A vida intelectual e a mulher (transcrição de aula aberta)

by - dezembro 05, 2024

Obra: Anunciação por Jean Bourdichon e seu ateliê, França, século XV



Transcrição da aula: A vida intelectual e a mulher ministrada pela professora Ana Paula Barros em 21 de maio de 2023. Aula disponível na íntegra aqui. Sugerimos fortemente que assista a aula na íntegra e em seguida a leitura complementar do estudo Sedes Sapientiae: A Virgem Maria e a Dedicação ao Estudo e à Educação .


Muito bem, espero que todos estejam me ouvindo bem. O itinerário que separei para vocês está dividido em seis partes. À medida que eu for falando, mencionarei os autores em que me baseei e, ao final, também deixarei as referências bibliográficas. Os seis pontos são:

  1. O Intelectual Cristão

  2. Dons e Virtudes

  3. Pensar Bem

  4. A História da Instrução Feminina

  5. Educação Feminina

  6. Percepção Correta e Reações Equivocadas


O primeiro tópico que gostaria de abordar é sobre o intelectual cristão. Obviamente, baseei-me no livro do Padre Sertillanges.

Existem alguns pontos que serão tratados de forma geral, aplicáveis tanto para homens quanto para mulheres. A partir do ponto quatro, falarei mais especificamente sobre a educação feminina e a vida de estudos para mulheres. Acredito que isso seja de importância não só para as mulheres, mas também para os rapazes que, eventualmente, terão filhas e precisarão educá-las, entendendo a distinção entre o homem e a mulher e a dedicação de cada um aos estudos.

A primeira parte do meu discurso baseia-se em um versículo que gosto muito: "Renovai o vosso espírito e a vossa mentalidade". Estamos saindo de um período que se assemelha muito ao que o Padre Sertillanges descreveu na terceira edição de "A Vida Intelectual". Ele escreveu: "Quando o universo está em chamas, a sensação que se tem é de esmagadora impotência. O presente só traz tormento e desconcerto".

Ao escrever esse trecho, ele descrevia a necessidade de formar um verdadeiro exército de intelectuais católicos que possam responder a essa atmosfera de tormento. Esse chamado é reflexivo, para que possamos entender não apenas as origens físicas das crises, mas também suas raízes espirituais e intelectuais — o que chamamos de estudar as origens das ideias. Parte do trabalho dos intelectuais é trazer essas origens à tona.

No entanto, focar apenas na base da decadência não é suficiente. Pode gerar o que chamo de "especialistas do erro". Sabemos absolutamente tudo sobre os erros, mas não conseguimos encontrar um caminho para trazer soluções. O objetivo deste tópico é justamente abordar isso: não adianta apenas conhecer os detalhes dos erros; é necessário agir de forma conjunta para encontrar um caminho que possa iluminar o momento em que vivemos.

Quando o Padre Sertillanges diz "concentrar forças não apenas nas causas da decadência", ele também afirma que o próprio intelectual, a pessoa que está na vida de estudo, precisa ter competência e virtudes morais. Aqui entramos em um ponto crucial: o tipo de intelectual que temos hoje e que reconhecemos como intelectuais no Brasil. Precisamos entender se eles correspondem ao critério estabelecido pelo Padre Sertillanges.

Não basta apenas identificar os erros e falar sobre eles; é necessário ter um conjunto de virtudes morais e competência. A vida de estudo é uma vocação em que você não consegue falar sem ser; é preciso ser, e só então o ato de produzir qualquer obra intelectual funcionará. Este primeiro critério das virtudes morais é inegociável; não há como abrir brechas a esse respeito.

Partindo desse princípio, a vocação é um chamado para nos tirar desse momento de tormenta ou tentar encontrar uma resposta para isso. A pessoa deve ter virtudes morais, competência, e é um chamado à generosidade, para que outros também possam engajar-se nessa meta.

Claro que não é simples, pois temos uma ideia muito arraigada do "homem da torre", separado, que não se mistura com as outras pessoas. Isso tem diminuído, mas ainda existe um pouco dessa visão que limita, especialmente as mulheres, a se engajarem nos estudos, pois parece algo fora da realidade delas.

Visto que é um chamado à generosidade, é importante notar que, além das virtudes morais e competência, também é necessária uma harmonia entre fé e razão. Cito um trecho do Padre Sertillanges que ajuda a solucionar um desafio da vida intelectual. Muitas vezes, achamos que a vida de estudo é isolada, ou que quem estuda não reza e quem reza não estuda. Pode ser que isso seja apenas uma ideia pré - concebida.

Padre Sertillanges diz: "Querem compor uma obra intelectual? Comecem por criar em seu interior uma zona de silêncio, um hábito de recolhimento, uma vontade de desapego, despojamento, que os deixem disponíveis para a obra. Sem essa disposição das faculdades mentais, nenhuma obra intelectual será frutífera."

Nada farão ou nada que valha. Perceba que este chamado à vida de estudo ordenada nada tem a ver com essa onda enorme de opinismo, onde muitas vezes não sabemos nem para onde vão nem de onde vieram e que não têm objetivos específicos.

Esta vivência ordenada precisa vir de um comprometimento com a vida contemplativa. A separação entre a vida de estudo e a vida de oração não deve existir. Na verdade, foi uma separação que mantemos com muita frequência, e há dificuldades diárias em relação a isso que não deveriam existir, pois a vida de estudo só existe se houver uma vida contemplativa por trás.

É claro que Platão e Aristóteles já afirmavam que a vida contemplativa é uma forma de vida superior. Isso não é uma informação nova. Mas por que é tão difícil para nós fazer essa escolha? Porque achamos que a vida contemplativa é algo apartado da realidade cotidiana. Veja que parece que estou indo por uma questão muito espiritual, mas é justamente aí que estão as nossas maiores dificuldades. As ideias estão ficando cada vez mais desconectadas, as coisas estão ficando cada vez mais sem sentido quando as pessoas propagam os seus interesses. Isso vem justamente desse agir intelectual que não sai de um lugar de silêncio e contemplação. Não é ordenado e, portanto, pouco tem a ver com a forma de vida intelectual fomentada e gestada no seio da Igreja.

A vida intelectual, fomentada e gestada no seio da Igreja, parte dessa premissa da contemplação. E o que a contemplação gera? Ela nos faz articular os dons do Espírito Santo com as virtudes. A bagagem intelectual, o que lemos e aprendemos, é um agregado a esse esforço de articulação entre o que recebemos do Espírito Santo e as virtudes que nos esforçamos para viver.  "O sábio é o virtuoso".

Quando partimos deste ponto, toda a nossa percepção da vida de estudo muda. Ela se torna um caminho de santificação absolutamente possível e extremamente abnegado, pois, obviamente, algumas coisas precisam ser deixadas de lado para que aquele processo de estudo aconteça. É um momento que costumo chamar de cultivo. Temos pouca prática em ver o momento de oração e o momento de estudo como um momento de cultivo interior que gera uma ordenação. E, como estamos todos inseridos no Corpo Místico, é importante também avaliar que, se eu estou ordenada, você está ordenado, e o outro está ordenado, a chance de caminharmos para um lugar mais salutar e edificante é maior.

Prosseguindo nessa articulação dos dons do Espírito Santo com as virtudes, vale lembrar que, por mais que usemos o termo vocação intelectual, este é um chamado. Mas, para nós, católicos, ele já está inserido no cumprimento do primeiro mandamento da Lei de Deus, pois todos precisamos saber minimamente sobre a nossa fé e ter alguma prática de estudo. Precisamos ter o mínimo, mas esse chamado, que é lapidador, pode ser feito com uma dose de esforço, foco e disciplina para exercitar mais a virtude de estudo.

Então, é importante entender a vocação intelectual não só como algo que vem como uma luz do céu, onde você é chamado a ser um intelectual. Isso tira muito da nossa própria missão e do nosso próprio comprometimento de participar de algo que, mesmo que não seja a nível grandioso, pode ser viveciado com a própria família, com os ciclos de formação, com as pessoas que estão inseridas em nossas relações. Há como vivenciar essa generosidade que provém da virtude.

É importante lembrar que aqueles que são pais têm este dever radical de educar seus filhos e que isso lhes será cobrado depois. Lembrando desta questão, São Josemaria Escrivá diz: "O cristão deve ter fome de saber, desde o cultivo dos saberes mais abstratos até as habilidades do artesão. Trabalhar assim é oração, estudar assim é oração, investigar assim é oração." A última parte é a mais importante: "deste modo, a alma se enrijece numa unidade de vida simples e forte."

Existe um outro livro do Padre Sertillanges que não é tão famoso, chamado "Deveres", no qual ele aborda a integridade em praticamente dois capítulos. É a parte mais importante do livro que ele escreveu. Estamos vivendo uma desintegração do catolicismo e da nossa própria existência. A maior parte das pessoas é uma pessoa no trabalho, outra na igreja, outra no grupo de amigos; são pessoas fragmentadas. Esse tipo de fragmentação impede qualquer tipo de estudo e torna impossível existir de forma integrada.

Quando ele fala da integridade numa vida simples e forte, isso me faz lembrar de outro trecho: "A integridade consiste precisamente em unificar-se a si próprio em toda a sua plenitude e em revestir, por assim dizer, a sua forma sagrada." Esta parte da integridade é tão profunda porque, sem ela, não conseguimos sequer trilhar o tão almejado caminho de santificação, que se tornou um discurso muito cotidiano para nós, mas tão distante de se tornar real justamente porque estamos todos desintegrados. A desintegração é o sinal externo do caos interior.

Estou abordando este ponto para dizer que, como o próprio Padre Sertillanges fala, o insucesso dos nossos esforços depende fundamentalmente da nossa dispersão espiritual, do esquecimento dos valores primários e das nossas capacidades. A dispersão espiritual é que leva ao fracasso de qualquer tentativa de estudo que não avança ou não se desenvolve, e isso é falta de integridade. Por isso, não basta comprar uma série de livros e estabelecer uma série de metas. Se, ao estudar, a pessoa estiver completamente desintegrada, não adianta nada; não vai funcionar. A pessoa entrou numa vida falsa. Isso é seríssimo porque ela pode acreditar que está evoluindo, pela quantidade de livros que leu, quando não está.

Veja bem, não estou dizendo que não é para ler, pelo amor de Deus, mas a quantidade de livros deve aumentar a nossa unidade, integridade e a sensação de que, quanto mais se lê, mais firme e nobre se torna. Esse é o resultado da bagagem de estudo. Para isso, existem algumas exigências: uma vida de estudo constante — talvez a palavra "constante" seja a mais difícil de realizar —, ascética e oração. Esta tríade está interligada. Para quem se dedica à vida de estudo, se a ascética não estiver funcionando, a vida de estudo também não funcionará, nem a oração.

Isso nos leva a falar sobre a fuga que devemos fazer da perspectiva moderna do estudo, que é uma perspectiva da praxis. Já falei um pouco sobre essa sede produtiva e numérica. Na verdade, a vida de estudo tem mais relação com o período de cultivo. Falaremos um pouco mais adiante sobre a importância do número e das metas, mas também sobre a realidade de que ainda estamos com um problema sério: as leituras mudaram, mas a forma de pensamento continua revolucionária. Enquanto não mudarmos a mentalidade, corremos o risco de criar híbridos de ideias com mais de uma cabeça, piores que os anteriores.

"Renovai o vosso espírito e a vossa mentalidade." As reações muitas vezes são revolucionárias diante das ideias e das coisas. Temos que nos esforçar para que a vida de estudo nos faça reagir como São Tomás, com clareza e cortesia, com verdade, mas de forma extremamente ponderada. Uma diferença que se faz notar entre um estudioso católico e um não católico. Perdemos absolutamente este espaço, e isso pode gerar um problema muito pior no futuro. A maior tentação do estudioso é criar híbridos, unir ideias. Hoje, estamos sofrendo as consequências de uniões de ideias feitas no passado, que hoje não sustentam o ser católico. Tentamos solucionar isso, mas quem estuda hoje pode criar um híbrido amanhã. Este temor deve nos acompanhar: o pensamento deve ser claro e reto para evitar essa chance. 


"Sem mim nada podeis fazer."

Por isso, coloquei o segundo ponto deste itinerário: dons e virtudes. O Padre Sertillanges fala sobre várias virtudes. A virtude que escolhi falar é a virtude da perseverança, por motivos óbvios. Provavelmente é a que temos mais tendência a patinar por diversos motivos. Nossa sociedade é muito imediatista; temos a ideia de que a vida de estudo será como um download, mas não é assim que acontece. Pode demorar anos para se terminar um estudo, se é que se termina, e saber disso desde o começo é fundamental.

A virtude da perseverança tem uma importância enorme. Por exemplo, se falarmos das moradas do "Castelo Interior", só se passa da terceira para a quarta morada com a perseverança. Mas vamos focar na vida de estudo. O Padre Sertillanges diz: "Evitem a agitação do homem com pressa. Apressem-se lentamente. No âmbito do Espírito, a calma vale mais que a afobação. Trabalhem com Espírito de eternidade." A proposta é que o estudioso católico viva num ritmo diferente do que todos os outros estão vivendo, pois todos estão afobados, correndo atrás de coisas terrenas e passageiras, e se destruindo com isso. Ter certa lentidão no ritmo é importante até para conseguir pensar melhor e esclarecer as ideias.

É preocupante essa tendência que temos de formar rapidamente ideias sobre tudo sem parar para pensar. Não estou falando de coisas de fé, pois para isso já existe a Doutrina, mas há assuntos em que é prudente parar e refletir um pouco, e esse pensar pode demorar dias. Isso é normal.

Falo isso com seriedade porque, por mais que saibamos que isso é uma exigência, a maior parte de nós não o faz isso calmamente e constantemente. A virtude da perseverança nos ensina a nos instalar em Deus, em Seu tempo e ordem, e não renunciar a isso prematuramente. O estudo já tem suas dificuldades; a maior parte de nós, em algum momento, fica decepcionada com a pilha de livros a serem lidos, com os estudos a serem feitos, e com os que gostaríamos de fazer, mas provavelmente não conseguiremos. Isso é normal. É preciso ter uma relação saudável com esse volume de conhecimento. Está tudo bem não estudar tudo, desde que o que for estudado seja feito de forma adequada, equilibrada e profunda.

Eu não sei se vocês imaginavam que eu ia falar sobre os dons do Espírito Santo, mas acho fundamental relembrá-los, pois, pela raiz própria da questão da vocação, o estudo muitas vezes parece distante do agir espiritual, mas na verdade está muito próximo.

Primeiro, é importante lembrar que os dons do Espírito Santo são recebidos no batismo. Nós já os temos; não é algo que vem efusivamente do céu. Os dons relacionados à inteligência são entendimento, sabedoria e ciência. Eles aperfeiçoam a inteligência e robustecem a fé. Isso quer dizer que a pessoa só cresce na fé se consegue harmonizar e despertar a inteligência.

Um dos motivos de a maior parte das catequeses ser extremamente infrutífera é esse: são pessoas com a inteligência embotada que não terão fé forte nunca. E se sabemos que é assim que acontece, mais ainda é para o estudioso católico, que precisará da ação do Espírito Santo para mostrar aquilo que não consegue ver humanamente. São muitas coisas, um conjunto enorme de coisas.

Como é que os dons do Espírito Santo trabalham, não só na questão espiritual, mas na própria atividade do estudo? O entendimento clareia a inteligência, faz compreender o sentido das coisas, não a razão das coisas, mas o sentido das coisas, e faz discernir se algo que está escrito é neste sentido ou noutro. Uma coisa que falta muito e que nos foi encorajado pela forma de educação que recebemos no Brasil é a mania de tentar ler as coisas sob uma ótica pessoal. Não estou lendo o que está escrito, o que o autor disse; estou lendo o que na minha realidade, no meu coração, na minha atmosfera, o meu eu interior está dizendo. Isso é uma dificuldade enorme no processo de estudo, porque quando se estuda, é preciso estudar o que o autor está dizendo, não o que você está sentindo a respeito do que o autor     está dizendo.

O dom do entendimento nos livra um pouco disso e nos dá discernimento para que não caiamos nesse esquema que nos foi imposto. O entendimento gera harmonia entre as ideias, o que é importante, pois estamos num tempo em que as ideias são soltas, principalmente por conta de diversos aplicativos. Você não tem as ideias fazendo um circuito, o que já é um problema.

São Tomás de Aquino diz: "O Dom do entendimento dirige-se primeiramente à fé para logo se estender a tudo quanto se relaciona com a fé. Isto é, as ações e a vida prática, enquanto recebem direção das eternas verdades em cujo conhecimento a inteligência é aperfeiçoada." A inteligência se aperfeiçoa com o dom do entendimento.

O último ponto em relação ao dom do entendimento é a questão das ideias vagas. Existe uma dificuldade muito grande quando temos essa inexatidão de ideias tanto dentro quanto fora da Igreja. As palavras já não são ditas com o significado que têm. Um exemplo é o estado de graça. Se você está fora do estado de graça, você está em desgraça. Usar as palavras e o conjunto das ideias como elas realmente são é fundamental, porque a inexatidão das ideias gera uma vontade fraca.

Isso nos leva ao próximo dom: o dom da ciência. A explicação dele é um pouco menor porque basicamente é a percepção da verdade. É a ajuda, pela realidade concreta, a aderir a uma verdade. Nos faz ver a harmonia da criação em relação ao Criador. Além disso, é como uma intuição político-religiosa que nos faz apreciar, segundo alta filosofia, nos acontecimentos da história e os da história da Igreja, o que chamamos de Providência. É uma visão entre o que os homens fazem e o que Deus faz. O dom da ciência pode ser exemplificado pelo venerável Fulton Sheen, que tinha uma clareza muito peculiar para a época. Ele conseguia ver algumas coisas que outras pessoas não estavam vendo; ele tinha uma ciência político-religiosa e antecipava eventos simplesmente lendo a realidade.

Entre os dons que devemos pedir, este é um dos mais necessários, pois até santos leram a realidade de forma equivocada. São Vicente Ferrer fez isso, e outros santos também. A leitura da realidade faz parte da matéria de estudo do estudioso católico: ler o que está acontecendo, decodificar o que está acontecendo ou tentar decodificar. Esses dois dons precisam de uma premissa: a pureza de coração. Manter a pureza de coração é difícil no momento atual porque tantas coisas erradas acontecem que nosso estado interior fica perturbado. É importantíssimo manter vigilância sobre o estado interior para que o coração se mantenha puro, mesmo que ao nosso redor exista uma tormenta com diversos tipos de ideias. Se o coração não se mantiver puro, o julgamento já começa corrompido.

O último dom, que normalmente é o mais requisitado, é o dom da sabedoria. Muitas vezes pensamos no dom da sabedoria como se fosse uma percepção extremamente elevada da realidade. Mas não é bem assim. A prática do dom da sabedoria ilumina a inteligência e nos faz acreditar que aquela ideia e aquela linha de pensamento são as melhores por razão divina, não mais porque a realidade aponta aquilo pelo dom da ciência. Pela forma do pensamento divino, parece que essa ideia é a melhor. Estou escolhendo essa ideia por razão divina. Por isso, normalmente o sábio não é muito bem entendido, porque muitas vezes a realidade diz exatamente o oposto do que ele está dizendo que é o correto. Ter esse tipo de coragem só é possível debaixo do dom do Espírito Santo, e é extremamente necessário, pois haverá momentos em que isso será a única forma de manter alguma sanidade.

Terminei os dons e virtudes. "Sem mim, nada podeis fazer."

O terceiro tópico é sobre pensar bem. Existem alguns pré-requisitos que coloquei aqui, daquele livro "Critério" do Padre Balmes, que considero importantes na prática. Falamos a respeito da vida interior do estudioso católico, falamos a respeito dos dons do Espírito Santo e das virtudes. Agora vem o ato mesmo: o que se faz depois de estudar? O que se faz com essa bagagem?

Papa Pio XI diz o seguinte: "A educação cristã abraça toda a extensão da vida humana: sensível, espiritual, intelectual e moral; individual, doméstico e social; para elevar, regular e aperfeiçoar segundo a doutrina de Cristo." Portanto, o local de ação do estudioso é bem amplo, e da educação cristã também.

Por que coloquei esse tema aqui? Porque existem três pontos necessários para prestar atenção na hora de executar o ato que podemos chamar de ato do estudioso, ato do filósofo, ato do intelectual. O primeiro é averiguar a verdade da realidade das coisas. A realidade é a realidade das coisas. Quando temos essa visão, entendemos algumas questões interessantes. Um estudioso que vê nitidamente é como um espelho: ele vê e transmite aquilo que viu de forma exata e nítida, como um espelho. Quando ele não está alicerçado no que falei anteriormente, está um pouco bambo; é como um caleidoscópio: é uma parte da realidade, mas ela é lúdica, não é exatamente a realidade e, portanto, não é a verdade.

Quando não está nada alicerçado, é um espelho distorcido. Estamos vivendo em meio a espelhos distorcidos, como aquelas salas de circo, só que o mundo todo virou aquela sala de espelhos e todos os espelhos estão distorcidos. Portanto, exige de nós um comprometimento maior de conseguir ser um espelho límpido que consiga passar as ideias de forma clara.

O segundo ponto é que a vontade de estudar pode até existir, mas normalmente as pessoas tendem a achar que o que falta é capacidade. Ah, eu não sou capaz...

Na verdade, na maior parte das vezes, falta dedicação, não capacidade. Ter a percepção de que a dedicação só é possível quando a atenção está no objeto certo é fundamental. Um espírito atento é forte; um espírito que não está atento amontoa ideias desconexas. Por exemplo, assistir a uma live aqui, outra ali, e assim por diante, é um conjunto de ideias que podem até ser positivas, mas é um amontoado de coisas sem objetivo nenhum, sem ordem nenhuma. É um conhecimento que serve para quê? Para nada, pois está completamente desordenado e dá a sensação de incapacidade. Mas não é incapacidade; é falta de dedicação e de ordem.

O terceiro ponto são os traços necessários para a execução do agir intelectual ou do estudioso: clareza, juízo com verdade, discorrer com rigor e firmeza. Aqui, o que mais costuma gerar inquietação é o juízo com verdade. O estudioso julga, sim, é seu dever julgar. Julgar, no sentido de avaliar se a ideia é prudente ou não, é sensato ou não, está compatível com o que a doutrina ensina ou não, está compatível com as bases filosóficas saudáveis ou não. Faz parte da ação do estudioso julgar. Julgar faz parte da vida humana; na verdade, você julga se tomar suco é melhor do que tomar refrigerante — você fez um julgamento.

Mas esse julgamento tem três premissas: partir de uma boa definição, que são raras. Portanto, o ideal é escolher a melhor definição ou a menos ruim e partir dela, sempre de uma definição, nunca partir de ideias soltas ou termos sem definição. Segundo, não usar expressões imprecisas; sempre usar as palavras com o significado que elas realmente têm. E, por último, fugir de ideias pré - concebidas. Fazendo um link com o que falamos anteriormente: ler o que realmente está escrito, escutar o que realmente está sendo dito e não a sua impressão pessoal. Só assim o julgamento consegue ser feito de forma correta, equilibrada e prudente. Se algum desses itens falha, a percepção fica equivocada; portanto, a conclusão daquele estudioso também fica equivocada.

O último ponto neste tópico é a questão do número de ideias. O Padre Balmes fala bastante a respeito da nossa união com Deus, à medida que a vida de estudo se torna quase como uma unidade com a vida espiritual. O número de ideias se torna menor e é mais fácil chegar com precisão a esta ou aquela conclusão sem se desviar por muitos assuntos. Fica também mais fácil detectar onde exatamente está o erro. Quanto mais nos aproximamos de Deus, mais apurada fica a nossa visão a respeito de determinadas realidades e ideias, tanto para encontrar os erros quanto para encontrar as ideias que formam a estrutura de determinado pensamento.

Fecho este tópico, que foi muito rápido, apenas para fazer este apontamento a respeito de pensar bem. Uma vez que estamos passando por um redescobrimento do que seria o estudo, do que um estudioso católico deve ser, vale lembrar que existem critérios e certos passos para trilhar esse caminho e para apresentar um pensamento minimamente razoável. Isso serve não só para conceber ideias, mas também para assimilar ideias. Se não passou por esses critérios, pode-se desconfiar do que está sendo apresentado.

Agora entramos no quarto ponto, mais específico, sobre a instrução feminina. Régine Pernoud fala sobre a instrução feminina de uma forma muito abrangente, abordando como se estabeleceu a ideia de que, na verdade, só recentemente as mulheres ganharam alguma dose de inteligência, como se todas as mulheres anteriores fossem emburrecidas.

Para mostrar que não foi assim que aconteceu, farei uma breve revisão histórica sobre a instrução feminina. Os primeiros mosteiros, que foram erigidos, tinham uma distinção muito significativa. Os mosteiros femininos eram destinados à educação e à oração, enquanto os mosteiros masculinos eram destinados à penitência. Isso significa que a percepção que temos hoje de mosteiro é completamente diferente dos primeiros mosteiros, que eram uma espécie de escola. Os primeiros mosteiros recebiam crianças que ficavam lá, a depender da regra do mosteiro, entre 5 e 13 anos. Elas eram educadas nesses mosteiros e, depois, os meninos passavam para o mosteiro masculino para completar sua educação.

Essa ideia que temos dos mosteiros atuais surgiu depois de um decreto chamado "Periculoso", em 1298, pelo Papa Bonifácio VIII. Ele fez esse decreto pedindo para que as irmãs não mais saíssem do mosteiro. Houve uma comoção no mundo monástico por conta disso, pois ele queria preservar as irmãs, mas isso acabou dificultando a ação dos mosteiros como escola. O Papa Bonifácio teve várias questões em relação à temporalidade; ele agia muito na Igreja temporal, não só espiritual. Inclusive, ele está no ciclo do inferno de Dante, porque Dante não gostou dele; brigaram, e Dante colocou-o entre os simoníacos que vendem cargos.

Além disso, antes dos mosteiros, algumas moças se uniam em grupos. São Jerônimo tinha uma filha espiritual chamada Paula, que ele elogiava muitíssimo porque era versada em hebraico e várias outras línguas. Ela incentivou muito São Jerônimo a fazer a maioria de seus comentários, pois ela fazia perguntas e ele escrevia. Ela estudava muitíssimo.

Nos mosteiros, a irmã salmista educava as crianças com os salmos. Elas aprendiam a ler e a escrever com os salmos, o que hoje chamamos de educação clássica católica, que é a educação pelas Sagradas Escrituras. A irmã salmista era extremamente responsável pela evolução dessas crianças.

Até o momento, só falei de pessoas consagradas, mas a própria Régine Pernoud nos dá o presente de saber que, no século IX, existia uma mãe leiga chamada Duoda. Ela escreveu o primeiro tratado de pedagogia, cujo nome significa algo como "Manual para o Meu Filho". Duoda era uma nobre que viveu na época do reinado de Carlos, o Calvo, e Luís, o Germânico, que brigaram entre si pela França, Alemanha e Itália. Duoda precisou deixar seu filho mais velho, Guilherme, com o rei Carlos, o Calvo, para comprovar sua fidelidade. Ela ficou preocupada com esse menino adolescente na corte, então escreveu um tratado.

Nesse tratado, havia poemas, enigmas e problemas matemáticos, todos baseados na Bíblia, grego e hebraico, relembrando lições que ela tinha dado ao filho enquanto estavam juntos. Ela pedia encarecidamente que ele nunca deixasse de ler e fazer os exercícios. Esse tratado nos dá uma noção de que existiam mulheres muito cultas, casadas, que educavam os próprios filhos dentro da doutrina católica e de toda a riqueza que possuímos.

Além de Duoda e das religiosas, também temos leigas e religiosas copistas. Alguns historiadores afirmam que, na verdade, a maior parte dos copistas eram mulheres. Na Idade Média, as cópias eram frequentemente assinadas apenas com a primeira letra do nome, se fossem assinadas. A maior parte era deixada anônima.

Como descobriram isso? As pessoas que pediam essas cópias mandavam cartas para o mosteiro e, na carta, solicitavam que a abadessa fizesse a cópia de determinado salmo com a letra inicial específica para o dia da Anunciação. As religiosas faziam muitas cópias e eram em número significativo.

Régine Pernoud faz uma afirmação que contraria tudo o que aprendemos: que as mulheres na Idade Média liam mais do que os homens. Faz sentido, pois elas tinham o Livro dos Salmos, e a maior parte dos homens trabalhava fora. A chance de a mulher ficar em casa e ler os salmos era bem maior. As que eram letradas, dentro da realidade da Idade Média, tinham essa possibilidade. Existe uma chance significativa de que quase tudo o que aprendemos sobre a educação das mulheres é baseado em uma fatia só da sociedade. Não estou dizendo que todas eram letradas, mas que não é exatamente como nos ensinaram.

Além disso, existem registros do século XII que apontam escolas diocesanas dirigidas por professoras, com comprovações notórias. Existiam fiscais diocesanos nessas escolas e cartas dirigidas às "Senhoras das Artes da Gramática", que eram as professoras que ensinavam gramática. Cada uma recebia uma orientação específica do fiscal diocesano. As escolas eram praticamente uma casa com vários quartos e funcionavam quase como um internato, onde as crianças ficavam e eram educadas por essas professoras e outros professores, assim permanecendo por muito tempo.

Outro aspecto importante a ser lembrado é que a ideia de educação separada — escola para meninos e escola para meninas — só começou em 1338. As escolas diocesanas eram mistas. Isso [escolas separadas] começou no Renascimento. A crítica sobre se as meninas deveriam estudar ou não, não veio do catolicismo nem da Idade Média; veio da ideia renascentista, racional e afastada de Deus, de que elas deveriam se dedicar apenas às artes domésticas, pintura e outras atividades, e não necessariamente ao estudo, exceto se fossem nobres.

Quem iniciou essa linha de pensamento foi o Renascimento. Abraçamos essa ideia como se fosse uma realidade católica, mas não é verdade. Não há distinção de instrução [entre meninos e meninas] na história da Igreja. Isso só acontece a partir do Renascimento, quando o racionalismo começa a invadir as mentes e o afastamento de Deus se torna notório.

A partir daí, podemos então entrar no tópico da educação feminina, considerando que o que temos é um resquício dessa ação do Renascimento.


Afinal, a educação feminina se pauta em quê, já que tudo o que sabemos é baseado em uma falsa ideia? Para isso, utilizo Edith Stein, com as devidas reservas pertinentes a alguns assuntos ali expostos, focando apenas na parte da educação feminina.

Ela diz o seguinte: "Na alma feminina, é muito forte o anseio natural por valores que sirvam de alimento à alma." Quando ela fala isso, há uma ligação com outra autora de quem gosto muito, chamada Gertrud von Le Fort. Ela afirma que a mulher transmite quem ela é, enquanto o homem consegue transmitir um pensamento um pouco separado de quem ele é. A mulher, não; se ela não se preenche de algo, aquilo não se torna parte dela. Ela não consegue necessariamente ensinar aquilo.

Esta é uma distinção muito importante, porque, dependendo do papel que você tenha como mãe, por exemplo, você só ensinará aquilo que assimilou e que se tornou parte de você. Partindo desse ponto, é importante lembrar outro aspecto: a receptividade ao belo.

Quando Edith Stein fala sobre isso, ela diz: "É uma receptividade entusiasmada com a grandeza moral, com os valores terrestres elevados." Ela cita as artes que poderiam ser estudadas: literatura, arte propriamente dita e história. São as três áreas que ela acredita serem mais nutritivas para o feminino. Isso não significa que sejam restritivas, mas são áreas boas para a formação feminina, a serem alicerçadas e aprofundadas.


De nada vale ler e ter acesso às artes e à história se não houver uma boa assimilação. Tem que se tornar como uma mão, um braço, um dedo. É assim que se sabe se a leitura e o estudo deram certo: se eles fazem parte de quem você é. Se não houve assimilação, é preciso um pouco mais de esforço nisso.

Outro cuidado específico que Edith Stein menciona é sobre a receptividade ao belo. Lembram-se do livro "O Retrato de Dorian Gray"? É um livro sobre um rapaz muito belo que é retratado por um artista. Uma coisa espiritual muito estranha acontece, e a alma de Dorian fica no retrato enquanto ele permanece jovem para sempre. Moralmente, ele se torna decadente, e o retrato mostra todos os seus pecados e o envelhecimento.

Dorian gostava de coisas belas, colecionava coisas belas, ia a lugares belos, escutava coisas belas, mas era horrendo por dentro. A receptividade ao belo e o apreço pelo belo podem se deturpar, assim como qualquer outra coisa no mundo. Portanto, é importante saber que é uma janela, um portal, mas precisa ser mantida sob vigilância séria, pois pode se tornar pura e simplesmente afetação, um apreço pelo belo vazio que não gera nenhum tipo de alta educação ou edificação.

Depois de abordar a boa assimilação e o cuidado com o belo, Edith Stein diz: "O intelecto é a chave do reino espiritual." Ela menciona isso em uma pequena contenda nas suas conferências, porque antes dela, uma senhora chamada Alma Schneider afirmou que a mulher basta amar e não precisa questionar o quê e para quê. Edith Stein, ao ouvir isso, diz: "Nesta atitude, esconde-se um grande risco de desvio e desorientação." Se a mulher ama coisas erradas, pode acontecer tudo; pode se desvirtuar, e ela precisa ser orientada.

Edith questiona essa tendência de achar que a vida de estudo para uma mulher não é importante. Segundo ela, o intelecto é a chave para o reino espiritual. O intelecto existe e deve ser obrigado a funcionar; quanto mais vivo, melhor.

Estamos vivendo uma confusão em relação aos papéis do homem e da mulher, por isso essas percepções ainda existem entre nós. Já falaremos sobre por que isso aconteceu, mas na prática do estudo, um homem consegue estudar um volume grande de material. Eles normalmente têm um nível de resistência considerável. Não todos, a depender da internet, vícios e outras coisas, mas, de uma forma geral, eles têm uma resistência maior. Para a mulher, não é assim. A mulher precisa de descanso, ações curtas, tempos de leitura com pausas necessariamente. Não dá para ser igual. Os temas não serão iguais, a forma de estudo não será igual. Isso é infinitamente importante para os pais quando educam os filhos, mas também para não ficarem se cobrando algo que não faz parte da nossa natureza.

A alma feminina precisa de refrigério. Se não houver refrigério, o estudo parece um mar de páginas intermináveis. Precisa haver essa pausa e uma noção clara de que, para nós, este tempo não é um tempo de folga necessariamente só para ficar pensando em nada. É para colocar em prática aquilo que foi estudado. É necessário colocar em prática. Se não colocar em prática, o estudo não funcionará.

Então, estudo, tempo de assimilação, prática; volta ao estudo, tempo de assimilação, prática. Aí você perceberá que aprenderá de fato o que está lendo. Além disso, é necessária uma purificação das escolhas feitas durante o dia, das decisões e valores. Falar de coisas elevadas é muito bonito, mas só se vê se a pessoa realmente escolheu essas coisas elevadas no ato concreto, quando chega a circunstância, a situação.

A tendência da mulher à superficialidade existe. Mesmo que não gostemos de falar sobre isso, não deixará de existir. A superficialidade é uma tendência absurda; precisa ser combatida com força. Superficialidade não é para ser acalentada: unhas, cabelo, maquiagem pela manhã, paleta de cores — isso é um objeto terreno e baixo. Não viverá uma vida de estudo nunca, porque o objeto está baixo e terreno. Isso gera fragmentação. Existe o desejo do estudo, mas o ato concreto é o oposto do que a pessoa diz querer. Não funcionará nunca.

Por isso, estudo, assimilação e prática tiram da superficialidade.


Se for educar uma menina, já saiba que precisa afastá-la da superficialidade, pois isso é uma tendência constante, seja no apreço pelo belo ou por qualquer outra coisa. Há uma tendência a gerar uma ação extremamente caricata e falsa.

Um dos últimos apontamentos que tenho é a questão do inteligir masculino e feminino. Existe uma diferença significativa. O inteligir masculino é combativo; enquanto eu falo, a maior parte dos homens já está pensando em algo que rebate o que estou dizendo ou em algo que já leram que tem relação com o que estou falando. É uma mente combativa, que já está julgando automaticamente.

A mente feminina, por outro lado, funciona diferente. A maioria das mulheres consegue estabelecer um link de "já escutei isso em algum lugar" ou "já vi isso em algum lugar", mas precisa de um tempo para receber o conteúdo e inteirar-se dele. Depois, ela faz uma escolha, que chamo de "catar feijão". Ela começa a escolher as ideias que mais apetece, mas isso pode ser simplesmente afetivo e não ter nada a ver com a verdade. Muitas vezes, a verdade não apetece, mas precisa ser acolhida.

O inteligir feminino tem esse ponto de atenção. O masculino, por outro lado, tem dificuldade no inteirar-se. Normalmente, os rapazes, ao receberem uma informação, já julgaram e fecharam a ideia, sendo mais difícil para eles se abrir a uma outra percepção. A moça, não; ela vai se inteirar de absolutamente tudo. Por isso o reino dos Stories é o reino feminino. É o reino da pura interação; não aprofunda em nada, mas você se inteira sobre todos os assuntos. Já os homens se aprofundam, mas depende de certo esforço para se inteirarem de outra janela que possa ser aberta.

Quais são os cuidados então? Ser um pouco mais criteriosa. Se não for criteriosa, você só vai ficar inteirada em vários assuntos e não vai aprofundar em nada. Veja que não estou falando sobre especializar-se, mas simplesmente sobre não se contentar em ver as coisas superficialmente, sem pegar nada, nem três livros para ler sobre o assunto para ver se o que foi dito condiz com a realidade.

Outro ponto é focar no fim último. A superficialidade vem justamente porque não se foca no fim último. O fim último não é conseguir um marido, não é conseguir a família do Instagram. Estou falando isso porque a maior parte das moças coloca como fim último arranjar um marido. É bom arranjar um marido, acredito que sim, mas "Buscai as coisas do alto e tudo mais vos será acrescentado". Provavelmente, o marido também deve estar junto aí, na Providência. Se a intenção está corrompida, tudo mais será corrompido. Focar no fim último e fazer com que isso seja refletido nas práticas cotidianas é crucial.

Estamos lidando com venenos diários que merecem remédios diários. Não adianta ter uma ideia elevada e não colocá-la em prática no dia a dia. Não vai adiantar nada. As matérias a serem estudadas, como falei antes, incluem literatura, história, arte, e lapidar um talento. Isso é importante.

Descubra o talento e lapide-o. Mas, acima de tudo, use o exemplo que dei anteriormente de Duoda e das Escrituras Sagradas. Aprofundar-se nas Escrituras Sagradas é bom no nosso processo de autoeducação e é fundamental ao educar. Eu não coloquei versículos bíblicos aqui à toa, começando e terminando com versículos, coloquei porque essa é a educação católica. Você parte da Verdade Revelada e, a partir dali, faz os desdobramentos de ideias e aprofundamentos. Por isso, isso é necessário para todos, mas principalmente para a mulher, especialmente aquela que é mãe ou qualquer um que exerça qualquer atividade de educação formal.

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Existe uma necessidade de complementariedade. Talvez este seja o maior motivo de todo este caminho que fiz com vocês. Depois da revolução sexual, tudo ficou muito confuso, tanto os lugares como as ações do homem e da mulher na sociedade, na igreja e em todos os outros aspectos. Isso criou também um ruído sobre qual seria a contribuição feminina nos assuntos, fazendo-nos cair na percepção renascentista de que existem assuntos de mulheres e assuntos de homens que não se misturam.

Não é assim. A forma complementar que a Igreja nos ensina — como vemos no Carmelo de Santa Teresa e São João da Cruz, em São Francisco e Santa Clara — é uma complementariedade inerente. Por que defendemos a família tradicional? Porque Deus quis e quer assim. Não é só por isso. Quando uma criança está sendo educada, seja pela família, pai e mãe, ou num orfanato onde ela tem as irmãs e o padre, ela precisa ter a percepção de mundo tanto feminina quanto masculina. Ela precisa saber que isso existe e precisa receber a realidade do mundo por esses dois prismas.

Diante do mesmo assunto, com as mesmas virtudes, o mesmo valor e a mesma fé, o papai vê de um jeito que é igual, mas ao mesmo tempo diferente da mamãe. A mamãe fala de outro jeito, se situa de outro jeito, e isso faz com que a criança tenha uma noção mais clara da realidade que a cerca. Isso também é real nas ordens religiosas, no processo de educação e autoeducação, e na ação da Igreja, social ou na sua própria dinâmica eclesiástica.

Os temas devem ser abordados pelo prisma masculino e feminino. Estamos a anos-luz disso acontecer? Talvez. Acho que sim. Mas cabe a nós falar o que é correto e para onde deveríamos estar caminhando.

O último ponto é o seguinte: essa participação tem que ser sem intimidação nem acanhamento, uma participação como mulher, com fala de mulher, com exemplo de mulher, com gesto de mulher, com voz de mulher, com argumento de mulher. Ainda carregamos uma mania vinda das feministas de nos apropriarmos de um tom masculino, gesto masculino, porte masculino, porque isso nos dá segurança para nos apresentar. Mas não é isso que as pessoas precisam, não é isso que a Igreja precisa, não é isso que o mundo precisa. Precisam de argumento feminino, mente feminina, gesto feminino, o que somos de verdade: uma participação como mulher e não como uma mulher tentando argumentar ou pensar como um homem.

E nem estou falando das feministas propriamente dita. Às vezes, com bagagem de boas leituras, ainda podemos adotar essa forma de comportamento, achando que essa é a maneira de sermos escutadas. Está longe da verdade. Eles falam alto e forte; nós falamos mais baixo, mais calmo, mais ponderado, com outros assuntos e exemplos. Isso é normal e tem que ser assim.


Último Ponto: Percepções e Reações Equivocadas

Eu sei, já disse que era o último ponto várias vezes, mas agora é para valer! Quero falar sobre as feministas e as percepções e reações equivocadas.

As feministas não estavam equivocadas em sua percepção; a reação é que foi equivocada. Explico: elas perceberam que existe um mundo masculino e um mundo feminino. Isso é verdade. Mas, ao contrário de Duoda, das irmãs, das leigas e das religiosas que conseguiam tirar o melhor do feminino e do masculino, as feministas viram que estavam trancadas no mundo feminino e quiseram ser aceitas no mundo masculino.

Então, elas iniciaram um processo — que é bem anterior à década de 60 — para conseguir ser aceitas. O que é um objetivo muito medíocre, se me permite dizer. Sair do seu mundo apenas para ser aceito, em vez de conquistar e ampliar territórios, é limitado. A percepção estava correta: existem esses dois mundos, e eles são separados. Porque, via de regra, nós entramos no mundo dos homens, mas eles não entram no nosso.

O que aconteceu foi que todo mundo notou que o feminismo estava errado. Estudamos o feminismo, nos tornamos especialistas no erro, e dissemos: "Vamos voltar. Voltar para onde?" Ninguém sabia. A maior parte ficou mais perdida que cego em tiroteio. O que aconteceu foi o retorno a uma coisa aburguesada — e digo burguesia no sentido de alpinismo social, de uma personalidade burguesa.

Fizemos isso porque a única bagagem que ficou como referência de uma articulação entre feminino e masculino foi uma moça afetada e um rapaz forte e firme. Isso é o correto? Obviamente que não. E, se não mudarmos o caminho, veremos problemas com essa afetação, porque não é saudável. Alimenta muito as próprias falas feministas, porque não há como manter tanta afetação. Uma pessoa em sã consciência não consegue manter tanta afetação, tantas necessidades.

A tendência é repetir erros do passado ou criar híbridos piores do que os anteriores. Se não houver um puxão conjunto, principalmente das moças, para não acontecer algo pior do que já aconteceu historicamente, teremos problemas.

Eu ainda guardo a esperança de termos um mundo complementar, cristão e católico, rico e fértil, assim como foram as ordens religiosas. Mas entendo que falar com sinceridade sobre a realidade em que estamos é mais efetivo para chegarmos a algum lugar. Talvez não cheguemos lá, mas com alguma clareza sobre para onde estamos indo e com mais inspiração para trilhar esse caminho com sensatez, podemos contribuir mais com a Igreja.

Era isso que eu tinha a dizer. Espero ter contribuído e que Nossa Senhora nos ajude.



Referências

1) SERTILLANGES, A.D. A vida intelectual. É Realizações, 2020. 440 p. 2) SALES, V. O Mínimo sobre Filosofia. O Mínimo Editora, 2023. 124 p. 3) SERTILLANGES, A.D. Deveres – Dez minutos de Cultura Espiritual. Cultor de Livros, 2020. 218 p. 4) BALMES, J. O Critério – Filosofia Prática. Cultor de Livros. 302 p. 5) MESCHLER, M. O Dom de Pentecostes. Cultor de Livros, 2016. 466 p. (1850-1912) 6) WILDE, O. Diário de Dorian Gray. Penguin. 245 p 7) PERNOUD, R. A Mulher no Tempo das Catedrais. Quadrante. 380 p. 8) STEIN, E. A Mulher. Ecclesiae. 244p. 9) SÃO VÍTOR, H. A Instrução dos Principiantes. Kírion. 90 p.


Outras indicações 




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