoal – mesmo a mais singularmente humana –, uma vez que é função e expressão da racionalidade experimentar esteticamente.
Esses temas da estética do século 18 desenham essa tensão no coração da estética, a tensão entre o pessoal e o universal. Em particular, a noção de Kant da experiência estética como única, mesmo suprema e racional desenha essa mesma tensão. Faz isso destacando o elemento exclusivamente racional – que é, é claro, universalmente humano – e o elemento exclusivamente pessoal de estar na presença da fonte dessa experiência, juntamente com seu papel como instigador de uma jornada pessoal da coisa bela ou sublime para a beleza e a sublimidade como tal. Embora, para Kant, tais experiências tenham sido em grande parte (embora não exclusivamente) encontradas no mundo natural, a causa – isto é, se o objeto da experiência estética é natural ou criado pela humanidade – não é importante para nossa discussão. O que é importante é a conexão entre a disciplina do século 18 e essa tensão fundamental. Assim, pode-se realmente dizer que a estética é uma disciplina do século 18, pois é aqui que encontramos a abordagem mais influente para essa tensão que está em seu coração (universal e pessoal).
Nota 4: o século 18 conta com a influencia iluminista, nas artes o juízo passa a ser feito pela sensibilidade, gosto e prazer. Pouco a pouco a cidade prevalece sobre o campo, as ideias inovadoras estavam em alta. Os artistas focaram no retorno à natureza dentro dos moldes da sensibilidade, gosto e prazer. Entre os franceses: Jean Antoine WATTEAU (1684-1721), Jean-Baptiste Siméon CHARDIN (1699-1779); François BOUCHER (1703-1770) e Jean-Honoré FRAGONARD (1732-1806) se dedicaram à pintura ora intimista ora festiva, em que a atmosfera era peculiarmente erótica, bem ao gosto da sociedade francesa da época. As pinturas do Rococó na França do século XVIII remetem ao prazer e aos caprichos da sociedade. Já os ingleses, que ainda possuíam um grande contato com o campo, tomaram um outro caminho, se aperfeiçoando em retratos e paisagem, como: William HOGARTH (1697-1764), Sir Joshua REYNOLDS (1723-1792), Thomas GAINSBOROUGH (1727-1788), Allan RAMSAY (1713-1784), George ROMNEY (1734-1802) e Francis HAYMAN (1708-1776).
Referências:
Tradução do livro parcial: What is Aesthetics? in Introduction to Philosophy: Aesthetic Theory and Practice Copyright © 2021 by Yuriko Saito; Ruth Sonderegger; Ines Kleesattel; Elizabeth Burns Coleman; Elizabeth Scarbrough; Matteo Ravasio; Xiao Ouyang; Richard Hudson-Miles; Andrew Broadey; Pierre Fasula; Alexander Westenberg; Matthew Sharpe; Valery Vino (Book Editor); and Christina Hendricks (Series Editor) is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License, except where otherwise noted.