Ensino da Moral Católica aplicado a Empresas e Colégios

by - outubro 19, 2024

São Miguel e Inês pelo pintor holandês Colijn de Coter (1440-1532) - Museu e Galeria da Universidade Bob Jones em Greenville (Carolina do Sul, EUA)





Introdução 

A Doutrina Social da Igreja refere-se ao ensino católico sobre a conduta moral, oferecendo uma base sólida para a reflexão sobre questões sociais, políticas e econômicas. Este corpo de ensinamentos promove a reflexão, o encorajamento e a vigilância atenta das condutas católicas no meio social, utilizando-as como ferramentas de evangelização e aplicabilidade da sabedoria cristã em diversos contextos sociais.

Não se trata de uma disciplina nova, nem de um fruto recente do cristianismo. As orientações da Doutrina Social da Igreja estão presentes ao longo da história da Igreja, expressas nas cartas de São Pedro e São Paulo, nas orientações sobre como proceder socialmente, nos textos da patrística, nas ações católicas da Idade Média e, mais recentemente, nas orientações sobre os sistemas políticos modernos, como o capitalismo e o comunismo. Esta disciplina também favorece a reflexão e a manutenção do estado de vigilância cristã na observação e julgamento político-social, diferenciando adequadamente formas de governo como monarquia e totalitarismo, democracia e demagogia (mais sobre o assunto aqui: Educa-te | Paideia Cristã).

Trata-se, portanto, de uma matéria alimentada pelo ensino da Moral Católica e sua aplicabilidade prática. Quando ensinada corretamente, esta disciplina eleva o estado da alma, apelando para as capacidades morais e o anseio espiritual das pessoas. Se aplicada corretamente, torna-se uma forma eficaz de gerar uma diferença clara entre as ações dos cristãos e dos não cristãos, como afirmo no capítulo Sobre a Moralidade do livro Modéstia (2018).


A Situação Atual

No Brasil, houve um período de mais de 70 anos sem projetos católicos laicais, ou seja, empresas e colégios baseados em princípios católicos, com funcionários e público majoritariamente católicos. É natural, portanto, que por algum tempo se repliquem as condutas do meio secular ou da realidade paroquial. Por exemplo, é comum encontrar negócios que se baseiam exclusivamente na caridade, replicando a doação de serviços que existe nas paróquias. Embora não haja problema nisso, se há renda suficiente gerada para remuneração, não seria moralmente correto não remunerar os trabalhadores. Também pode ocorrer a replicação de práticas seculares de desrespeito às pessoas e aos acordos, refletindo certa irresponsabilidade observada no planejamento e trabalho paroquial.

Portanto, torna-se oportuno rememorar o ensinamento cristão para empresas e gestão de colégios, com a intenção de tornar o agir cristão superior ao secular, e não o contrário.




Princípios Fundamentais aplicado à Empresas


Valorização do Trabalho

A Doutrina Social da Igreja enfatiza a importância do trabalho como uma expressão da dignidade humana e uma forma de participação na obra da criação. O trabalho não deve ser visto apenas como um meio de subsistência, mas como uma oportunidade de desenvolvimento pessoal e contribuição para o bem comum. Empresas e instituições católicas devem promover um ambiente onde o trabalho seja valorizado e respeitado, reconhecendo o esforço e a dedicação dos trabalhadores.

A valorização do trabalho está intrinsecamente ligada ao respeito pelo tempo das pessoas: o tempo que dedicam para realizar suas tarefas, o tempo que investiram para chegar até aquele momento e o tempo empregado em edificar os outros. Seja um trabalho remunerado ou voluntário, é fundamental que esse tempo seja respeitado e devidamente honrado.

Para isso, é importante observar os detalhes do ambiente que favorecem e facilitam o trabalho, proporcionando ao trabalhador um tratamento compatível com a importância do ofício. Por exemplo, alguns locais colocam os professores para dar aulas numa banqueta e outros em uma mesa (o mesmo instituto faz isso, com dois professores diferentes); isso é desrespeitoso. Preparar um tratamento para um e não para outro é sinal de desrespeito ao tempo e ao ofício. Cito isso como exemplo, mas certamente pode ser feito um raio-x interno para avaliar posturas desrespeitosas em outros nichos e empresas.




 A Justa Paga do Trabalhador

Um dos pilares da Doutrina Social da Igreja é a justiça nas relações de trabalho. Isso inclui a garantia de uma remuneração justa que permita ao trabalhador e sua família viverem com dignidade. A justa paga não é apenas uma questão de contrato, mas de moralidade e ética, refletindo o reconhecimento do valor intrínseco do trabalho realizado.

Posso oferecer o exemplo da porcentagem de pagamento dos autores ou da hora-aula dos professores. Algumas editoras e institutos, tomando como referência a forma imoral de trabalho, não pagam o professor e muito menos o autor. Não dar a justa paga ao trabalhador é um pecado que brada ao céu, ou seja, segundo o Santo Ensino Católico, a pessoa atrai sobre si a desgraça.

Portanto, se você quer o crescimento do seu trabalho (e me sinto mal em ter que tocar nesta temática entre cristãos, mas infelizmente tem acontecido com frequência), é preciso pagar o trabalhador, mesmo que você como empresário não tenha recebido lucro. O empresário é um administrador dos bens que recebe da Providência; se administrou de forma irresponsável, deve arcar com os custos disso. Se deixar de pagar o trabalhador, Deus se encarregará de fazer a justiça e alinhar os atos errados segundo os princípios da ordem divina, penalizando os projetos do empresário de alguma forma em justiça ao trabalhador que não recebeu o pagamento.

Também merece atenção os institutos e colégios que, além de realizar o tópico da falta de respeito, não pagam o professor. Todos são pagos, menos o professor. E dizem que querem restaurar a catolicidade no Brasil, não dando a justa paga ao professor e acumulando dinheiro com o trabalho alheio. O professor pode, se quiser, dar aula de forma voluntária, mas ele não é obrigado a fazer de forma gratuita a única coisa que ele cobra. Em palavras mais claras, ele não é obrigado a trabalhar de graça, mesmo sendo católico.




Combate ao Pensamento de Ganho Individualista

A Doutrina Social da Igreja critica o individualismo exacerbado e o materialismo que muitas vezes permeiam as sociedades modernas. O neoliberalismo é uma teoria econômica que enfatiza a livre iniciativa e a redução do papel do Estado na economia, muitas vezes resultando em um aumento do individualismo. Ou seja, cada um está solenemente vendendo o seu peixe, e para isso vale tudo (novamente, é um absurdo ter que escrever isso): pessoas que vendem conteúdo de catequese, outras entram no curso de uma pessoa e literalmente roubam os temas de uma parte - ou todo o curso - e fazem o seu com um valor maior, outras retiram conteúdos disponíveis na internet, imprimem luxuosamente e vendem como seus. Todos esses atos acontecem com uma frequência considerável entre católicos possuídos pelo espírito neoliberal, "fazedor de dinheiro", e para isso rouba o talento de outros, ao invés de buscar encontrar o seu. Antes, as pessoas roubavam expressões e formas de ser, hoje elas roubam o trabalho do outro.

Quanto à catequese, é óbvio que não podemos vender catequese; o ensino sagrado não pode ser vendido, não se pode vender também direção espiritual, também não posso pedir doação e em troca oferecer tantas orações, isso beira a simonia. Acredito que o nicho católico é novo para algumas pessoas, então é comum - mas não normal - tomar a atitude secular como parâmetro. Mas a verdade é que não podemos desrespeitar o Evangelho. Eu posso citar um trecho bíblico, figuras bíblicas ou um dogma ou ensino católico numa aula sobre Moby Dick, por exemplo, ou ao falar das obras de arte produzidas em determinado período, ou ao contar a respeito de um tema na história ou ao falar da história da educação, e isso não será catequese. Mas estará enriquecido com catolicidade. Mas não posso rentabilizar o conteúdo da aula de catequese sobre "quem é Deus?", por exemplo, porque isso é catequese.

As empresas e instituições católicas devem combater essa mentalidade neoliberal de ganho individualista, mantendo a capacidade de autonomia e livre iniciativa, incentivando práticas que promovam a conduta católica, que é território fértil para santidade. Nem tudo pode ser solucionado com networking; às vezes, se ligar às pessoas erradas, com diretrizes diferentes das nossas, mesmo que católicas, pode quebrar princípios e alicerces fundamentais do seu trabalho ou empresa.




A Educação Católica da Equipe

A formação contínua dos funcionários em princípios e valores católicos é uma exigência permanente. Muitos erros atuais acontecem por falta de treinamento. Mesmo uma equipe enxuta pode fazer muito com treinamento e regras, por exemplo: regras de como receber os professores, regras de tratamento, regras de conduta moral, diretrizes para avaliação de parceria, regras de tratamento de professores e alunos, regras de horários.

Se você visitar rapidamente um documento chamado Ratio Studiorum, verificará que se trata de um conjunto de regras que direcionou uma das ações católicas mais eficazes já vistas. Como disse na aula aberta Educação Clássica aplicada à catequese (que ofereci em ação voluntária, o meu trabalho está disponível de forma regular para os alunos devidamente matriculados no Portal Educa-te), as pessoas estão habituadas com as práticas pastorais paroquiais que não possuem regras, baseadas na boa vontade (ou muitas vezes nas ações sem vontade), isso impregnou as ações católicas de uma forma a deixar tudo ao acaso, sem muita organização, preparo ou treinamento (tanto numa aula pequena quanto num evento).

Mas a pergunta essencial é: se no meio secular muitas vezes nos atentamos a deixar bem feito e organizado um jantar, uma recepção ou um chá, por que as coisas de Deus, que nos deu tudo, são feitas de uma forma tão desleixada? Portanto, as diretrizes não consideram somente a educação religiosa, mas também a promoção de uma cultura organizacional que reflita os ensinamentos da Igreja.

A educação católica da equipe visa criar um ambiente de trabalho harmonioso, ético e comprometido com a missão cristã, com ordem e cuidado. Não adianta só ser católico, é preciso se comportar como católico de verdade.




Fala Cordial e Harmônica

A comunicação dentro das empresas e instituições católicas deve ser marcada pela cordialidade, harmonia e verdade. Isso significa promover o respeito mútuo, a escuta atenta e a resolução pacífica de conflitos. A resolução é uma parte importante. É preciso resolver.

Talvez por uma imitação do meio secular, vícios ou somente por sermos humanos, a fuga da resolução é constante. As pessoas fingem que não existe um problema interno, fingem que está tudo bem. Vale considerar um aspecto: não é a primeira vez que o Brasil tem um aumento vertiginoso de institutos e colégios. Isso já aconteceu em meados dos anos 60 e, hoje, se buscar pelos nomes deles, se buscar pelos grupos de estudo dos ciclos tomistas paroquiais (acredite, existiam, você não é o primeiro a ser tradicional ou a fundar um instituto nessa terra tupiniquim), enfim, se procurar, encontrará poucos que restaram. A pergunta é: eles caíram por quê? Respondo: falta de resoluções internas. Fingir que nada está acontecendo não é o caminho (e é um pouco ridículo, já que fica nítido para olhos treinados); alinhar-se aos grandes da internet acreditando que isso dará durabilidade ao projeto também não é o caminho.

Existem algumas resoluções que são difíceis. As pessoas tendem a escolher lados e não destinos. Também tendem a bajular os seus iguais e os que possuem fama, o que dificulta a aquisição de um bom balizador moral. Mas, de forma geral, se depois de um período de silêncio as condutas são as mesmas, afinal, pode acontecer de uma gestão demorar a refletir sobre si mesma (está aí o nosso clero para servir de exemplo), poderá ser necessário uma conversa mais franca, respeitosamente franca, para que ao menos o que não foi dito seja impedido de se tornar um conjunto de escuridão interna.

Outro aspecto relacionado à fala é a capacidade de elogiar. Coisa difícil no meio católico. Do alto clero ao leigo, todos veem os talentos alheios como ofensas pessoais, agulhas em seus egos. Por isso é muito importante incentivar a escuta do que já se sabe, valorização por elogio sincero ao trabalho e apoio sem interesse em ser marcado nos stories. Isso diminui muito a inveja e aumenta a capacidade de valorizar os talentos.

Numa série japonesa chamada "Cozinhando para a Casa Maiko", uma personagem coadjuvante nos ajuda a pensar sobre o respeito genuíno. Numa cena, ela está com uma pessoa que diz que a respeita muito, que gosta dela de verdade. A personagem coadjuvante era artista e fazia um trabalho tradicional chinês muito refinado chamado "Mai". Ao escutar essa declaração, ela disse: "Como você me respeita e gosta de mim se você nunca viu o meu Mai?" No Mai estava o que ela tinha de melhor, a parte mais importante dela, a vocação dela.

Então fica a pergunta: será que você respeita mesmo e gosta das pessoas que diz que respeita e gosta? Você já prestigiou a melhor parte dela? A vocação dela? Eu sempre acho estranho quando alguém diz que gosta de mim, mas nunca assistiu um curso, nunca leu um texto ou livro meu, por exemplo. Eu não acredito nela, simples assim. Respeito é uma palavra muito rara de vermos realizada hoje em dia.

Outro aspecto é o elogio. Os padres brasileiros não elogiam porque acham que isso desvaloriza os outros, porque não querem envaidecer e porque não sabem elogiar. Uma vez, um padre estava nos alimentando com a Sagrada Eucaristia e levantou os olhos; viu uma fileirinha de mulheres com véu, ele sorriu de verdade e, quando chegou a nossa vez, ele disse "tão lindo" ("so beautiful"). Ele era americano. O resultado foi que a igreja ficou feliz porque ele estava feliz conosco. Foi a primeira vez que vi o "quando um é edificado, todos são edificados" (1 Coríntios 12, 26).

Quisera Deus que os padres confiassem mais na Escritura do que na mediocridade própria e da comunidade. As empresas e colégios não devem cometer o mesmo erro: deixar de dar o elogio encorajador e corrigir as debilidades a tempo e atentamente.











"Pitágoras foi o primeiro que chamou de filosofia ao estudo da sabedoria, preferindo ser conhecido como filósofo do que como sábio, pois antes dele os homens que se dedicavam a este estudo chamavam-se sofos, isto é, sábios. Mas é belo que ele tivesse chamado aos que buscam a verdade de amantes da sabedoria em vez de sábios, porque a verdade é tão escondida que por mais que a mente se inflame em seu amor e se disponha à sua busca, ainda assim é difícil que possa vir a compreender a verdade tal como ela é. Pitágoras, porém, estabeleceu a filosofia como a disciplina daquelas coisas que verdadeiramente existem e que são, em si mesmas, substâncias imutáveis.

A filosofia é o amor, o estudo e a amizade da sabedoria; não porém desta sabedoria que trata de ferramentas, ou de alguma ciência ou notícia sobre algum método fabril, mas daquela sabedoria que, não necessitando de nada, é uma mente viva e a única e primeira razão de todas as coisas. Este amor da sabedoria é uma iluminação da alma inteligente por aquela pura sabedoria e como que um chamado que ela faz ao homem, de tal modo que o estudo da sabedoria se nos apresenta como uma amizade daquela mente pura e divina. Esta sabedoria impõe a todo gênero de almas os benefícios de sua riqueza, e as conduz à pureza e à força própria de sua natureza. Daqui nasce a verdade das especulações e dos pensamentos, e a santa e pura castidade dos atos." (Hugo de São Vítor)











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Ana Paula Barros

Especialista em Educação Clássica e Neuro Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Graduada em Curadoria de Arte e Produção Cultural pela Academia de Belas Artes de São Paulo. Professora independente no Portal Educa-te (desde 2018). Editora-chefe da Revista Salutaris e autora do livro: Modéstia. Possui enfática atuação na produção de conteúdos digitais (desde 2012) em prol da educação religiosa, humana e intelectual católica, com enfoque na abordagem clássica e tomista. Totus Tuus, Maria (2015)

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