Sedes Sapientiae: A Virgem Maria e a Dedicação ao Estudo e à Educação

by - setembro 09, 2024


A Anunciação. Fra Angelico, 1400-1455







Introdução


Preservar tradições não é um objetivo simples, tampouco fácil. Numa época desprovida de memória, veloz e sem grande empenho para o aprimoramento da recordação, não surpreende que tenhamos perdido muitas tradições, abraçado pensamentos conturbados e nos entregado, sem reservas ou acanhamento, à mentalidade limitante da humanidade após o pecado original. Após a queda, relembremos o Sagrado Ensino Católico: a humanidade perdeu a inteligência infusa, a primazia da razão sobre as paixões, a imunidade e a imortalidade do corpo. Ou seja, sabíamos as coisas sem estudar, não éramos arrastados por paixões ou vícios, o corpo não adoecia e tampouco morria. A humanidade foi concebida neste molde que a todos causa saudade, conhecida ou desconhecida. Mas, após a queda, temos que estudar para aprender, precisamos de alguém que nos ensine, além de aprender a controlar as paixões e as falhas de temperamento, e conviver com o processo de declínio do corpo, alimentando a santa virtude da esperança no Reino Eterno do Senhor. Estes remédios amenizam as enormes feridas da queda no Éden.

Interessantemente, a Santíssima Virgem, nascida sem pecado original e, portanto, segundo o Ensino Católico, sem nenhuma dessas feridas, é retratada desde a antiguidade fazendo duas coisas: estudando e adorando. A maior parte das obras de arte apresenta uma Anunciação Angélica dada a uma Virgem que está a estudar. Uma mente mais moderna, cercada, portanto, de muitos preconceitos, poderá acreditar que se trata de uma “representação”, figurando, portanto, a promessa do Messias nas Escrituras, não se tratando de algo feito cotidianamente. Por outro lado, uma mente mais tradicional perguntar-se-á: será? Será mesmo que é somente representativo? E se for, figura e remete somente a um objeto?

Numa tentativa de oferecer um panorama sobre estes questionamentos, realizei este pequeno estudo, uma curadoria de arte e conteúdo. Espero que possa ajudá-los no meu maior objetivo: evidenciar que a Tradição não se refere a seguir padrões, como pensam os mais progressistas, tampouco em enaltecer um clubismo masculino, como tendem os mais tradicionais; mas em mostrar que, segundo a Ordem Divina, somos igualmente capazes e dedicados à Sabedoria.

Espero que isso diminua distâncias, remedie excessos, gere respeito genuíno dos homens para com as mulheres em trato e reconhecimento, melhore a capacidade de ambos de conviverem com seus talentos e saberes para a maior glória de Deus e benefício de todos. Que isso os motive a estudar para desembotar a mente, fortalecer o intelecto e promover uma interação social ou individual - principalmente nos meios cristãos - afastada do polemismo, do populismo e do famosismo, priorizando talentos, habilidades e dons mutuamente; como ensina a nossa Santa Tradição, nossos Patriarcas, Doutores e Santos, em prol de uma conduta e vida santa.



“É principalmente por dois instrumentos que alguém adquire o conhecimento: a leitura e a meditação.” (HUGO DE SÃO VÍTOR, Didascalicon).


Virgem da Anunciação. Antonello da Messina, 1476





A Virgem Maria como Virgem do Templo: Evidências Históricas e Tradições


Embora não haja evidências históricas concretas que comprovem que a Ss. Virgem Maria foi uma virgem do templo, a tradição e os escritos apócrifos, como o Protoevangelho de Tiago, influenciaram muitos teólogos e santos ao longo dos séculos.

Protoevangelho de Tiago: Este texto apócrifo, datado do século II, menciona que a Ss. Virgem Maria foi consagrada ao serviço do Templo de Jerusalém por seus pais, São Joaquim e Santa Ana, quando tinha três anos de idade. “Então a mulher que descia a montanha me perguntou: ‘Onde vais?’ Respondi: ‘Procuro por uma parteira hebréia’. Ela disse: ‘Sois de Israel?’ Respondi: ‘Sim’. Então ela disse: ‘Quem está dando à luz na caverna?’ Disse-lhe: ‘Minha esposa’. Ela replicou: ‘Mas não é tua mulher?’ Respondi-lhe: ‘É Maria: aquela que foi criada no Templo do Senhor. De fato, foi-me dada por mulher, mas não o é, e agora concebe por obra do Espírito Santo” (PROTOEVANGELHO DE TIAGO, s.d.).


Historiadores e Teólogos Católicos: A obra “Mariologia”, organizada pelo Pe. Juniper B. Carol, é uma referência importante para o estudo da vida da Ss. Virgem Maria. Este trabalho reúne estudos de vários especialistas sobre diversos aspectos da mariologia, incluindo a virgindade da Ss. Senhora e sua possível ligação com o Templo de Jerusalém (CAROL, 1964).

Enciclopédia Judaica: Embora não mencione diretamente a Ss. Virgem Maria como uma virgem do templo, fornece contexto sobre as práticas e funções das mulheres que serviam no Templo de Jerusalém. “As mulheres que serviam no templo eram instruídas nas leis e tradições judaicas, garantindo que pudessem desempenhar suas funções sagradas de maneira adequada” (ENCICLOPÉDIA JUDAICA, s.d.).



O Ensino da Torá pelas Virgens do Templo de Jerusalém



Flávio Josefo, em sua obra “Antiguidades Judaicas”, menciona que “as mulheres no templo eram responsáveis por ensinar a Torá e outras disciplinas religiosas às crianças e a outras mulheres da comunidade” (JOSEFO, s.d.). Esse papel educativo era fundamental para a preservação e transmissão das tradições judaicas.

Além do estudo da Torá, as virgens também ensinavam outras disciplinas relacionadas à vida religiosa e prática judaica. Elas dedicavam várias horas diárias ao ensino e à preparação para suas aulas. De acordo com a Enciclopédia Judaica, “as virgens do templo passavam cerca de quatro a seis horas diárias estudando e ensinando a Torá e outras escrituras sagradas” (ENCICLOPÉDIA JUDAICA, s.d.). Esse tempo era dividido entre sessões de leitura, discussão e meditação sobre os textos.

A História dos Hebreus também destaca a importância do papel educativo das virgens do templo. Segundo o texto, “as virgens eram vistas como guardiãs do conhecimento religioso, e seu ensino era altamente valorizado pela comunidade” (HISTÓRIA DOS HEBREUS, s.d.). Esse reconhecimento reforça a importância de seu papel na educação e na manutenção das tradições religiosas.



A Senhora Lendo. Giorgiane (b. 1477, Castelfranco, d. 1510, Venezia)





Virgens do Templo de Jerusalém Famosas por Sua Sabedoria

Textos históricos e religiosos mencionam várias dessas mulheres, destacando suas contribuições para a educação e a preservação das tradições judaicas. Algumas se tornaram notáveis por sua sabedoria e capacidade de ensino.

Flávio Josefo, em sua obra “Antiguidades Judaicas”, destaca a figura de Miriam, uma virgem do templo conhecida por sua profunda compreensão das escrituras e sua habilidade em transmitir esse conhecimento. Josefo escreve: “Miriam era uma mulher de grande sabedoria, cujos ensinamentos eram procurados por muitos” (JOSEFO, s.d.).

Outro exemplo é encontrado na História dos Hebreus, que menciona a virgem Judith. Segundo o texto, “Judith era conhecida por sua habilidade em interpretar a Torá e por sua dedicação ao ensino das leis judaicas” (HISTÓRIA DOS HEBREUS, s.d.). Sua reputação como educadora atraía estudantes de várias partes de Jerusalém, que vinham aprender com ela.



O Estudo Realizado pelas Virgens do Templo de Jerusalém

As virgens do Templo de Jerusalém dedicavam uma parte significativa de seu tempo ao estudo da Torá, que era essencial para a compreensão e cumprimento das leis e ensinamentos religiosos. Segundo a Enciclopédia Judaica, “o estudo da Torá era uma parte fundamental da vida religiosa judaica e era considerado essencial para todos os judeus, incluindo as mulheres que serviam no templo” (ENCICLOPÉDIA JUDAICA, s.d.).

Essas mulheres recebiam uma educação religiosa rigorosa, que incluía a leitura e interpretação das escrituras. Flávio Josefo, em suas obras, menciona que “as mulheres no templo eram instruídas nas leis e tradições judaicas, garantindo que pudessem desempenhar suas funções sagradas de maneira adequada” (JOSEFO, s.d.).

Segundo a Enciclopédia Judaica a rotina de estudo das virgens do templo era bem estruturada. Elas dedicavam cerca de quatro a seis horas diárias ao estudo da Torá e outras escrituras sagradas. Esse tempo era dividido entre sessões de leitura, discussão e meditação sobre os textos. Pela manhã, após as orações iniciais, elas passavam duas a três horas estudando. No período da tarde, após suas tarefas no templo, dedicavam mais duas a três horas ao estudo e reflexão.

Essa dedicação ao estudo não apenas fortalecia seu conhecimento religioso, mas também as preparava para ensinar e orientar outras mulheres e crianças na comunidade. A educação contínua era vista como uma forma de manter a pureza e a santidade necessárias para suas funções no templo.




Santa Ana ensinando Nossa Senhora Menina. Século XIV pelos grandes mestres catalães Jaume Ferrer Bassa, o seu filho Arnau e Ramón Destorrents



As Virgens do Templo de Jerusalém: Funções e Rotina Diária



As virgens do Templo de Jerusalém desempenhavam um papel crucial na manutenção e funcionamento do templo. Segundo a Enciclopédia Judaica, essas mulheres eram responsáveis por diversas tarefas, incluindo a manutenção do templo, a preparação dos sacrifícios e a confecção de vestes sagradas. Além disso, elas doavam joias e outros itens valiosos para a manutenção do templo e para a compra de materiais necessários.

Para ser uma virgem do templo, havia requisitos específicos. As virgens precisavam manter um estado de pureza ritual, o que incluía a virgindade, e geralmente vinham de famílias respeitadas e devotas, muitas vezes de linhagem sacerdotal. Elas também precisavam demonstrar uma forte dedicação à vida religiosa e aos deveres do templo, além de receberem educação religiosa e treinamento específico para realizar suas tarefas.

O estudo da Torá era uma parte fundamental da vida dessas mulheres. Elas recebiam educação religiosa para entender e cumprir as leis e ensinamentos contidos na Torá, o que as ajudava a desempenhar suas funções sagradas de maneira adequada.

A rotina diária das virgens no templo era estruturada e cheia de responsabilidades sagradas. Pela manhã, começavam o dia com orações e meditação, seguidas pela preparação do templo e dos sacrifícios. Ao meio-dia, trabalhavam na confecção e manutenção das vestes sacerdotais e participavam de sessões de estudo da Torá. À tarde, assistiam os sacerdotes durante os rituais, preparando os utensílios sagrados e as vestes sacerdotais. À noite, encerravam o dia com mais orações e reflexões, retirando-se para descansar (ENCICLOPÉDIA JUDAICA, s.d.).

Flávio Josefo, em suas obras, também menciona a importância das mulheres no contexto do templo. Ele descreve como a pureza e a dedicação dessas mulheres eram essenciais para a manutenção da santidade do templo e para a realização dos rituais religiosos (JOSEFO, s.d.).

Segundo a Enciclopédia Judaica, como já vimos, “as mulheres que serviam no templo eram instruídas nas leis e tradições judaicas, garantindo que pudessem desempenhar suas funções sagradas de maneira adequada” (ENCICLOPÉDIA JUDAICA, s.d.). Mas essa instrução não se limitava às virgens do templo, mas também se aplicava às mulheres judias em geral, que eram incentivadas a estudar para manter a chama do judaísmo acesa em seus lares.

“À mulher judia foi dada a principal responsabilidade de manter acesa a chama do judaísmo. Isto é alcançado por meio da pureza da alimentação casher, de taharat hamishpachá (santidade da vida conjugal) e da educação dos filhos desde os primeiros passos dentro do judaísmo”. Para cumprir essas responsabilidades, as mulheres precisavam de um conhecimento profundo das leis e tradições judaicas, o que implicava em horas de estudo e aprendizado contínuo.


O Papel da Mulher e o Estudo no Midrash

O Midrash, uma coleção de textos judaicos que interpretam e expandem os ensinamentos da Torá, contém várias histórias e ensinamentos que destacam a importância do papel das mulheres na educação e no estudo. Um exemplo notável é a história de Bruriah, uma mulher sábia mencionada no Talmud, que é frequentemente citada no Midrash. Bruriah é conhecida por sua erudição e por desafiar os rabinos em debates teológicos. “Bruriah, esposa de Rabi Meir, era uma mulher de grande sabedoria e conhecimento, e frequentemente discutia questões haláchicas com os sábios” (MIDRASH, s.d.).



A Educação da Virgem. Eugène Delacroix, 1852



O Estudo como Virtude

O Midrash também enfatiza que o estudo não é apenas uma obrigação, mas uma virtude que eleva a alma e aproxima a pessoa de Deus. Este princípio se aplica igualmente a homens e mulheres. “O estudo da Torá é comparado à água, que purifica e nutre a alma, e é uma obrigação sagrada para todos os judeus” (MIDRASH, s.d.).




Referências

CAROL, Juniper B. Mariologia. Madrid: BAC, 1964.

ENCICLOPÉDIA JUDAICA. Disponível em: https://www.jewishencyclopedia.com. Acesso em: 09 set. 2024.

HISTÓRIA DOS HEBREUS. Disponível em: https://www.historiadoshebreus.com. Acesso em: 09 set. 2024.

JOSEFO, Flávio. Antiguidades Judaicas. Disponível em: https://www.josephus.org. Acesso em: 09 set. 2024.

JERÔNIMO. Obras Completas. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/3001.htm. Acesso em: 09 set. 2024.

PROTOEVANGELHO DE TIAGO. Disponível em: https://www.newadvent.org/fathers/0847.htm. Acesso em: 09 set. 2024.






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1 comments

  1. Que lindo! eu gostei muito de ler sobre a Virgem Maria e sua dedicação ao estudo, eu não havia lido nada com relação a isso. Realmente e uma inspiração para os estudos, muito obrigada Ana.

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Olá, Paz e Bem! Que bom tê-lo por aqui! Agradeço por deixar sua partilha.